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Clarinetista italiano
Gabriele
Mirabassi |
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O
disco instrumental brasileiro do ano vem da Europa. Com o CD "Graffiando
Vento", o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi consolida o nome de
Guinga como o principal compositor da MPB.
"Arranhando Vento" seria a tradução em português para o título do álbum,
registrado em Perugia (Itália), em 2003, exclusivamente com obras de
Guinga, que nele toca violão, e lançado no começo de setembro, no Sesc
Pompéia, em São Paulo, para uma pequena e pasmada platéia, que não podia
crer no absoluto domínio de seu instrumento de Mirabassi, um
clarinetista que estava engajado nas correntes européias de música
contemporânea antes de enveredar pelo jazz e pela música brasileira
-previamente ao duo com Guinga, ele havia gravado "Velho Retrato", em
parceria com Sergio Assad, e "Uno a Zero", em homenagem a Pixinguinha.
Mirabassi, contudo, não é daqueles exibicionistas ansiosos, que precisam
mostrar em dois compassos tudo o que podem fazer com o instrumento.
Ao
longo das 12 faixas do disco, ele vai calmamente desfilando seus
recursos, que parecem brotar naturalmente das necessidades expressivas
de cada música.
Daí podemos apreciar o calor de sua sonoridade, as longas linhas
sustentadas sem esforço aparente, a ampla gama de dinâmica e a
inteligência do fraseado, conferindo poesia a temas líricos como
"Exasperada", "Valsa para Leila" e "Rasgando Seda".
Quem quiser ouvir acrobacias também pode se deleitar com o "Baião de
Lacan", no qual, mostrando fôlego aparentemente inesgotável, ele e
Guinga entoam suas escalas em um uníssono velocíssimo.
Anos 90
Embora tenha sido gravado por Elis Regina e Clara Nunes nos anos 70 e
tenha emplacado um tema de novela em 1986 ("Senhorinha", em "Sinhá
Moça", da Globo, na voz de Ronnie Von), Guinga é um fenômeno da década
de 90, quando começou a dar shows e a gravar disco. Chegou perto da
notoriedade em 96, quando Leila Pinheiro lançou, pela EMI, "Catavento e
Girassol", inteiramente constituído de músicas dele; contudo, ainda hoje
é possível classificá-lo de "segredo mais bem guardado da MPB", dado o
descompasso entre fama e talento.
As
melodias de Guinga são a um só tempo cantáveis e elaboradas, com
extensão ampla que desafia os cantores menos dotados (como ele próprio)
e uma riqueza de saltos e intervalos inesperados que bane a obviedade.
Elas estão emolduradas por uma linguagem harmônica rica em surpresas,
cuja sofisticação não lhe rouba a sensação de espontaneidade.
Todas essas características já garantiriam a ele um lugar especialíssimo
entre os criadores populares do Brasil.
"Graffiando Vento" nos ensina, além disso, que as canções de Guinga
funcionam como música abstrata, sem precisar do apoio dos letristas, de
um jeito que não parece estar ao alcance de nenhum de seus colegas.
O
único inconveniente é que o pequeno selo italiano Egea Records tem
distribuição restrita, que não alcança o Brasil. O jeito é buscá-lo em
sites estrangeiros, como o da Fnac francesa (www.fnac.com).
Graffiando Vento
Artista: Gabriele Mirabassi (clarinete) e Guinga (violão)
Lançamento: Egea Records
Quanto: R$ 75, em média
(© Folha
de S. Paulo)
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