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Cinema: O horror italiano revisitado


 

Cena de "I vampiri" (Os vampiros), filme do diretor italiano Mario Bava

Por Fernando Masini

O jornalista americano Tim Lucas lança livro sobre a obra do cineasta Mario Bava; chega em DVD “O pássaro das plumas de cristal”, primeiro filme de Dario Argento

   O cinema de horror italiano foi pródigo em construir na década de 60 um universo repleto de sofisticação visual, dentro de uma atmosfera barroca onde imperou o domínio sobrenatural de forças ocultas. A preocupação com o impacto das cores e das sombras, a convocação de atrizes para o papel de criaturas monstruosas e a ambigüidade dos personagens foram ingredientes peremptórios para a renovação do gênero, que sobrevivia capengando.

   O marco desta retomada em território italiano -após o sucesso dos clássicos da Universal na década de 30 e a subseqüente produção dos estúdios britânicos Hammer nos anos 50- foi o filme “I vampiri”, co-dirigido em 1957 por Riccardo Freda e Mario Bava, história baseada na lenda de Elizabeth Bathory que se banhava no sangue das virgens como forma de revigorar suas forças.

   Não chegou a ter grande repercussão, mas foi fundamental para dar início a uma onda de filmes de horror rodados a partir da década de 60 na Itália. Mario Bava, que havia trabalhado como diretor de fotografia em dois filmes de Freda, debutou com “A máscara do demônio” (“La maschera del demonio”), um conto escabroso que tem a atriz Barbara Steele dos dois lados da trama, interpretando a ignóbil princesa Asa e sua principal vítima, a filha nobre Kátia.

   Muitos dos filmes dessa época de ouro do cinema italiano não obtiveram sucesso imediato no país. “O horror nunca foi popular na Itália durante esse período. Os filmes de horror italianos tornaram-se populares em termos de exportação, principalmente na França e nos Estates Unidos”, comenta o editor-chefe da revista “Video watchdog”, Tim Lucas, em entrevista à Trópico.

   O fato é que, a partir dos anos 70, a formosura gótica e a preocupação com o caráter fantástico encontrado nos filmes de Mario Bava e Riccardo Freda deram lugar a uma nova tradição: os filmes giallo. Uma espécie de thriller popular na Itália que deriva dos livretos de suspense cujas capas eram amarelas. Entraram em cena os assassinos em série, os investigadores de polícia e prevaleceu um retrato mais duro da realidade, menos onírico. A violência intensificou-se com banhos de sangue, decapitações, máquinas de estrangulamento e mortes asquerosas.

   O diretor Dario Argento foi o principal entusiasta dessa nova tradição do cinema italiano. Dirigiu em 1969 seu primeiro longa-metragem, “O pássaro das plumas de cristal”, que a distribuidora Aurora Filmes lança em DVD neste mês. Trata-se da história de um escritor norte-americano que resolve passar um tempo em Roma em busca de inspiração para seu novo livro. Por acaso, testemunha um assassinato na galeria de arte e passa a se envolver com o caso. Uma trama que se repetirá em diversos filmes do diretor.

Mario Bava e o universo gótico

   Antes de se tornar diretor, Mario Bava percorreu cada etapa da confecção de um filme. Fez de tudo um pouco. Começou ajustando legendas e preparando os títulos de abertura para os filmes do pai. Foi supervisor de efeitos especiais e diretor de fotografia de nomes consagrados como Roberto Rossellini e Raoul Walsh. E, talvez pelo tempo despendido em cada uma dessas funções, tenha começado tarde a dirigir seus próprios filmes, apenas aos 46 anos.

   Filho do escultor e cineasta Eugenio Bava, Mario nasceu em San Remo, Itália, em 31 de julho de 1914. Aprendeu logo cedo com o pai os segredos de composição de cenário e iluminação. Sua primeira experiência como diretor aconteceu em 1956 como colaborador de Riccardo Freda no filme “I vampiri” (Os vampiros), considerado o primeiro filme de horror italiano da era sonora.

   Mais do que prestar assistência, Bava assumiu a direção do projeto, quando Freda abandonou os estúdios, após um desentendimento por causa do tempo concedido para as filmagens, segundo ele, muito apertado. O fato é que Bava agüentou as pontas e conseguiu finalizar o restante do filme em apenas dois dias. O mesmo aconteceria no ano seguinte. Mais uma vez Freda pularia fora e deixaria nas mãos do seu diretor de fotografia, Mario Bava, a incumbência de terminar o filme “Caltiki il mostro immortale”.

