Sai no Brasil A História da Beleza, em que o autor de O Nome
da Rosa divide com outros os ensaios do livro
Antonio Gonçalves Filho
São Paulo -
Aos que imaginavam
ter entendido O Nome da Rosa, Umberto Eco traz dois recados em
forma de livros: História da Beleza (440 págs., R$ 150), que a
Record coloca a partir de hoje nas livrarias, e La Misteriosa Fiamma
della Regina Loana (Bompiani, 458 págs, 19 euros), cuja tradução
para o português a mesma editora promete lançar em abril. O primeiro não
é obra exclusiva de Eco. Deriva, com acréscimos e adaptações, de um
CD-ROM lançado há dois anos na Itália, com textos do autor e de Girolamo
de Michele.
O segundo livro é,
sim, um romance ilustrado de autoria exclusiva de Eco, que revisita o
próprio passado por meio de um personagem que perde a memória - a
biográfica, não a semântica. Os dois livros, de alguma forma, explicam o
"recado" de O Nome da Rosa, que já vendeu 20 milhões de
exemplares no mundo e, provavelmente, não foi entendido nem pela décima
parte desse universo, a considerar que todos esses leitores teriam de
ser eruditos para entender a mensagem sobre a segunda parte perdida da
Poética de Aristóteles - verdadeiro tema do gótico sobre heresias,
códigos secretos, misteriosos manuscritos e crimes numa abadia do século
14.
Esperto para saber que erudição vende, Eco emprestou seu nome ao
luxuoso História da Beleza, no qual assina 9 dos 17 ensaios nele
contidos - e ainda assim, textos antigos, cuja republicação autorizou.
Isso não diminui sua importância nem sua beleza. Justificando o título,
o luxuoso volume é um "coffee table" natalino concebido para
impressionar.
É fácil distinguir os textos de
Eco, até mesmo porque eles conservam aquele tom escolástico corrompido
pelo suspense vulgar, que fez de O Nome da Rosa um precursor de
best-sellers como O Código Da Vinci. Eco nunca foi um historiador
de arte como Argan. É um semiólogo.
Seu conceito de beleza e o
conhecimento na área desautorizam comparações nesse sentido. De qualquer
modo, capítulos como o dedicado à investigação sobre o papel da luz e da
cor na Idade Média justificam o dinheiro aplicado no livro. É um
prodígio de síntese, capaz de levar ao leigo informações fundamentais
sobre a hostilidade medieval à esfumatura, truque maior do barrocos
príncipes das trevas.
(©
estadao.com.br)
A estética e o tempo
Em
edição luxuosa, Umberto Eco percorre a História da Beleza
BEATRIZ VELLOSO
|
ANTIGUIDADE
Busto Feminino, do século II a.C. |
Nas últimas linhas da luxuosa
edição História da Beleza, após 400 páginas de idéias, textos
históricos, análises e ilustrações, o professor, estudioso e escritor
italiano Umberto Eco chega a uma conclusão. Falando de um hipotético
explorador do futuro que voltasse ao recém-encerrado século XX para
descobrir o que era considerado belo em nosso tempo, Eco declara: ''(o
explorador) Será obrigado a render-se diante da orgia de tolerância,
de sincretismo total, de absoluto e irrefreável politeísmo da Beleza''.
É assim mesmo, com letra
maiúscula, que o escritor - catedrático da Universidade de Bolonha, mais
conhecido por romances como O Nome da Rosa - refere-se a seu
objeto de estudo. A reverência com que aborda o tema fica clara ao longo
deste lançamento. Mas o que realmente cativa o leitor é a erudição de
Eco, qualidade que fica evidente sem que o autor soe, em nenhum momento,
pedante. Antes de chegar ao século XX, Eco passeia por Grécia e Roma
antigas, pela Idade Média, pelo Renascimento, pela estética vitoriana do
século XIX. Ele se apóia em textos de Platão a Eric Hobsbawm, passando
por Dante, Kant, Hegel e Kafka, e reproduz trechos destes e de muitos
outros autores. Trata-se de uma viagem pela história do homem, da arte
e, sobretudo, do olhar.
