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Umberto Eco discute idéia do belo em dois livros

12/12/04

 

 

 

Sai no Brasil A História da Beleza, em que o autor de O Nome da Rosa divide com outros os ensaios do livro

Antonio Gonçalves Filho

   São Paulo - Aos que imaginavam ter entendido O Nome da Rosa, Umberto Eco traz dois recados em forma de livros: História da Beleza (440 págs., R$ 150), que a Record coloca a partir de hoje nas livrarias, e La Misteriosa Fiamma della Regina Loana (Bompiani, 458 págs, 19 euros), cuja tradução para o português a mesma editora promete lançar em abril. O primeiro não é obra exclusiva de Eco. Deriva, com acréscimos e adaptações, de um CD-ROM lançado há dois anos na Itália, com textos do autor e de Girolamo de Michele.

   O segundo livro é, sim, um romance ilustrado de autoria exclusiva de Eco, que revisita o próprio passado por meio de um personagem que perde a memória - a biográfica, não a semântica. Os dois livros, de alguma forma, explicam o "recado" de O Nome da Rosa, que já vendeu 20 milhões de exemplares no mundo e, provavelmente, não foi entendido nem pela décima parte desse universo, a considerar que todos esses leitores teriam de ser eruditos para entender a mensagem sobre a segunda parte perdida da Poética de Aristóteles - verdadeiro tema do gótico sobre heresias, códigos secretos, misteriosos manuscritos e crimes numa abadia do século 14.

   Esperto para saber que erudição vende, Eco emprestou seu nome ao luxuoso História da Beleza, no qual assina 9 dos 17 ensaios nele contidos - e ainda assim, textos antigos, cuja republicação autorizou. Isso não diminui sua importância nem sua beleza. Justificando o título, o luxuoso volume é um "coffee table" natalino concebido para impressionar.

   É fácil distinguir os textos de Eco, até mesmo porque eles conservam aquele tom escolástico corrompido pelo suspense vulgar, que fez de O Nome da Rosa um precursor de best-sellers como O Código Da Vinci. Eco nunca foi um historiador de arte como Argan. É um semiólogo.

   Seu conceito de beleza e o conhecimento na área desautorizam comparações nesse sentido. De qualquer modo, capítulos como o dedicado à investigação sobre o papel da luz e da cor na Idade Média justificam o dinheiro aplicado no livro. É um prodígio de síntese, capaz de levar ao leigo informações fundamentais sobre a hostilidade medieval à esfumatura, truque maior do barrocos príncipes das trevas.

(© estadao.com.br)


A estética e o tempo

Em edição luxuosa, Umberto Eco percorre a História da Beleza

BEATRIZ VELLOSO
 
ANTIGUIDADE
Busto Feminino, do século II a.C.

   Nas últimas linhas da luxuosa edição História da Beleza, após 400 páginas de idéias, textos históricos, análises e ilustrações, o professor, estudioso e escritor italiano Umberto Eco chega a uma conclusão. Falando de um hipotético explorador do futuro que voltasse ao recém-encerrado século XX para descobrir o que era considerado belo em nosso tempo, Eco declara: ''(o explorador) Será obrigado a render-se diante da orgia de tolerância, de sincretismo total, de absoluto e irrefreável politeísmo da Beleza''.

   É assim mesmo, com letra maiúscula, que o escritor - catedrático da Universidade de Bolonha, mais conhecido por romances como O Nome da Rosa - refere-se a seu objeto de estudo. A reverência com que aborda o tema fica clara ao longo deste lançamento. Mas o que realmente cativa o leitor é a erudição de Eco, qualidade que fica evidente sem que o autor soe, em nenhum momento, pedante. Antes de chegar ao século XX, Eco passeia por Grécia e Roma antigas, pela Idade Média, pelo Renascimento, pela estética vitoriana do século XIX. Ele se apóia em textos de Platão a Eric Hobsbawm, passando por Dante, Kant, Hegel e Kafka, e reproduz trechos destes e de muitos outros autores. Trata-se de uma viagem pela história do homem, da arte e, sobretudo, do olhar.

   Apesar de ser repleto de reproduções de quadros e esculturas, História da Beleza não é um livro sobre Arte. Quem faz a ressalva é o próprio Eco. ''É uma história da Beleza e não uma história da arte (ou da literatura ou da música), logo, só serão citadas as idéias expressas no decorrer do tempo sobre a arte quando relacionarem Arte com Beleza'', escreve. Mas o próprio Eco admite que a arte sempre foi - e é no livro também - o principal meio de documentação da beleza, porque foram ''artistas, poetas, romancistas que nos contaram através dos séculos o que eles consideravam belo e que nos deixaram seus exemplos''.

