13/11/04
|
A
família de Francesco Matarazzo na Villa da Avenida, em 1906 |
"A TRAVESSIA"/"O COLOSSO"
Em dois volumes, obra conta a trajetória do conde Francesco,
patriarca da família
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ele ergueu um império
industrial e o expôs ao risco de desabamento. Foi chamado de monge
capitalista pela atividade filantrópica, mas na política se entusiasmou
com o fascismo. Patriarca dedicado ao clã, colocou a família na rota da
desagregação. Multifacetado e complexo até o limiar do contraditório,
esse é o conde Francesco Matarazzo (1854-1937) que emerge da biografia
de Ronaldo Costa Couto.
Referência empresarial na
primeira metade do século 20, Matarazzo é pouco conhecido das novas
gerações. Todos sabem quem é o roqueiro Supla, seu tetraneto, e muitos
ouviram falar da neta Maria Pia, que comandou o império já decadente.
Quanto às Indústrias Matarazzo, nascidas em 1911, ainda evocam um
passado de grandeza, mesmo para quem não testemunhou seu apogeu. A
figura do conde, porém, andava distante, e Costa Couto tem o mérito de
resgatá-la.
Em dois volumes, "Matarazzo"
remonta à Itália de meados do século 19, anterior à unificação e atolada
na crise econômica causadora da migração que teve no Brasil um de seus
principais destinos. Com pouco dinheiro no bolso, mas em situação mais
confortável do que a da maioria de seus conterrâneos, Francesco chega em
1881, aos 27 anos, e segue de trem para Sorocaba, no interior de São
Paulo. É lá, na Manchester Paulista, referência ao berço da
industrialização britânica, que o futuro magnata começa a montar seu
império, a princípio como comerciante, vendendo banha, negócio a que a
família se dedicava na Castelabatte natal ("conhecia bem homens e
porcos", anota Costa Couto).
Matarazzo não tardaria a
entrar na produção. Em 1883, monta uma fabriqueta. "Permita que eu a
batize com o pomposo nome de fábrica. Merece-o: essa é a origem da minha
posição atual", diria Francesco em 1926, quando já construíra uma das
maiores fortunas do Brasil e do mundo.
O pequeno negócio tinha a
marca do empresário criativo. Com uma prensa de madeira inspirada na
usada na extração de óleo de oliva na Itália, Matarazzo revolucionou a
produção de banha.
Esboçava-se aí o empreendedor
schumpeteriano, aquele que se destaca por promover mudanças tecnológicas
e organizacionais, conforme descrição do economista Joseph Schumpeter.
A transferência para São Paulo
se dá em 1890, um ano após a proclamação da República. No encilhamento
que se seguiu, Matarazzo preferiu andar na contramão: enquanto
indústrias brotavam como cogumelos no terreno da especulação financeira,
ele desimobilizou o capital industrial e investiu no comércio. Quando a
bolha estourou, provocando quebradeira, Francesco Matarazzo se
encontrava em saudável situação econômica.
Começou, então, a vertiginosa
expansão. Aproveitando-se da carência nacional, passou a produzir amplo
leque de produtos, substituindo importações. Nos anos 20, consolidado
seu poderio, Matarazzo revelou-se um líder empresarial.
A oportunidade surgiu quando
uma valorização cambial prejudicou a indústria nacional, favorecendo o
comércio. Com o choque de interesses, o setor produtivo não podia mais
ser representado pela associação comercial. Assim, com Matarazzo à
frente, surgiu, em 1928, o Ciesp (Centro das Indústrias de São Paulo).
Ao morrer, em 1937, Matarazzo
deixou uma fortuna estimada em mais de US$ 10 bilhões. Embora fosse
quantia para não desapontar nenhum herdeiro, quase todos reclamaram. A
origem da discórdia foi o processo de sucessão. Depois da morte em
acidente de Ermelino, o filho eleito para sucedê-lo, Francesco insistiu
na solução centralizadora e impôs o nome de Chiquinho. O resultado foi
"a fragmentação do frágil e belo cristal familiar", nas palavras de
Costa Couto. "O talentoso e amoroso patriarca conduziu o processo de
sucessão de forma demolidora para a harmonia familiar."
De qualquer maneira, os filhos
tiveram o seu quinhão, além do título de conde, uma cortesia do ditador
Benito Mussolini, de quem Matarazzo era admirador. O de Francesco fora
concedido pelo rei Vitório Emanuelle 3º, em 1917, por serviços
patrióticos prestados durante a Primeira Guerra Mundial. Quanto ao dos
filhos, data de 1926, quando "il Duce" já mandava e desmandava na
Itália.
Fruto de cinco anos de pesquisas, "Matarazzo" não é isento de problemas.
Biografia autorizada, não consegue dissimular o enfoque quase
institucional.
Quanto à linguagem coloquial,
que o autor usou com sucesso em "História Indiscreta da Ditadura e da
Abertura", não funciona para narrar uma saga. O efeito negativo é
potencializado pelos trocadilhos, sempre indesejáveis ("a banha [de
porco, que trouxera da Itália] afunda no mar que banha o Rio"). A
intercalação de muitas entrevistas, a maioria apenas exploratória,
também não contribui para prender o leitor.
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor da série "A
História do Brasil no Século 20" (Publifolha), entre outros livros
Matarazzo: A Travessia (1º vol.)/O Colosso (2º vol.)
Autor: Ronaldo Costa Couto
Editora: Planeta
Quanto: R$ 49,90 (cada um; 336 págs. o 1º vol./408 págs. o 2º
vol.)
(©
Folha de S. Paulo)
|