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Italianos se preocupam com o fim da "Dolce Vita"


 

Tito Boeri, da Universidade Bocconi

Dissemina-se no país uma sensação de empobrecimento após euro

Elisabetta Polvoledo
Em Milão

   Nas férias de verão, Anna e Massimiliano Minore fizeram o mesmo que no ano passado e no ano anterior: encurtaram-na.

   Até 2003, os Minore alugavam uma casa nas montanhas de Abruzzi, por duas semanas. Neste ano, passaram uma semana em uma praia mais barata, na Croácia.

   Cada vez mais preocupados com os custos para criar dois filhos adolescentes e pagar as contas, os Minore vêm cortando pequenos luxos do orçamento, como férias de verão, mesadas e saídas para o cinema e boliche.

   "Não conseguimos mais pagar as contas com nossos salários", disse Anna Minore, 44, que trabalha meio período com limpeza. Seu marido, de 47 anos, é responsável pelo controle de qualidade de uma empresa de alumínio. "Tudo está mais caro", reclamou.

   Os Minore fazem parte de um número crescente de italianos que sofrem do que se chama de "pobreza subjetiva", a sensação de que estão se tornando mais pobres.

   Se de fato perderam poder de compra é uma questão de debate entre economistas. Mas é certo que o país foi atingido por uma sensação crescente de empobrecimento desde a introdução do euro, há quase quatro anos.

   Os números são impressionantes. Um estudo recente, divulgado em julho pelo Isae, um instituto de análise econômica, perguntou aos italianos se ganhavam o suficiente para viver bem, "sem luxos, mas sem prescindir das necessidades básicas". Um total de 70% disse que não.

   O resultado representou um aumento de 20% de uma pesquisa similar no ano anterior, disse o instituto, acrescentando que agora havia uma "percepção difusa entre as famílias que os custos para manter um padrão de vida decente estavam aumentando, levando em consideração que a renda anual continua estável."

   A pobreza subjetiva, que depende das noções individuais, é diferente da "pobreza relativa", que se refere a quando as pessoas não conseguem mais manter um estilo de vida considerado aceitável pelos padrões da comunidade.

   De acordo com os números divulgados na quinta-feira (06/10) pela agência nacional de estatísticas Istat mais de 7,5 milhões de pessoas estão vivendo em "pobreza relativa". Isso significa 13,2% da população, um aumento de 1% em relação ao ano passado. Quem está abaixo dessa linha de pobreza mora em casas com ao menos duas pessoas em que a média de gastos per capita é de menos de 919,98 (cerca de R$ 2.500) euros por mês.

   Além disso, "uma parte considerável da população está sentindo o cinto apertar. São pessoas que estão se virando, mas sentem que estão tendo mais dificuldades", disse Chiara Saraceno, socióloga da Universidade de Turin, acrescentando: "Não é que queiram comprar uma Ferrari, mas gostariam de poder pagar um sorvete para os filhos todos os dias."

   As pesquisas mostram que muitos europeus estão pessimistas em relação a seu bem-estar econômico. O assunto, porém, tornou-se uma obsessão na Itália, refletido em uma série de artigos nos jornais sobre tópicos como empobrecimento das famílias, encolhimento da classe média e os "novos pobres".

   Alguns economistas acham que a imprensa foi longe demais. "Se você lê os jornais, você pensa que Milão é Nairóbi", disse Giancarlo Rovati, presidente da comissão de exclusão social do governo, em entrevista em seu escritório na Universidade Católica.

   Ele disse que a ampla noção de empobrecimento entre italianos era um "sinal a ser levado a sério", mas negou um aumento da pobreza. "Se nossos salários perdem poder de compra, nos sentimos mais pobres, mas isso não é a mesma coisa do que ser pobre", disse ele.

   Estatísticas econômicas, porém, não esclarecem a questão. O índice oficial de inflação, determinado pelo Istat, ficou logo abaixo de 2% no último ano.

   No entanto, muitos italianos percebem a inflação muito mais alta, especialmente desde a introdução do euro. Uma organização de pesquisa respeitada em Roma, Eurispes, publicou um relatório no ano passado estimando a inflação de 2001 a 2004 em 22,2%, com uma perda do poder de compra de 14,8% nos mesmos três anos.

   Tito Boeri, economista da Universidade Bocconi, acredita que uma combinação de fatores provocou a sensação geral de empobrecimento e desconforto. Um dos fatores foram as expectativas frustradas, depois de anos de crescimento econômico. A estagnação econômica "fez as famílias se sentirem mais frágeis", disse ele.

   Também houve uma mudança na distribuição de renda entre famílias de executivos e operários, para a desvantagem dos trabalhadores de produção e secretariais. Isso, segundo Saraceno, aumentou a diferença entre famílias que sentem que podem gastar dinheiro com extras e as que sentem que não podem. "Não é uma questão de um aumento no preço da abobrinha", disse ela.

   De acordo com Rovati, "havia uma impressão de que o futuro sempre seria melhor". Agora, diz ele, "as pessoas, independentemente de sua renda, têm a sensação de que estão vivendo com maior incerteza e precariedade" .

   O primeiro-ministro Silvio Berlusconi não foi afetado pelo pessimismo econômico. "Apesar dos relatos catastróficos nos jornais sobre o estado da economia italiana, sou otimista", disse ele em reunião com industrialistas e especialistas financeiros no Lago Como, no início do mês. "A verdade é que há bem estar", disse ele, de acordo com a imprensa, acrescentando que, afinal, "todo mundo tem um celular e carro próprio".

   "O governo diz: 'Vejam como a pobreza não está aumentando', mas qual é o objetivo? Reduzir a pobreza ou parar seu crescimento?" perguntou Rovati.

   "O que chamamos de pobreza é de fato uma insegurança em relação ao futuro", acrescentou. "E isso é uma emergência". Para os Minore e muitos outros como eles, haverá mais apertar de cintos.

   "Antes, quando eu via algo que gostava, eu comprava", disse Anna Minore. "Agora não." Sua previsão para o futuro era desanimadora, particularmente para as pessoas com salário fixo. "Não dá para pensar em comprar uma casa, mudar de carro ou planejar as férias do ano seguinte. Agora, vivo dia a dia."

(© UOL Mídia Global/Herald Tribune)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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