DAMAS
Leonardo da Vinci pintava figuras femininas fugidias, como no Retrato de Cecilia Gallerani

   De qualquer forma, neste volume os exemplos do que foi e é considerado belo vão além das pinturas: a análise se estende à arquitetura, às fotografias do cotidiano, à publicidade, à moda. O livro começa com linhas do tempo ilustradas, mostrando como figuras ligadas à beleza (Vênus, Jesus Cristo, Maria, reis e rainhas) foram representadas de formas diferentes ao longo dos séculos. No caso da Vênus, a linha começa com uma estatueta de uma mulher do 30º milênio a.C. e termina com uma foto da atriz italiana Monica Bellucci nua, feita para o Calendário Pirelli de 1997. Nesse intervalo, relata Eco, muitas coisas mudaram - e algumas até permaneceram iguais.

   A idéia da beleza feita de proporções ideais, por exemplo, permeia todo o livro. Da chamada ''Beleza grega'', presente nas estátuas dos séculos anteriores à Era Cristã (e retomada pelos homens da Renascença), passando pelos pitagóricos da Idade Média (que aplicaram proporções matemáticas para determinar os intervalos entre as notas musicais) e chegando a nossos dias, relações de geometria e matemática sempre demarcaram preferências estéticas. Há, porém, um detalhe determinante: os padrões se alteraram ao longo dos tempos. ''Parece que em todos os séculos se falou da Beleza da proporção, mas que segundo as épocas, apesar dos princípios aritméticos e geométricos declarados, o sentido dessa proporção foi mudando'', diz Eco.

   Graças ao texto fluido e à vasta instrução do autor, todos os períodos retratados na obra (escrita em ordem cronológica e dividida também por temas como ''a religião da Beleza'' ou ''a Beleza cruel e tenebrosa'' dos pesadelos, do sofrimento e da violência) são interessantes. Mas, talvez pela proximidade cronológica ou pela vocação para a contradição, o século XX é mais atraente. Eco esquadrinha temas como a estética do consumo (a beleza atrelada ao valor comercial dos produtos), o ''socialismo utópico'' das construções arquitetônicas, o triunfo da função sobre a forma - e a subversão de tudo isso, em movimentos de vanguarda como o dadaísmo ou na ironia da pop art. Antes de chegar aí, História da Beleza percorre um longo, rico e fascinante caminho. É um prazer percorrê-lo.

Título
História da Beleza
Organização
Umberto Eco
Tradução
Eliana Aguiar
Editora
Record
Preço e páginas
R$ 150/440

(© Revista ÉPOCA)




 
O BELO CONCRETO
O êxtase da arquitetura
A FIGURAÇÃO EM CRISE
Piet Mondrian preferia formas e cores, como em Composição A, de 1919
BEM X MAL
São Miguel Arcanjo mata um demônio na obra de Carlo Crivelli

 

CARAVAGGIO
Cabeça de Medusa, exemplo da beleza ''cruel e tenebrosa''
CONTRADIÇÃO
O século XX celebrou o ''sincretismo da Beleza''. Foto da modelo Allen Jones para o Calendário Pirelli de 1973
ESTÉTICA DO CONSUMO
A pop art de Andy Warhol retratou o mundo das mercadorias com ironia

 

O FEIO
Eco dedica um capítulo à beleza dos monstros. Acima, Afresco do Inferno (1410)
VISUAL ART DÉCO
The Essence of the Mode of the Day, ilustração de 1920
LUZ DIVINA
A beleza gótica está representada nos vitrais

(© Revista ÉPOCA)


 

O BELO DE CADA SÉCULO
A figura da Vênus foi retratada de formas muito
diferentes em cada período




Século II a.C.