Apesar de ser repleto de
reproduções de quadros e esculturas, História da Beleza não é um
livro sobre Arte. Quem faz a ressalva é o próprio Eco. ''É uma história
da Beleza e não uma história da arte (ou da literatura ou da música),
logo, só serão citadas as idéias expressas no decorrer do tempo sobre a
arte quando relacionarem Arte com Beleza'', escreve. Mas o próprio Eco
admite que a arte sempre foi - e é no livro também - o principal meio de
documentação da beleza, porque foram ''artistas, poetas, romancistas que
nos contaram através dos séculos o que eles consideravam belo e que nos
deixaram seus exemplos''.
|
DAMAS
Leonardo da Vinci pintava figuras femininas fugidias, como no
Retrato de Cecilia Gallerani |
De qualquer forma, neste volume
os exemplos do que foi e é considerado belo vão além das pinturas: a
análise se estende à arquitetura, às fotografias do cotidiano, à
publicidade, à moda. O livro começa com linhas do tempo ilustradas,
mostrando como figuras ligadas à beleza (Vênus, Jesus Cristo, Maria,
reis e rainhas) foram representadas de formas diferentes ao longo dos
séculos. No caso da Vênus, a linha começa com uma estatueta de uma
mulher do 30º milênio a.C. e termina com uma foto da atriz italiana
Monica Bellucci nua, feita para o Calendário Pirelli de 1997. Nesse
intervalo, relata Eco, muitas coisas mudaram - e algumas até
permaneceram iguais.
A idéia da beleza feita de
proporções ideais, por exemplo, permeia todo o livro. Da chamada
''Beleza grega'', presente nas estátuas dos séculos anteriores à Era
Cristã (e retomada pelos homens da Renascença), passando pelos
pitagóricos da Idade Média (que aplicaram proporções matemáticas para
determinar os intervalos entre as notas musicais) e chegando a nossos
dias, relações de geometria e matemática sempre demarcaram preferências
estéticas. Há, porém, um detalhe determinante: os padrões se alteraram
ao longo dos tempos. ''Parece que em todos os séculos se falou da Beleza
da proporção, mas que segundo as épocas, apesar dos princípios
aritméticos e geométricos declarados, o sentido dessa proporção foi
mudando'', diz Eco.
Graças ao texto fluido e à vasta
instrução do autor, todos os períodos retratados na obra (escrita em
ordem cronológica e dividida também por temas como ''a religião da
Beleza'' ou ''a Beleza cruel e tenebrosa'' dos pesadelos, do sofrimento
e da violência) são interessantes. Mas, talvez pela proximidade
cronológica ou pela vocação para a contradição, o século XX é mais
atraente. Eco esquadrinha temas como a estética do consumo (a beleza
atrelada ao valor comercial dos produtos), o ''socialismo utópico'' das
construções arquitetônicas, o triunfo da função sobre a forma - e a
subversão de tudo isso, em movimentos de vanguarda como o dadaísmo ou na
ironia da pop art. Antes de chegar aí, História da Beleza
percorre um longo, rico e fascinante caminho. É um prazer percorrê-lo.
|
Título
História da Beleza
Organização
Umberto Eco
Tradução
Eliana Aguiar
Editora
Record
Preço e páginas
R$ 150/440 |
(©
Revista ÉPOCA)
|
|
|
O BELO
CONCRETO
O êxtase da arquitetura |
A
FIGURAÇÃO EM CRISE
Piet Mondrian preferia formas e cores, como em Composição
A, de 1919 |
BEM X
MAL
São Miguel Arcanjo mata um demônio na obra de Carlo
Crivelli |
|
|
|
CARAVAGGIO
Cabeça de Medusa, exemplo da beleza ''cruel e
tenebrosa'' |
CONTRADIÇÃO
O século XX celebrou o ''sincretismo da Beleza''. Foto da
modelo Allen Jones para o Calendário Pirelli de 1973 |
ESTÉTICA DO CONSUMO
A pop art de Andy Warhol retratou o mundo das mercadorias
com ironia |
|
|
|
O FEIO
Eco dedica um capítulo à beleza dos monstros. Acima,
Afresco do Inferno (1410) |
VISUAL
ART DÉCO
The Essence of the Mode of the Day, ilustração de
1920 |
LUZ
DIVINA
A beleza gótica está representada nos vitrais |
|
(©
Revista ÉPOCA)
O BELO DE CADA SÉCULO
A figura da Vênus foi retratada de formas muito
diferentes em cada período |
Século II a.C.
