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Detalhe de Alba Madonna, de Rafael |
Fernando Duarte
Correspondente LONDRES
Num exercício de imaginação, é
possível defender a idéia de que se Rafael tivesse vivido um pouco mais
ele hoje talvez fosse tão lembrado pelo público não-especializado como
os compatriotas Michelângelo e Leonardo Da Vinci. O pintor italiano
viveu apenas 37 anos (1483-1520) e sua biografia nem de longe é tão
excitante como a dos dois outros mestres renascentistas. Inquestionável,
porém, é sua contribuição para a história da pintura, com sua devoção
respeitosa e não extremista ao classicismo greco-romano.
Um pouco mais de justiça está
sendo feita ao mestre na exposição “Rafael, de Urbino a Roma”, na
National Gallery, o primeiro evento de grande porte dedicado a ele em
território britânico. A exposição dá enfoque especial aos anos entre
1500 e 1513, período considerado o seminal na carreira de Rafael e que
marcou sua transformação de modesto decorador de igrejas provincianas
italianas ao artista que tinha o poderoso Papa Júlio II como um cliente
e admirador.
Além de material do próprio
acervo da National Gallery, o evento foi montado com o empréstimo de
diversas outras obras em poder de instituições como a National Gallery
of Art de Washington (“Alba Madonna”) e o Museu do Louvre (“São
Miguel”), e mesmo o Masp (“Ressurreição”), numa tentativa de mostrar ao
público o processo de evolução do artista.
Pintor foi homenageado por Picasso em
“Guernica”
Como descreveu recentemente o
crítico de arte do jornal “Guardian”, Johnathan Jones, Rafael não sofreu
a mesma angústia da maioria de seus contemporâneos. Seu apego aos
valores clássicos não entrava tanto em conflito com os ventos de mudança
vindos com o fim da Idade Média. Pelo contrário: seu “Casamento da
Virgem”, de 1504, é o que se pode chamar de um manifesto visual em prol
da harmonia clássica: na tela, o Templo de Jerusalém surge como uma
construção quase utópica de tão bonita e proporcional.
fórmula também funcionou no
retrato da destruição. Em “O Foro de Borgo”, uma pintura que hoje está
no Museu do Vaticano, Rafael transmite tão bem o horror e a catástrofe
que, quatro séculos depois, Picasso fez questão de homenageá-lo em
“Guernica”.
Ao todo, cem trabalhos do pintor
renascentista estarão expostos na National Gallery até 16 de janeiro de
2005, incluindo a “Madonna de Rosas”, cuja aquisição este ano pela
instituição britânica provocou uma senhora gritaria no meio artístico do
país — houve gente reclamando do uso de verbas oficiais para a compra de
uma única pintura e 18 meses foram necessários para levantar os US$ 22
milhões pagos no ano passado a um colecionador particular.
Curiosamente, a paixão do pintor
pela retidão das construções greco-romanas não fez frente a seu amor por
um certo tipo de curvas: reza a lenda que Rafael ficou doente depois de
uma intensa sessão de sexo com suas amantes. Vale lembrar que uma
simples gripe tinha efeitos devastadores em saúdes mais fragilizadas no
século XV.
(©
O Globo)
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