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Antonio Negri |
Autores do sucesso Império, em
Multidão, fazem uma nova avaliação da realidade global e das
possibilidades de uma democracia ainda desconhecida. Negri e Hardt
alertam para a necessidade de esquecer conceitos ultrapassados como
classe trabalhadora e proletariado, que já não dão conta das
complexidades envolvendo etnia, raça, gênero e classes do mundo
contemporâneo.
Agência Carta Maior
A quantas anda o Imperialismo na era
do Império Americano? Muitos afirmam que a guerra unilateral contra o
terrorismo promovida pelos Estados Unidos prova que o imperialismo à
velha maneira continua vivo e atuante. Depois do sucesso de Império, em
que analisam a nova ordem política da globalização, em Multidão,
Hardt e Negri sustentam que é o contrário que acontece: os terríveis
fracassos do projeto americano vêm confirmar que a única maneira de
ricos e poderosos preservarem seus interesses e assegurarem a ordem
global é estabelecer uma ampla colaboração entre as potências
dominantes, numa nova forma de Império.
Mas
esta paz imperial de forma alguma constitui uma solução para a maior
parte do mundo. Esta paz serve na realidade para manter globalmente um
estado de violência que vem progressivamente permeando todos os aspectos
de nossa sociedade, exacerbando hierarquias e subvertendo as
possibilidades tradicionais de troca democrática. Será que o medo
transformou-se em nossa condição permanente e a democracia, num sonho
impossível? Este pessimismo é profundamente equivocado, sustentam Hardt
e Negri.
Ao
colonizar e interligar de maneira cada vez mais profunda um número maior
de aspectos da vida, o Império está na realidade criando a possibilidade
de um novo tipo de democracia. Convergindo numa comunidade globalmente
interligada em redes, diferentes grupos e indivíduos podem associar-se
em fluidas matrizes de resistência; deixando de constituir ‘massas’
silenciosas e oprimidas, podem formar uma multidão, com o poder de
forjar uma alternativa democrática à atual ordem mundial.
Arrebatador em seu otimismo, no alcance e na profundidade de sua visão,
Multidãoconfirma Hardt e Negri como dois dos mais interessantes e
importantes filósofos políticos em atividade no mundo.
Antonio Negri, cientista social e filósofo italiano, nasceu em Pádua
em 1933. Membro da Autonomia Operária, foi condenado a 13 anos de
prisão. Exilado em Paris por 14 anos, retornou à Itália e, a partir de
1997, cumpriu pena em regime semi-aberto na prisão de Rebibbia, em Roma.
Publicou A anomalia selvagem - poder e potência em Spinoza;
The politics of subversion: A manifesto for the 21st century; Communists
Like Us, com Felix Guatarri, e Constituent Power and the Modern
State.
Michael Hardt, professor da Duke University, e um dos principais
pensadores da esquerda norte-americana, investiga aspectos políticos,
sociais e econômicos da globalização. Autor de Gilles Deleuze - um
aprendizado em Filosofia e co-autor, com Antonio Negri, de Labor
of Dionysus: A Critique of the State-form. Publicou com Paolo Virno
Radical Thought in Italy e com Kathi Weeks The Jameson Reader.
Multidão
Guerra e democracia na era do Império
(Multitude)
Antonio Negri e Michael Hardt
Tradução de Clóvis Marques
532 páginas
R$ 62,90
(© Agência
Carta Maior)
Amor & multidão
Rachel Bertol
Foi sob o impacto dos protestos
que eclodiram em Seattle, no fim de 1999, e em Gênova, em 2001, os ditos
movimentos antiglobalização, que o italiano Antonio Negri e o americano
Michael Hardt escreveram “Multidão” (editora Record) — obra que o
filósofo italiano lança hoje em Nova Iguaçu e em conferências no Rio nos
próximos dias (uma delas no auditório do GLOBO, terça-feira). No livro,
os autores aprofundam idéias que haviam desenvolvido em “Império”, que
obteve ampla repercussão nos meios intelectuais de esquerda de todo o
mundo, quando publicado, em 2000. Ao buscar entender as novas formas de
poder na globalização, Negri e Hardt destacam a força da multidão,
conceito que se refere à potência criativa dos indivíduos, à cooperação
e aos desejos que propiciam resistência e transformação, isso numa era
em que a soberania dos Estados-nação entrou em xeque e a guerra
tornou-se global, policialesca.