A Vênus de
Milo, hoje no museu do Louvre, em Paris, é o maior símbolo da
beleza e das proporções gregas - mais tarde retomadas pelos artistas
da Renascença |
1482
Sobre o
Renascimento, período do Nascimento de Vênus, de Botticelli,
Eco diz: ''Parece haver uma discrepância entre a perfeição da teoria
e as oscilações do gosto'' |
1538
A Vênus de
Urbino, de Ticiano Vecellio, tomou de empréstimo padrões
estéticos de períodos anteriores, mas também serviu de inspiração
para o que veio depois |
1863
Olympia,
de Édouard Manet, é considerado um dos nus femininos mais belos de
todos os tempos |
1908
A mulher
cubista de Pablo Picasso, como esta Grande Driade, rompeu com
os padrões ocidentais e foi buscar inspiração nas máscaras africanas |
1952
Marilyn
Monroe, aqui em fotografia feita para um calendário, personifica a
beleza para consumo difundida pela mídia do século XX |
Fotos: Reprodução
(©
Revista ÉPOCA)
Curiosidades históricas sobre a beleza
Nos olhos
da rainha e dos escravos
Em 1372, quando a rainha Nefertiti se casou com o faraó
Amenófis IV, a mulher egípcia se lavava toda manhã com água e carbonato
de cal e esfregava o corpo com uma pasta de argila retirada do lodo do
rio Nilo para manter a pele jovem. Os olhos eram maquiados com kajal,
como mostram as estátuas. Até os escravos pintavam os olhos. Em Roma, a
alta sociedade tomava banhos com leite de jumenta para embelezar a pele.
Magrelas e
gordinhas
Pesquisadores Jeffrey Sobal e Albert Stukard revisaram 144
estudos sobre a relação entre status social e econômico e peso e
descobriram que em países desenvolvidos, como Bélgica, Canadá, Noruega e
EUA, quanto mais alto o status, menor o peso ( e mais vista como bela a
pessoa). Já em países em desenvolvimento e com escassez de alimentos, os
homens e mulheres de status superior são mais gordos (e igualmente
considerados mais bonitos).
Testa grande na
Idade Média
Para ostentar uma testa grande e cabelos louros, a mulher da Idade
Média usava ingredientes como sulfureto de arsênico, cal viva, ungüentos
(medicamento cuja base é gordura) feitos de cinza de ouriço, sangue de
morcego, asas de abelha, mercúrio e baba de lesma para depilar, polir e
branquear a testa, e decocção de lagartos verdes no óleo de noz e
enxofre para clarear as madeixas
Cabelos
pintados
Em 1908 foi inventada a primeira coloração capilar, da qual derivam
as tinturas. No mesmo ano surgiu um líquido transparente para dar brilho
às unhas, aplicado com um pincel, que devia ser lustrado com pele de
camurça. A primeira tentativa bem-sucedida de desenvolver uma tinta para
cabelos segura a ser comercializada foi feita em 1909 pelo químico
francês Eugène Schueller. Baseando sua fórmula num novo componente
químico, a paraphenylenediamine, ele fundou a Fábrica de Tinturas para
Cabelos Inofensiva. Um ano depois, Schueller escolheu um nome mais
glamoroso para sua empresa: L'Oréal. Sua tintura mais famosa, Imedia,
apareceu em 1927.
Bocas coloridas
Em 1915, os primeiros batons, fixados numa base de metal dourada e
protegidos por uma tampa, surgiram nos salões de beleza dos EUA
Unhas feitas
O costume de pintar as unhas nasceu na China, no século III a.C. As
cores do esmalte indicavam a classe social do indivíduo. Os primeiros
eram feitos de goma arábica, clara de ovo, gelatina e cera de abelha. Os
reis pintavam as unhas com as cores preta e vermelha, depois
substituídas pelo dourado e pelo prateado. No Egito antigo, a tradição
se repetiu
Xampu
O primeiro tipo de detergente que se tornaria o atual xampu foi
produzido na Alemanha em 1890. Apenas depois da Primeira Guerra Mundial
ele começou a ser oferecido comercialmente como um produto para a
limpeza dos cabelos.
Idade Média
O açafrão servia para colorir os lábios; o negro da fuligem, para
escurecer os cílios; a sálvia, para esbranquecer os dentes; a clara de
ovo e o vinagre, para aveludar a pele.
Obstáculos dos cosméticos
Uma lei grega do século II proibia que as mulheres escondessem sua
verdadeira aparência com maquiagem antes do casamento. A legislação
draconiana, adotada pelo Parlamento britânico em 1770, permitia a
anulação do casamento se a noiva estivesse de maquiagem, dentadura ou
cabelo falso. Nos anos seguintes, no entanto, a maquiagem pesada tomou
conta da Inglaterra e da França. Até que a febre passou após a Revolução
Francesa. Só se admitia que pessoas mais velhas e artistas de teatro
usassem. Em 1880, a maquiagem reconquistou as mulheres e nascia a
moderna indústria de cosméticos.
