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Isabella Rossellini transforma pai em barrigão


 

Bettmann/Corbis

Isabella Rossellini, aos quatro anos, entre os pais, Roberto Rossellini e Ingrid Bergman, e com dois irmãos, em foto de 1956

Em clima onírico e pessoal, curta escrito e protagonizado pela atriz italiana homenageia diretor do neo-realismo

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

   A pequena Isabella era uma garotinha confusa. Não entendia por que um novo irmão nunca saía do barrigão de seu pai, Roberto. "Ele está grávido", pensava, já que o patriarca da família Rossellini vivia dizendo que queria ser um cavalo-marinho para carregar todos os filhos na barriga.

   Essa é uma das imagens mais antigas que a hoje celebrada atriz Isabella Rossellini, 53, guarda de seu pai herói, Roberto Rosselini (1906-1977), "pai" de outro belo rebento, o neo-realismo. E é com essa imagem na cabeça que ela resolveu homenageá-lo no curta "My Dad Is 100 Years Old" (meu pai tem cem anos), atração da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 21. Com o clássico "Roma, Cidade Aberta" (1945), o filme faz parte das comemorações dos cem anos de nascimento do diretor italiano.

   Dirigido por Guy Maddin e escrito por Isabella, "My Dad..." opta por um registro afetivo, em que se embaralham as vozes amigas e críticas que recaíam sobre o diretor -retratado como uma barriga gigante. "Se ele era um gênio, por que está esquecido hoje?", questiona a atriz. Leia a seguir a entrevista de Isabella à Folha.

 

Folha - Além da homenagem, por que você decidiu fazer esse filme?
Isabella Rossellini -
Queria fazer algo que estimulasse o interesse do público sobre o trabalho de meu pai. Muitos de seus filmes não passam mais na TV e dificilmente são mostrados nas universidades. Estudantes aprendem sobre o neo-realismo, conhecem Visconti, De Sica, Fellini; mas provavelmente viram apenas um único filme de [Federico] Fellini.
 

Folha - Por que retratar seu pai como uma barriga gigante?
Rossellini -
Meu pai sempre dizia, em tom de piada, que queria ser um cavalo-marinho. Eu não entendia isso, então resolvi manter esse clima de confusão. A grande barriga representa o patriarca, o começo de tudo, um planeta, o Big Bang.
 

Folha - Você sentiu pressões ao lidar com a memória de seu pai?
Rossellini -
A única pressão que senti foi em relação à minha família. Uma irmã minha ficou muito brava! As outras acharam que tudo era OK. Como somos em sete, então não é tão mal assim... Ela acha que meu filme não é respeitoso. Eu era muito jovem [23 anos] quando ele morreu, foi a primeira pessoa próxima que vi ir embora. Ele era um patriarca de voz ativa, naquela tradição dos livros de Gabriel García Márquez.
 

Folha - Você diz não saber se seu pai era um gênio ou não. Por quê?
Rossellini -
Em uma cena, eu digo algo como: "Tudo o que você disse faz tanto sentido, tudo o que você disse era tão certo, mas, mesmo assim, você está sendo esquecido". Sempre há essas injustiças, sempre queremos acreditar que, se você realmente é bom, você permanece, mas não... Fico irritada em testemunhar isso acontecer, enquanto filha. Antes de saber quem é meu pai, as pessoas me conhecem e, depois, dizem: "Ah, seu pai é Roberto Rossellini?". Ninguém o conhece, isso é triste. No final, não importa se é um gênio ou não, eu o amo, como qualquer filha ama seu pai.
 

Folha - Foi complicado interpretar sua mãe [Ingrid Bergman]?
Rossellini -
Não. Sempre me pedem para imitá-la. A cena foi um pouco triste, sim, já que a personagem aparece em close-up, como se fosse uma deusa das telas, grande demais perto dos outros.
 

Folha - Você cresceu em meio a sets de filmagens. Quais suas lembranças desse período?
Rossellini -
Eu ia aos sets dos filmes de meu pai, não nos de minha mãe. Meu pai era o diretor, o chefe. Então ele podia levar a família, ao contrário dos atores. Trabalhei em vários filmes quando eu não estava na escola. Cuidava das roupas, vestindo os extras.
 

Folha - Você concorda com todas as idéias de seu pai sobre cinema?
Rossellini -
Sim. A inspiração para seus filmes era diferente das outras pessoas. Sua inspiração tinha a ver com consciência, moralidade e compreensão. Para os outros cineastas, o ato de contar histórias é o que mais importava.
 

Folha - O que ele pensaria sobre a indústria atual?
Rossellini -
Acho que pensaria as mesmas coisas. Pouca coisa mudou; é uma eterna questão entre ser arte ou ser um negócio. Mesmo David Lynch, que é um diretor amado e respeitado, sempre está batalhando para conseguir dinheiro para seus filmes. Essa é uma história sem fim.

(© Folha de S. Paulo)


SAIBA MAIS

Ingrid e Rossellini viveram relação entre fracassos

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

   A história dos pais de Isabella, Ingrid Bergman e Roberto Rossellini, começa com um escândalo: casada e em ascensão em Hollywood, a estrela sueca se apaixona pelo italiano "pai do neo-realismo". Por oito anos, os dois vivem entre belos rebentos e conturbadas produções, fracassos comerciais que fizeram a história do dito cinema moderno.

   Em 1954, a família desembarca na França. Rossellini está decidido a não fazer mais filmes. Um grupo de jovens críticos e amantes de cinema, ensaiando seus primeiros passos como realizadores, se forma ao redor do socrático. Para essa geração francesa, da nouvelle vague e do cinema-verdade, o realismo de Rossellini era, antes de tudo, sinônimo de realização: "Um homem e uma mulher dentro de um carro: uma vez que vi "Viagem à Itália", eu sabia que mesmo que não fizesse filmes, poderia fazê-los", diria Godard.

   Rossellini era um homem vindo de duas conversões. A do playboy que debutou no cinema dirigindo filmes de propaganda fascista antes de aderir, durante a guerra, à Resistência e conceber, com restos de películas traficadas, a nova imagem da Itália ("Roma, Cidade Aberta" e "Paisà"). A do homem apaixonado que flertou com Hollywood antes de se descobrir incapaz de realizar "alguma coisa que não fosse absolutamente sincera".

   Com Ingrid, ele filma histórias de conversão, obras de um realismo espiritualista que só podia ser compreendido em sua dimensão espiritual. Um cinema da vidência, que transcendia a questão social neo-realista para afirmar o cinema como uma nova pedagogia da imagem.

(© Folha de S. Paulo)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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