   De positivo restou a Bava uma espécie de recompensa oferecida pelo produtor Lionello Santi. Ele teria a chance de dirigir seu próprio filme. Em 1960, Bava estréia com “A máscara do demônio”. O roteiro, baseado no conto “Viy” do escritor russo Nikolai Gogol, conta a história da princesa Asa e de seu irmão Igor Javutich, condenados a morrer na fogueira por práticas de satanismo. Antes de serem queimados, ambos têm duas máscaras cheias de espinhos pregadas no rosto.

   Após dois séculos, no dia da comemoração de São Jorge, a princesa Asa e seu irmão renascem e iniciam uma série de assassinatos. Um jovem médico que participa de uma convenção no local vai tentar combatê-los e proteger Kátia, a filha do rei. Tanto ela quanto Asa são interpretadas pela atriz britânica Barbara Steele, que seria mais tarde reverenciada como a “princesa” dos filmes de horror.

   Daí em diante, em apenas cinco anos, Bava dirigiu sete filmes e pôde exibir seu universo sobrenatural e fantasmagórico farto de sombras e efeitos visuais, além de versar sobre assassinatos misteriosos como em “La ragazza che sappeva troppo” (1962), sub-gênero que se tornaria bastante popular sob o olhar de Dario Argento.

   Em 1963, Bava filma três histórias de horror em “I tre volti della paura”, lançado em DVD no Brasil pelo selo Dark Side com o título “As três máscaras do terror”. No primeiro capítulo, chamado “O Telefone”, uma mulher chega em casa e o telefone começa a tocar sem parar. Seu ex-amante, fugido da prisão, passa a fazer ameaças contra ela. Diz que vai matá-la e descreve todos os seus passos na sala. Ela resolve ligar pra uma amiga e pedir ajuda.

   Tanto no primeiro quanto no último episódio, “Gota d’água” -sobre uma enfermeira que ajuda a vestir uma velha morta e aproveita a ocasião para furtar-lhe um anel de brilhante- Bava deixa o sobrenatural de lado para investir numa filmagem mais misteriosa, cheia de suspense, com momentos dignos de Hitchcock, onde pouco acontece e muito se sugere através do pavor dos personagens enclausurados dentro de casa.

   Já no segundo episódio, “O wurdulak”, o diretor recorre mais uma vez ao sobrenatural e ao feitiço do olhar feminino, evocados anteriormente em “A máscara do demônio”. Um conde viajante encontra um homem morto, apunhalado no peito, e busca refúgio numa casa isolada. Os irmãos explicam-lhe que o pai (Boris Karloff, a criatura em “Frankenstein”, dirigido por James Whale em 1931) havia deixado a casa cinco dias atrás em busca de Alibek, um bandido turco cuja lenda dizia que era um wurdulak, cadáver que tem sede de sangue.

   O conde resolve pernoitar na casa. Na mesma noite, o pai retorna contaminado pela mordida do vampiro. Os familiares hesitam em matá-lo apesar de perceberem a transformação. Aos poucos, todos vão sendo contaminados até sobrar Sdenka, a mulher por quem o viajante se apaixona. Assim como a princesa Asa, Sdenka reluta em aceitar o pedido de fuga do forasteiro apaixonado ao alegar fidelidade aos laços familiares, atrelagem junto ao lar.

   Depois de quebrar o contrato com a American International Pictures, Bava voltou a trabalhar com orçamentos apertados e tempos de filmagens bastante curtos, o que parece ser fato corriqueiro na sua carreira. Em “Operazione paura” (“Kill, baby... Kill!”), de 1966, Bava e a equipe concordaram em terminar o filme sem ganhar um tostão depois que os produtores abandonaram o projeto ainda nas duas primeiras semanas.

   Na década de 70, Bava emplacou mais dois filmes giallo, na mesma época em que Dario Argento debutou com “O pássaro das plumas de cristal”. O primeiro deles, “Cinque bambole e la luna d’Agosto” (“Five dolls for an August moon”), conta a história de uma série de assassinatos envolvendo rapazes que, a convite de um empresário, tiram férias numa ilha isolada.

   Quatro anos mais tarde, outro percalço durante um projeto inacabado: “Cani arrabbiati” (“Rabid dogs”), filme de 1974 que o próprio diretor não pôde ver completo. A première mundial aconteceu somente 20 anos mais tarde em Bruxelas. O produtor Roberto Loyola decretou falência e o filme acabou sendo confiscado e apreendido. O enredo trata de dois assaltantes que fazem uma moça refém dentro de um carro. Para o crítico Tim Lucas, trata-se de seu filme mais “ousado” e ironicamente o único filme em que o cineasta foge do universo fantástico.