As análises dos movimentos da
multidão — os quais se expressam em encontros como os do Fórum Social
Mundial, com redes militantes de intelectuais, negros, indígenas etc —
alimentam outro livro que Negri lança agora no Brasil: “Glob(AL) —
Biopoder e luta em uma América Latina globalizada” (Record), escrito com
o professor da UFRJ Giuseppe Mario Cocco. Os autores reiteram no livro
seu apoio ao presidente Lula. Em sua opinião, com Lula mantém-se aberto
um espaço “constituinte”, de “articulação entre conflito e consenso”,
que vai no sentido “de uma radicalização democrática — ética — (...)
contra o acaso, contra o passado, contra tudo o que é constituído”.
Em entrevista por telefone de
Veneza há poucos dias, antes da viagem à América Latina — Negri esteve
esta semana no Chile e depois do Brasil irá à Argentina —, o filósofo
afirmou que o caso brasileiro “é o cúmulo”.
— São os corrompidos que ganham.
E os corrompidos são o sistema e não o pobre Lula. É como na Itália:
Berlusconi ganha, e ele é o corrompido. É a mesma operação: quanto mais
você é corrompido, mais você ganha — observou o filósofo, que há dois
anos reconquistou sua total liberdade, após cumprir pena na Itália
devido à acusação de envolvimento com o grupo Autonomia Operária.
Negri, de 72 anos, vive hoje
entre Paris e Veneza. Em suas conversas, gosta de rir e soltar
gargalhadas, e se inflama muitas vezes ao defender seus pontos de vista.
O filósofo dedica-se no momento a um novo livro com Hardt, agora com
ênfase para a ação — e no qual não deixará de ressaltar, como já faz em
“Multidão”, a importância do amor. Tudo isso sem medo de enfrentar “o
cinismo derrisório”
(© O
Globo)
‘Vivemos uma crise de
inteligência’
Antonio Negri afirma que “estamos
numa bela crise”, pois, segundo ele, George W. Bush perdeu sua guerra,
mas em contrapartida ninguém saiu vitorioso. A seguir, trechos da
entrevista:
AMOR: “Sou espinozista, escrevo muito sobre Espinoza, grande
filósofo do século XVII, que fala de amor sem vergonha alguma. Hoje,
quando falo de amor numa conferência há uma espécie de cinismo
derrisório. Mas o amor é uma das grandes forças, como diz Espinoza, da
Humanidade. Sem amor, as crianças talvez nascessem, porque o desejo é
mais forte que o amor, mas não poderiam ser educadas. O amor é uma força
de cooperação, de solidariedade. A grande força humana que constrói
civilização. E a civilização não é a força da violência, mas sobretudo
do amor e da solidariedade. São conceitos totalmente laicos, próprios.
Não há um a priori, transcendental: são realmente formas de vida, como
as pessoas se organizam, constituem sua sociedade e se juntam. Não é o
amor cristão, nem burguês: é o amor enquanto força imanente e
ontológica, quer dizer, construída do ser.”
GUERRA: “A guerra terminou na forma de lutas entre soberanos. É
algo horrível, uma violência absurda, os exércitos são feitos de
mercenários. Não é nem a velha guerra republicana ou monárquica. São
carabinieri no mundo todo, polícias. Hoje, estamos mais ainda em
crise porque Bush perdeu sua guerra e ninguém sabe ao certo que vai
acontecer. Pois se é verdade que Bush perdeu, ninguém ganhou. Estamos
numa bela crise, num ponto negro, um interregno, entre uma coisa e
outra. De uma dominação capitalista americana do mundo, temos um
pluralismo extremamente confuso. Há, aqui e lá, guerras horríveis. Há
movimentos sociais extremamente fortes. Há questões que tocam a
soberania, a forma capitalista da dominação, a forma burguesa do poder.
São problemas abertos. E que reabriram. Tínhamos a impressão de que com
o fim da URSS tudo tinha terminado. A História tinha terminado, disseram
alguns imbecis. Ao contrário, a História nunca esteve tão aberta.”
PRESIDENTE LULA: “Lula reconheceu a globalização. Compreendeu que
não é possível tornar uma economia eficaz a não ser na globalização.
