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Umberto Eco |
Livro de luxo
coordenado pelo italiano Umberto Eco mapeia as mudanças nos conceitos de
beleza ao longo da história
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Algo de belo é uma alegria para sempre", escreveu um poeta
britânico há quase 200 anos.
Pois acaba de chegar às prateleiras nacionais um livro que
praticamente vira a (bela) frase de John Keats de ponta-cabeça.
"História da Beleza", luxuoso volume com a grife Umberto Eco, que
a editora Record lança no Brasil, toma como um mote silencioso a idéia
de que o belo é sempre algo diferente.
Passando ao largo dos subjetivismos à "quem ama o feio bonito lhe
parece", Eco, 72, tenta documentar como o conceito de beleza se
metamorfoseou ao longo de uns 3.000 anos de história ocidental. O "tour
de force" pega o leitor diante de uma fotografia de uma escultura grega
de uma mulher do século 2 a.C, na página 9, para deixá-lo com uma Kate
Moss seminua clicada em 1994 por Herb Ritts para o Calendário Pirelli,
no cantinho direito da página 428.
No meio deste caminho, entre Mona Lisas e "demoiselles"
desfiguradas de Picasso, Eco debate questões básicas estéticas e
polvilha centenas de citações, de Platão a Eric Hobsbawm, editadas como
se fossem hipertextos.
Se em um trecho, por exemplo, o intelectual italiano afirma
"Exemplo típico do sublime dinâmico é a visão de uma tempestade", a
palavra tempestade é destacada.
Tanto esse recurso quanto a opulência de imagens -só até a página
35 estão reproduzidas 300 imagens- tem o mesmo ponto de partida. O
projeto não nasceu como livro. A obra deriva de um CD-ROM, coordenado
por Eco e lançado na Itália em 2002 com o título "Beleza, História de
uma Idéia do Ocidente". O mesmo espaço da página 2 do livro que traz
discretamente essa informação esclarece outro mistério do livro. É
aparente a irregularidade (ou ao menos a não homogeneidade) dos 17
capítulos da obra.
As letras miúdas contam o
porquê. Alguns textos foram escritos por Eco, ele mesmo. Oito capítulos,
porém, são de autoria de Girolamo de Michele, professor da mesma
Universidade de Bologna onde leciona o autor de "Apocalípticos e
Integrados".
É justamente nesta jugular que voaram alguns caninos afiados. Uma
crítica do jornal inglês "The Independent" diz que o nome de "um tal
Girolamo de Michele" só aparece em letrinhas miúdas (a estratégia não
foi da editora brasileira -que colaborou com outras pequenas falhas,
como a atribuição da estranha data "XXX milênio a.C." à célebre
escultura Vênus de Willendorf). "Este é o nível de reconhecimento que
ele merece, ainda que tenha sido responsável pela discussão de muitos
dos períodos-chave, a Antigüidade, a Renascença, o Iluminismo e o
Romantismo."
Dois dos destaques do livro, por sinal, são capítulos que não
esses. De grande erudição global, e em particular um fuçador compulsivo
de documentos medievais, Eco desfaz com muita elegância o eterno
lugar-comum da Idade Média como tempo de trevas absolutas -textos
"iluminados" por amostras de cores vivíssimas de desenhos da época.
Se não ganha pela novidade ou pela profundidade, a clareza na
análise da estética do século 20 como oposição de uma "beleza da
provocação" modernista e da "beleza de consumo" da indústria cultural
também passa bem.
Mas a festa é mesmo das imagens, muito bem diagramadas e
impressas na Itália. São as "rosas", seja lá batizadas com que nomes,
que garantem ao volume alguma "alegria para sempre".
HISTÓRIA DA BELEZA.
Organização: Umberto Eco (com Girolamo de Michele). Tradução: Eliana
Aguiar. Editora: Record. Quanto: R$ 150 (440 págs.).
(©
Folha de S. Paulo)
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