Infophoto
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O automóvel no qual foi encontrado o corpo
carbonizado de Gelsomina Verde, uma das
vítimas da atual onda de violência |
VALQUÍRIA REY
da BBC Brasil, em Nápoles
Conhecida como a "capital
italiana do homicídio" e considerada por alguns uma cidade sem lei,
Nápoles corre o risco de sofrer intervenção do Exército.
Temendo que a situação piore
drasticamente e possa sair do controle, o ministro do Interior
[responsável pela segurança interna do país], Giuseppe Pisanu, disse que
o governo responderá com firmeza à expansão da violência mafiosa.
"A segurança de Nápoles é um
problema nacional", disse Pisanu ao anunciar o envio de um contigente de
mais 325 policiais para ajudar a patrulhar a cidade em mais uma
tentativa governamental de controlar a organização criminosa.
A guerra entre bandos rivais da
Camorra, a versão napolitana da máfia siciliana, vem provocando uma
escalada da violência em Nápoles.
Somente nas duas últimas semanas,
pelo menos 13 pessoas foram assassinadas com crueldade na terceira maior
cidade da Itália. Algumas, encontradas enroladas em papel celofane, com
sinais de tortura ou carbonizadas dentro de seus próprios carros.
Maioria favorável
Os crimes chocaram a opinião
pública italiana e fizeram vir à tona uma realidade que todos gostariam
de esquecer: a Camorra continua mais ativa do que nunca.
De acordo com uma pesquisa
realizada no final de outubro pelo Instituto Ipsos, 52% dos italianos
são favoráveis à intervenção militar, numa tentativa de resolver
definitivamente o problema da criminalidade.
Para tentar conter violência, a
prefeita Rosa Russo Jervolino recentemente proibiu a venda de armas
leves na cidade, inclusive a de certos tipos de facas de cozinha. Ainda
assim a prefeita é contra a intervenção militar na cidade. De acordo com
ela, a ação militar não atacará os problemas de fundo.
"Se Nápoles não tivesse o alto
desemprego atual e contasse com um nível de renda sustentável,
certamente a situação seria melhor", afirmou. "Militarizar a cidade não
resolverá o problema. Já contamos com quase 13 mil homens, um para cada
238 habitantes, a média mais alta da Itália".
Conforme a prefeita, apenas um
trabalho social e de conscientização política pode ajudar a encontrar
uma solução duradoura que ataque os problemas de fundo.
Assassinatos
Nos populosos bairros Scampi e
Secondigliano, onde ocorreram a maioria dos últimos assassinatos e o clã
liderado por Paolo Di Lauro luta pela hegemonia do bilionário mercado de
drogas, as pessoas têm medo de sair de casa.
"Quando estou sozinha, caminho de
costas", diz Antonella Rossoni, de 18 anos. "Aqui, os jovens não são
totalmente bons. Há de tudo: os que vendem drogas, os que distribuem e
os que compram."
Antonella não estuda e não
trabalha. Integrante do grupo de 58,8% de jovens napolitanos
desempregados, diz que não tem nada para fazer o dia inteiro. Apesar do
assédio dos mafiosos, nunca quis vender drogas. Mas já foi noiva de um
traficante.
Aqueles que dirigem motos
deixaram de usar os capacetes, apesar de ser obrigatório. Eles temem ser
confundidos com os matadores de aluguel, que sempre usam a cabeça
coberta quando estão em serviço. A polícia diz que não pode fazer nada.
Padre com guarda-costas
Nos outros bairros da periferia
empobrecida de Nápoles, apesar de a situação estar um pouco mais calma,
a realidade não é muito diferente. Garotos com entre 12 e 17 anos vendem
drogas enquanto jogam futebol pelas ruas e a polícia não entra em
determinas áreas.
No centro, no bairro Forcella, o
padre Luigi Merola reza missa acompanhado por guarda-costas, porque foi
ameaçado pelos mafiosos.
Em qualquer parte da cidade
portuária, acostumada com a pobreza, o desemprego, as drogas e o crime
organizado, as pessoas dizem que a situação piorou nos últimos tempos e
se queixam da pouca eficácia da polícia.
"Eles sempre chegam depois que as
coisas já aconteceram", queixa-se o comerciante Cesare Pertoni. "Mas e
antes? Nunca sabemos onde é que eles estão."
Os policiais, por outro lado,
concentraram esforços para colocar na cadeia os líderes mafiosos,
acreditando que estavam pondo fim à velha Camorra, criada há mais de 200
anos. Mas não foi o que aconteceu.
Alianças
A ruidosa e caótica Nápoles sofre
essa onda de violência selvagem porque falta um grande chefe que
controle as mais de 20 "famílias" que disputam a hegemonia da cidade e
restaure o velho sistema de alianças.
"É uma crise de crescimento
interno de uma estrutura da Camorra", explica Antonio De Jesu, diretor
do Escritório de Prevenção Geral da Polícia de Nápoles. "São os coronéis
que querem o posto de general. Querem o controle das praças de droga,
onde podem ganhar até 50 mil euros por dia".
De Jesu não acredita que a
polícia consiga sozinha acabar com o crime organizado em Nápoles. De
acordo com ele, se o problema do desemprego não for solucionado, a máfia
continuará recrutando as pessoas que estão afastadas do mercado de
trabalho em seus negócios de drogas, armas, extorsão e prostituição.
Analistas dizem que a Camorra
napolitana deve faturar, em 2004, US$ 5 bilhões.
(© Folha Online)
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