A Vênus de Milo, hoje no museu do Louvre, em Paris, é o maior símbolo da beleza e das proporções gregas - mais tarde retomadas pelos artistas da Renascença

1482

Sobre o Renascimento, período do Nascimento de Vênus, de Botticelli, Eco diz: ''Parece haver uma discrepância entre a perfeição da teoria e as oscilações do gosto''

1538

A Vênus de Urbino, de Ticiano Vecellio, tomou de empréstimo padrões estéticos de períodos anteriores, mas também serviu de inspiração para o que veio depois



1863

Olympia, de Édouard Manet, é considerado um dos nus femininos mais belos de todos os tempos




1908

A mulher cubista de Pablo Picasso, como esta Grande Driade, rompeu com os padrões ocidentais e foi buscar inspiração nas máscaras africanas




1952

Marilyn Monroe, aqui em fotografia feita para um calendário, personifica a beleza para consumo difundida pela mídia do século XX

Fotos: Reprodução

(© Revista ÉPOCA)


Curiosidades históricas sobre a beleza

Nos olhos da rainha e dos escravos
Em 1372, quando a rainha Nefertiti se casou com o faraó Amenófis IV, a mulher egípcia se lavava toda manhã com água e carbonato de cal e esfregava o corpo com uma pasta de argila retirada do lodo do rio Nilo para manter a pele jovem. Os olhos eram maquiados com kajal, como mostram as estátuas. Até os escravos pintavam os olhos. Em Roma, a alta sociedade tomava banhos com leite de jumenta para embelezar a pele.

Magrelas e gordinhas
Pesquisadores Jeffrey Sobal e Albert Stukard revisaram 144 estudos sobre a relação entre status social e econômico e peso e descobriram que em países desenvolvidos, como Bélgica, Canadá, Noruega e EUA, quanto mais alto o status, menor o peso ( e mais vista como bela a pessoa). Já em países em desenvolvimento e com escassez de alimentos, os homens e mulheres de status superior são mais gordos (e igualmente considerados mais bonitos).

Testa grande na Idade Média
Para ostentar uma testa grande e cabelos louros, a mulher da Idade Média usava ingredientes como sulfureto de arsênico, cal viva, ungüentos (medicamento cuja base é gordura) feitos de cinza de ouriço, sangue de morcego, asas de abelha, mercúrio e baba de lesma para depilar, polir e branquear a testa, e decocção de lagartos verdes no óleo de noz e enxofre para clarear as madeixas

Cabelos pintados
Em 1908 foi inventada a primeira coloração capilar, da qual derivam as tinturas. No mesmo ano surgiu um líquido transparente para dar brilho às unhas, aplicado com um pincel, que devia ser lustrado com pele de camurça. A primeira tentativa bem-sucedida de desenvolver uma tinta para cabelos segura a ser comercializada foi feita em 1909 pelo químico francês Eugène Schueller. Baseando sua fórmula num novo componente químico, a paraphenylenediamine, ele fundou a Fábrica de Tinturas para Cabelos Inofensiva. Um ano depois, Schueller escolheu um nome mais glamoroso para sua empresa: L'Oréal. Sua tintura mais famosa, Imedia, apareceu em 1927.

Bocas coloridas
Em 1915, os primeiros batons, fixados numa base de metal dourada e protegidos por uma tampa, surgiram nos salões de beleza dos EUA

Unhas feitas
O costume de pintar as unhas nasceu na China, no século III a.C. As cores do esmalte indicavam a classe social do indivíduo. Os primeiros eram feitos de goma arábica, clara de ovo, gelatina e cera de abelha. Os reis pintavam as unhas com as cores preta e vermelha, depois substituídas pelo dourado e pelo prateado. No Egito antigo, a tradição se repetiu

Xampu
O primeiro tipo de detergente que se tornaria o atual xampu foi produzido na Alemanha em 1890. Apenas depois da Primeira Guerra Mundial ele começou a ser oferecido comercialmente como um produto para a limpeza dos cabelos.

Idade Média
O açafrão servia para colorir os lábios; o negro da fuligem, para escurecer os cílios; a sálvia, para esbranquecer os dentes; a clara de ovo e o vinagre, para aveludar a pele.

Obstáculos dos cosméticos
Uma lei grega do século II proibia que as mulheres escondessem sua verdadeira aparência com maquiagem antes do casamento. A legislação draconiana, adotada pelo Parlamento britânico em 1770, permitia a anulação do casamento se a noiva estivesse de maquiagem, dentadura ou cabelo falso. Nos anos seguintes, no entanto, a maquiagem pesada tomou conta da Inglaterra e da França. Até que a febre passou após a Revolução Francesa. Só se admitia que pessoas mais velhas e artistas de teatro usassem. Em 1880, a maquiagem reconquistou as mulheres e nascia a moderna indústria de cosméticos.
 