   Mario Bava dirigiu um total de 24 longas-metragens num período de 18 anos. Morreu em 25 de abril de 1980, em Roma, por decorrência de um ataque cardíaco. No artigo “Mario Bava, the illusion of reality”, Alain Silver e James Ursini tentam resumir a excelência de suas obras. “O que faz o trabalho de Bava destoar dos outros cineastas do gênero é a criação de metáforas e ironias por meio da interação de pontos de vista subjetivos e objetivos e também da relação entre a desorientação visual e as emoções do personagem”, escrevem.

Dario Argento e o filme giallo

   Dario Argento pode ser encaixado como o sucessor de Mario Bava na história do cinema de horror italiano. A partir da década de 70, sua obra foi fundamental para uma renovação do gênero. É adorado principalmente pelo público jovem como uma espécie de fenômeno cult do cinema. Alguns críticos, como o professor do Europen Film College, Mark Le Fanu, torcem o nariz por acharem que a violência sexual em seus filmes é exagerada e estilizada demais.

   De fato, os filmes de Argento são carregados de mortes asquerosas e é recorrente a vítima ser do sexo feminino. Mas sobrepõe-se à questão moral, freqüentemente evocada por seus detratores, um estilo em que o impacto visual de cada cena está no caráter fantástico e imaginário do universo do cineasta. “O cinema para mim era como entrar na dimensão dos sonhos”, disse Argento no documentário “An eye for horror”.

   Dario Argento nasceu em 7 de setembro de 1940, em Roma. Sua mãe tinha um estúdio de fotografia, onde o filho gostava de acompanhar os ensaios das modelos. Seu pai, Salvatore Argento, foi produtor cinematográfico e cooperou diversas vezes em filmes dirigidos pelo filho Dario.

   Seu envolvimento com o cinema começou cedo. Escreveu críticas para o jornal romano “Paesa Sara” e alguns anos depois colaborou assinando roteiros para westerns produzidos na Itália. A grande oportunidade surgiu quando o diretor Sergio Leone encomendou para Dario Argento o roteiro de “Era uma vez no oeste” (1968). Junto com Bernardo Bertolucci, ele aceitou o desafio e vislumbrou a possibilidade de seguir carreira como diretor de cinema.

   “Sergio Leone me ensinou a raciocinar em termos de imagem”, disse Dario Argento. O passo seguinte foi embarcar num projeto próprio. Com a ajuda financeira do pai, com quem passou um ano em busca de patrocínios, conseguiu lançar, em 1970, seu primeiro longa-metragem “O pássaro das plumas de cristal”. Trata-se da sua imersão no sub-gênero giallo, cujas tramas são em grande parte associadas à série de assassinatos seguida de investigação amadora comandada por um homem comum, não vinculado à polícia.

   O enredo deste seu primeiro filme passa-se em Roma, onde o escritor americano Sam Dalmas tenta buscar inspiração para escrever seu novo livro. Enquanto passeava pela rua, ele testemunha uma tentativa de assassinato em uma galeria de arte. Junto com um inspetor de polícia, Sam procura desvendar os mistérios que rondam as ações do assassino. Após incansáveis investigações, ele descobre que o assassino era uma mulher, Mônica, justamente a imaginada vítima do terceiro caso na galeria.

   O filme obteve sucesso comercial e permitiu a Dario rodar outros dois projetos que completariam sua trilogia dos animais. A partir de 1975, mais exatamente em “Prelúdio para matar” (“Profondo rosso”), Dario parece encaminhar para a fusão de dois elementos que marcariam o restante da sua obra: o suspense e o sobrenatural na mesma trama. A propósito do filme, o diretor disse que foi uma tentativa de “estreitar a distância entre suspense e terror”.

   Em “Prelúdio para matar”, mais uma vez um personagem cai de gaiato na história de uma série de crimes e tenta como pode ajudar o trabalho da polícia. Durante um congresso de parapsicologia, a médium Helga começa a ter espasmos e diz sentir a presença de uma mente perversa no recinto. No mesmo dia ela é assassinada em casa. O pianista Mark Daly (David Hemmings) testemunha sua morte. Mais tarde, no local do crime, ele conhece a repórter policial Gianna Brezzi (Daria Nicolodi) e se envolve nas investigações. Em busca de provas, ele passa a desconfiar do seu amigo Carlo.

(© Trópico)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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