Pó mortal
Os pós faciais, que surgiram em 4 000 a.C. na antiga Grécia, eram
perigosos porque tinham uma grande quantidade de chumbo em sua
composição e chegaram a causar várias mortes prematuras. O rouge era um
pouco mais seguro. Embora fosse feito com amoras e algas marinhas,
substâncias naturais, sua cor era extraída do cinabre (sulfeto de
mercúrio), um mineral vermelho. O mesmo rouge era usado nos lábios, como
batom, onde era mais facilmente ingerido e também causava envenenamento.
Perfume
Em 2900 a.C., os mortos egípcios eram enterrados com jarros de óleo
perfumado, cuja natureza ainda é um mistério. Mil anos depois, os
egípcios se aventuraram por toda parte em busca de essências. Ali, os
perfumes e ungüentos para untar o corpo eram preparados em laboratórios
dentro dos templos. Para perfumar o corpo, os egípcios colocavam uma
massa de gordura perfumada no topo da cabeça ou sobre uma peruca.
Durante a noite, a gordura dissolvia-se, cobrindo a peruca, as roupas e
o corpo com uma camada oleosa bastante perfumada. No Império Romano, o
perfume também ingerido - puro ou no vinho - para ocultar o mau hálito.
A destilação da água de rosas e outros perfumes foi uma descoberta
islâmica do século IX. O descobrimento do álcool como veículo para o
perfume ocorreu no século XIV. Nem todos os povos da Antiguidade
gostavam de perfume. Em 361 a.C., Agesilau, rei de Esparta, baniu o seu
uso. A invenção da água de colônia, solução alcóolica de essências de
bergamota, de limão e de lavanda, foi inventada pelo barbeiro italiano
Jean-Baptiste Farina em 1709, na cidade de Colônia, na Alemanha.
Depilatórios
A depilação com fins estéticos foi praticada por muitas
civilizações. As mulheres gregas, por exemplo, levavam a vaidade ao
ponto de arrancar os pêlos pubianos com a mão e queimá-los com uma chama
ou com cinzas quentes. Os cremes depilatórios também são conhecidos em
todas as épocas. As mulheres árabes preparavam um xarope espesso, feito
de partes iguais de açúcar e de suco de limão com água, e o espalhavam
sobre a pele, deixando-o secar, para depois extrair os pêlos. A técnica
é, no essencial, semelhante à da cera. A depilação com cera é invenção
de Peronet, em 1742, na cidade de Paris.
Desodorante
O primeiro desodorante antitranspiração, como conhecemos hoje em
dia, foi criado nos Estados Unidos em 1888. Seu nome era Mum.
O que é o belo?
Os primeiros
teóricos da estética foram os gregos, mas como 'ciência do belo' a
palavra aparece pela primeira vez no título da obra do filósofo alemão
Alexander Gottlieb Baumgarten, Æesthetica (1750-1758). Somente a partir
do século XVIII, com a obra de Kant, a estética começou a configurar-se
como disciplina filosófica independente
Na Grécia Antiga,
Platão foi o primeiro a formular explicitamente a pergunta: O que é o
Belo? Para ele, a beleza existe em si, separada do mundo sensível. Uma
coisa é mais ou menos bela conforme a sua participação na idéia suprema
de beleza. Sócrates achava que o Belo era uma concordância observada
pelos olhos e ouvidos. Nas reflexões de Aristóteles sobre a arte
(imitação da natureza e da vida, mimesis), dominam as idéias de limite,
ordem e simetria. Plotino indaga nas Enéadas se a beleza dos seres
consiste na simetria e na medida, pois tais critérios convêm apenas à
beleza física, plástica, indevidamente confundida com a beleza
intelectual e moral. O próprio ser físico, sensível, só é belo na medida
que é formado por uma idéia que ordena e combina as múltiplas partes de
que o ser é feito.
Para os
escolásticos, a arte é uma virtude do intelecto prático, um hábito de
ordem intelectual que consiste em imprimir uma idéia a determinada
matéria. Para Kant, belo 'é o que agrada universalmente, sem relação com
qualquer conceito'. A satisfação só é estética, porém, quando gratuita e
desligada de qualquer fim subjetivo (interesse) ou objetivo (conceito).
Vítima da
beleza
A cantora Clara Nunes sofreu um choque anafilático durante uma
anestesia geral aplicada para a realização de cirurgia de remoção de
varizes. Ela passou 28 dias hospitalizada, mas não resistiu e morreu em
abril de 1983 (Fontes: Revista Galileu e Guia
dos Curiosos
(©
Revista ÉPOCA) |