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Um Dario Argento que não se vê no cinema

Dario Argento

   Lá pelo meio da conversa, o Dario Argento do outro lado da linha telefônica diverte-se dizendo que seu maior desejo seria encontrar o Dario Argento de filmes como “O pássaro das plumas de cristal”, “Suspiria”, “O gato de nove caudas” e, mais recentemente, “O jogador de cartas”, exibido no Espaço Unibanco, a pedido do público, na “repescagem” do Festival do Rio.

   — Gostaria de me encontrar com ele, mas ele, você sabe, fala muito pouco — brinca.

   A lista de perguntas para um suposto encontro está pronta:

   — Por que em todos os seus filmes tem sempre tanto bicho?

   — Por que você gosta tanto de longos corredores, janelas, portas e espaços abertos?

   — Por que os rostos das mulheres são sempre vistos em close?

   De nada adianta fazer estas perguntas. Até porque o cineasta italiano prefere falar de outro assunto: suas origens brasileiras.

   — Minha mãe nasceu em Minas Gerais, você sabia? — pergunta Argento, que, aos 66 anos, luta com a memória na tentativa de se lembrar qual a cidade em que ela nasceu. — Não me lembro, desisto.

   Mas se lembra bem das histórias que Elda Luxardo contava quando ele era criança, algumas sobre o marechal Rondon.

   — Ficávamos entusiasmados com a vida dele, um homem aberto, aventureiro — comenta Argento, que garante ainda se lembrar do português que sua mãe lhe ensinou. — Quando estou em Portugal, depois de cinco dias já estou falando português, é como se todas as palavras da infância voltassem de uma vez só.

   Analisando sua obra como cineasta, Argento enxerga características bem brasileiras.

   — O gosto pela cor, pela imagem, pela fotografia, pelos espetáculos grandiosos não é elemento italiano — diz Argento. — A minha estética, as imagens, a maneira de contar a história, sempre rápida, forte, sem pudores, tudo é influência das minhas origens.

“Hoje, fazemos os filmes e rezamos para que eles sejam vistos”

   O resto da inspiração para dirigir, Argento diz nascer da literatura que marcou sua juventude, como a obra de Edgar Allan Poe, e do seu lado mais sombrio.

   — Todos nós temos uma metade clara e outra escura — analisa Argento. — Eu me especializei em filmes de suspense e de horror porque sei contar esse nosso lado obscuro com sinceridade. Vem daí o sucesso que meus filmes fazem no mundo inteiro, independentemente da cultura.

   Apenas uma vez Argento aceitou estar à frente de um filme que não fosse um thriller, “Le cinque giornate”, um drama histórico.

   — Os atores não aceitaram o diretor e, como era uma produção minha e do meu pai, eu fiz — conta ele. — Foi uma experiência, mas gosto mesmo é do suspense.

   Antes de se tornar cineasta, Argento trabalhara como roteirista de filmes como “Era uma vez no Oeste”, de Sergio Leone. Eram os anos 60, época áurea do cinema italiano, que hoje Argento vê com olhos críticos.

   — Todas as cinematografias mundiais não podem mais ter aquele ritmo porque o esquema comercial dos americanos é massacrante — analisa Argento. — Hoje, fazemos os filmes e rezamos para que eles sejam vistos.

   O que Argento não vê mais por aí são mestres como Hitchcock, Warhol e Antonioni.

   — Continuo gostando de ir ao cinema, de ver alguém contando uma história, mas acredito que o grande gosto pelo cinema, a grande pesquisa de linguagem não existe mais — diz o cineasta. — Hoje, são feitos espetáculos bonitos, mas o cinema de autor não existe.

   Ele mesmo vem se comparando a um pintor, que mantém o traço ao longo dos anos, mas que muda um risco aqui e uma cor ali.

   — O estilo é o que há de mais importante para um cineasta. Não somos publicitários que ora estamos vendendo um carro, ora um refrigerante. Os artistas contam as histórias que os fascinam — diz Argento, que, no entanto, enxerga diferenças entre filmes como “Suspiria” e “O jogador de cartas”. — Há épocas em que faço filmes de horror, como “Suspiria”. E outras em que faço obras como “O jogador de cartas”, que é um suspense, mas também uma viagem pelo mundo da internet.

Atual projeto surgiu com uma ligação telefônica

   O próximo filme deve ser um de horror. O cineasta garante que as idéias nunca partem das notícias publicadas em jornais, e sim de algo que o marcou no dia-a-dia.

   — Este filme em que estou pensando agora, por exemplo, está sendo desenvolvido a partir de um telefonema em que eu ouvia tão mal a voz da pessoa do outro lado da linha que tive a impressão de que era a do meu pai morto — exemplifica Argento, para quem a vontade de os espectadores irem assistir a um filme de suspense não aumenta nem diminui de acordo com o grau de violência da cidade em que vivem. — Quando os meus primeiros filmes foram lançados, as Brigadas Vermelhas aterrorizavam as cidades italianas e os meus filmes eram recordistas de bilheteria. A violência do dia-a-dia é diferente da do cinema.

   Outra grande influência no estilo de Argento é a filmografia de Bergman. E os pontos em comum não se restringem à estética.

   — Ao ler a sua autobiografia, descobri que ele é perfeccionista. Se as coisas não estão como ele quer, não consegue fazer nada. Eu também sou assim — compara Argento. — Sou virginiano. Se eu chego no set sem ter certeza do que vou fazer, fico com vergonha e acho que estou fazendo uma grande besteira.

   Por ser tão perfeccionista é que ele vem tendo dificuldades de realizar seu atual sonho: fazer um filme de suspense no Brasil.

   — Quero fazer um suspense all’italiana , com atores brasileiros — promete Argento. — Que filho de brasileira seria eu se não conseguisse fazer isso? (Roberta Oliveira)

(© O Globo)

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