Isso não somente para os patrões, absolutamente, mas para trabalhadores,
proletários, negros. Em segundo lugar, compreendeu que havia um eixo
sul-sul que podia se desenvolver, sempre na globalização. Em terceiro,
compreendeu a questão da articulação da sociedade: o problema não é
transferir a propriedade, simplesmente — é também este — mas transferir
o saber, jogar sobre esses elementos fundamentais na sociedade moderna,
ou pós-moderna. As pessoas não tinham um justo sentimento da dificuldade
que é preciso superar para conduzir um pouco de justiça e legalidade ao
Brasil. As coisas não acontecem de um dia para outro. É preciso
construir, sobretudo agora que não há mais modelos. Quem denuncia Lula
ou é utopista, e eu não gosto dos utopistas, ou é oportunista, empenhado
em construir um poder direitista, com base em soberanias e
nacionalidades, como ocorre na mídia. Os patrões brasileiros, o que
querem? Querem retomar o governo, jogar fora Lula. Criaram a ignóbil
raça da corrupção, mas são eles os corrompidos.”
DEMOCRACIA: “O conceito de representação no mundo todo deve ser
completamente modificado e também o governo, o parlamento, tudo isso
hoje não funciona. É preciso repensar essa temática no nível das
governanças, nas relações concretas entre movimentos da sociedade e
articulações administrativas.”
SOBERANIA: “Hoje vejo que a soberania não funciona mais. A teoria
da soberania foi inventada por clássicos do pensamento político, Hobbes
e outros, dizendo que, sem a soberania, haveria somente guerra. Não
penso isso. Penso que a condição de relação entre os homens também deva
ser de cooperação, produção de justiça, organização das instituições
comuns, mas por outro lado vejo que cada vez que o movimento em direção
à cooperação se afirma, que o socialismo e a esquerda se afirmam, há um
retorno duro em direção à guerra. Rumo ao medo, a uma ideologia do medo,
a utilização da insegurança para legitimar a guerra. Vejo nesta crise de
valores que vivemos uma crise de inteligência. É uma crise das pessoas
que não compreendem verdadeiramente o que se transforma no mundo, na
realidade. Nesta crise ocorre o recurso ao medo, à guerra, à catástrofe,
ao desastre... Agora na Europa há uma história absurda com a gripe
aviária: é impressionante a pressão que a mídia põe nessas coisas. Há
sempre a inserção da morte, do medo no cotidiano, como afirmação e
possibilidade.”
MULTIDÃO: “‘Multidão’ é um livro objetivo, reconhece o que se
passa no mundo. A multidão é a população ativa, não mais definida por
relações de soberania. Vivemos um novo movimento. O livro foi escrito no
auge do movimento antiglobal, ou alter-mundialista, como dizem os
franceses, de Seattle a Gênova, nesse espírito. As pessoas se esqueceram
totalmente desses movimentos, e é evidente que tenham esquecido, pois há
uma intenção política nisso.”
(© O
Globo)
Negri fala hoje no
auditório do GLOBO, às 19h
O
filósofo italiano Antonio Negri é um dos convidados do debate
“Globalização e as novas redes de poder”, que integra a série Encontros
O GLOBO e acontece hoje, às 19h, no auditório do jornal. O debate
reunirá ainda Giuseppe Cocco, professor da UFRJ e doutor em história
social pela Universidade de Paris, e Francisco Carlos Teixeira da Silva,
professor do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, também da UFRJ. O
encontro será mediado pela jornalista Rachel Bertol, editora-assistente
do caderno Prosa & Verso.
O filósofo italiano lança no
Brasil dois livros, um deles “Multidão — Guerra e democracia na era do
Império” (Record), escrito em parceria com o americano Michael Hardt. O
outro livro é “Glob(AL) — Biopoder e luta em uma América Latina
globalizada” (Record), escrito em parceria com Giuseppe Cocco.
Autores fazem veemente defesa de Lula
No
primeiro livro, Negri aprofunda aspectos que desenvolvera com Michael
Hardt em “Império”, obra lançada há cinco anos, na qual discute as novas
formas de poder e as possibilidades de resistência na globalização. Em
“Glob(AL)”, Negri e Cocco discutem essas idéias no contexto político e
econômico de países como Brasil, Argentina e México. Os autores fazem
veemente defesa do presidente Lula.
Não há necessidade de retirar
convites nas agências de classificados do GLOBO. Os interessados podem
começar a chegar até uma hora antes do horário marcado. O auditório tem
capacidade para 400 pessoas e a lotação é por ordem de chegada. O GLOBO
fica na Rua Irineu Marinho 35, Cidade Nova.
(© O
Globo) |