Pó mortal
Os pós faciais, que surgiram em 4 000 a.C. na antiga Grécia, eram perigosos porque tinham uma grande quantidade de chumbo em sua composição e chegaram a causar várias mortes prematuras. O rouge era um pouco mais seguro. Embora fosse feito com amoras e algas marinhas, substâncias naturais, sua cor era extraída do cinabre (sulfeto de mercúrio), um mineral vermelho. O mesmo rouge era usado nos lábios, como batom, onde era mais facilmente ingerido e também causava envenenamento.
 

Perfume
Em 2900 a.C., os mortos egípcios eram enterrados com jarros de óleo perfumado, cuja natureza ainda é um mistério. Mil anos depois, os egípcios se aventuraram por toda parte em busca de essências. Ali, os perfumes e ungüentos para untar o corpo eram preparados em laboratórios dentro dos templos. Para perfumar o corpo, os egípcios colocavam uma massa de gordura perfumada no topo da cabeça ou sobre uma peruca. Durante a noite, a gordura dissolvia-se, cobrindo a peruca, as roupas e o corpo com uma camada oleosa bastante perfumada. No Império Romano, o perfume também ingerido - puro ou no vinho - para ocultar o mau hálito. A destilação da água de rosas e outros perfumes foi uma descoberta islâmica do século IX. O descobrimento do álcool como veículo para o perfume ocorreu no século XIV. Nem todos os povos da Antiguidade gostavam de perfume. Em 361 a.C., Agesilau, rei de Esparta, baniu o seu uso. A invenção da água de colônia, solução alcóolica de essências de bergamota, de limão e de lavanda, foi inventada pelo barbeiro italiano Jean-Baptiste Farina em 1709, na cidade de Colônia, na Alemanha.

Depilatórios
A depilação com fins estéticos foi praticada por muitas civilizações. As mulheres gregas, por exemplo, levavam a vaidade ao ponto de arrancar os pêlos pubianos com a mão e queimá-los com uma chama ou com cinzas quentes. Os cremes depilatórios também são conhecidos em todas as épocas. As mulheres árabes preparavam um xarope espesso, feito de partes iguais de açúcar e de suco de limão com água, e o espalhavam sobre a pele, deixando-o secar, para depois extrair os pêlos. A técnica é, no essencial, semelhante à da cera. A depilação com cera é invenção de Peronet, em 1742, na cidade de Paris.

Desodorante
O primeiro desodorante antitranspiração, como conhecemos hoje em dia, foi criado nos Estados Unidos em 1888. Seu nome era Mum.
 

O que é o belo?

Os primeiros teóricos da estética foram os gregos, mas como 'ciência do belo' a palavra aparece pela primeira vez no título da obra do filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten, Æesthetica (1750-1758). Somente a partir do século XVIII, com a obra de Kant, a estética começou a configurar-se como disciplina filosófica independente

Na Grécia Antiga, Platão foi o primeiro a formular explicitamente a pergunta: O que é o Belo? Para ele, a beleza existe em si, separada do mundo sensível. Uma coisa é mais ou menos bela conforme a sua participação na idéia suprema de beleza. Sócrates achava que o Belo era uma concordância observada pelos olhos e ouvidos. Nas reflexões de Aristóteles sobre a arte (imitação da natureza e da vida, mimesis), dominam as idéias de limite, ordem e simetria. Plotino indaga nas Enéadas se a beleza dos seres consiste na simetria e na medida, pois tais critérios convêm apenas à beleza física, plástica, indevidamente confundida com a beleza intelectual e moral. O próprio ser físico, sensível, só é belo na medida que é formado por uma idéia que ordena e combina as múltiplas partes de que o ser é feito.

Para os escolásticos, a arte é uma virtude do intelecto prático, um hábito de ordem intelectual que consiste em imprimir uma idéia a determinada matéria. Para Kant, belo 'é o que agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito'. A satisfação só é estética, porém, quando gratuita e desligada de qualquer fim subjetivo (interesse) ou objetivo (conceito).

Vítima da beleza
A cantora Clara Nunes sofreu um choque anafilático durante uma anestesia geral aplicada para a realização de cirurgia de remoção de varizes. Ela passou 28 dias hospitalizada, mas não resistiu e morreu em abril de 1983 (Fontes: Revista Galileu e Guia dos Curiosos

(© Revista ÉPOCA)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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