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Giorgio
Armani |
Dono de uma grife que só cresce, estilista
completa 70 anos e se diz preocupado em desenvolver autonomia de sua
equipe
JO JOHNSON
DO "FINANCIAL TIMES"
Vender seu Volkswagen em 1975 foi o melhor negócio que Giorgio Armani
já fez. Trinta anos mais tarde, o negócio que ele montou com o
dinheiro se tornou uma das marcas mais conhecidas e valiosas do mundo.
Como presidente-executivo e do conselho, além de único acionista, de
uma marca de estilo de vida avaliada em três bilhões pelos analistas,
Armani, o rei inconteste da noite do Oscar, provavelmente é o
estilista de maior sucesso na história européia do pós-guerra.
Mas Armani, que completou 70 anos em julho, enfrenta um número
crescente de céticos. Mesmo que Anna Wintour, editora da "Vogue"
americana, o tenha descrito como "perenemente relevante", outros são
menos caridosos. Em particular, dizem que Armani perdeu seu lado
vanguardista, que não está renovando o apelo de sua marca numa nova
geração de consumidores jovens e exigentes e que precisa urgentemente
esclarecer os planos sobre o futuro de seu império de moda.
Armani admite que ele precisa reassegurar aos poderosos compradores
das lojas de departamentos, a seus fornecedores e funcionários que a
vida vai prosseguir muito mesmo depois que ele decida se aposentar.
Nigel Nicholson, professor de comportamento organizacional na London
Business School, diz ser comum que empresas familiares retardem
decisões de planejamento de sucessão até que seja tarde demais, ou que
os proprietários se acreditem imortais. "Às vezes, o líder não quer
pensar no futuro. Às vezes, a família simplesmente não sabe o que vai
fazer e está à espera de inspiração."
Armani diz que sua principal preocupação agora é desenvolver a
autonomia e as idéias de sua equipe executiva, cujas principais
figuras foram contratadas em casas de moda rivais, tais como Jil
Sander, Calvin Klein e Ferragamo. Ele duvida que a Gucci tenha tomado
a decisão correta ao recrutar um executivo da Unilever, Robert Polet,
que nunca trabalhou no setor, para substituir Domenico de Sole na
presidência da organização. "São precisos pelo menos três anos para
aprender a linguagem básica da indústria da moda, e o mundo está se
movendo rápido demais para isso."
Sobrevivência
Se Armani conseguir provar que seus críticos estão errados, não será a
primeira vez. Em 1985, depois da morte de Sergio Galeotti, seu
parceiro na vida e nos negócios, muitos duvidavam que Armani
sobreviveria. Nos primeiros dez anos de sua existência, Galeotti havia
administrado o lado comercial da empresa, enquanto Armani se
concentrava na criação. Os predadores começavam a cercar a companhia,
e muita gente acreditava que os dias da Armani como empresa
independente estavam contados.
"Foi certamente um momento de grande desespero e angústia. [...] Não
tinha escolha a não ser ir em frente e confiar em mim. Tomei decisões
cuidadosamente, aprendendo com meus erros."
A especulação sobre sua sucessão naturalmente se intensificou com seu
70º aniversário, mesmo que ele pareça estar em grande forma, seu torso
exibindo o formato perfeito de um triângulo invertido. Armani deu a
entender em dezembro, de maneira provocativa, que podia estar
interessado na LVMH, da França, como parceiro estratégico, sugestão
que veio à tona pela primeira vez em 1998, quando ele estabeleceu um
prazo de dois anos para indicar um sucessor, decisão que terminou por
não tomar. No segundo trimestre deste ano, ele disse que desejava ter
um plano de sucessão em curso até 2008.
Comercialmente, Giorgio Armani continua a desfrutar de excelente
saúde. Os resultados do primeiro semestre de 2004 demonstram que seu
modelo peculiar de negócios está longe de obsoleto. Os lucros
operacionais cresceram 23%, para 89 milhões, e as vendas, para 644
milhões, com alta de 5%.
Ele criou cinco etiquetas separadas de roupas, todas sob a marca geral
Armani. Seus produtos básicos integram a linha Giorgio Armani, a marca
principal, dirigida especialmente a consumidores dos 35 aos 50 anos,
com ternos cujo preço inicial é de 1.500 e vestidos de gala como os
vistos no Oscar, que podem custar entre 40 mil e 50 mil.
Claudia D'Arpizio, sócia na consultoria de gestão Bain & Co., diz que
não está preocupada com a possibilidade de que Armani esteja perdendo
parte de seu apelo de vanguarda no mundo da moda. "Como Ralph Lauren,
Armani é um raro exemplo de marca bem-sucedida de estilo de vida, e as
pessoas dão mais valor à consistência do que à moda."
Novos produtos
Mas a marca Armani está se estendendo a uma gama cada vez mais ampla
de produtos, para ramos distintos de sua origem como alfaiate. No
começo do ano, formou uma "joint venture" com a incorporadora
imobiliária Emaar, do Dubai, para criar 14 hotéis com a marca Armani.
O projeto envolve a abertura de dez hotéis e quatro complexos de lazer
nos próximos sete anos, em Dubai, Milão, Londres, Paris, Nova York,
Tóquio e Xangai.
O império Armani vem bancando a própria expansão desde que foi criado.
O grupo não toma empréstimos bancários (de fato, tem cerca de 300
milhões em caixa).
Mas o grupo Armani é mais visto como presa do que como predador.
Quatro anos atrás, conta, Bernard Arnault, da LVMH, fez uma proposta
séria, primeiro mencionando uma aquisição pelo seu conglomerado de
moda e bebidas e, mais tarde, uma fusão entre a Louis Vuitton e a
Armani.
Mas ele diz ter desistido quando Arnault insistiu que, porque a Louis
Vuitton era maior, Armani fosse um acionista minoritário. "Se a Armani
fosse controlada por um grande grupo, como o LVMH, eu me aposentaria.
Meu luxo é fazer o que quero, não o que alguém me diz."
Tradução de Paulo Migliacci
(© Folha de S. Paulo)
Entrevista:
Giorgio Armani
Roupa é para durar
O estilista italiano diz que ignora tendências,
faz moda do seu jeito e que é triste aposentar um bom vestido com seis meses de uso
Bel Moherdaui
Todo de preto, calça larga e camiseta
agarradinha, pele bronzeada contrastando com a cabeleira prateada, o
italiano Giorgio Armani parece debochar dos 70 anos completados em
julho. Ele também incorpora a imagem de seu estilo: o clássico
contemporâneo, limpo, despojado e milimetricamente descomplicado. Um dos
poucos estilistas da sua geração ainda em atividade e dono da própria
grife, Armani comanda de perto o grupo que leva seu nome, com 250 lojas
espalhadas pelo mundo, incluindo quatro no Brasil.
Não só não se
intimida diante dos jovens e atrevidos estilistas que com ele disputam
cliente a cliente o mercado de luxo, como critica a criação incessante
de tendências pela indústria da moda. Mas, realista, sabe que é preciso
inovar sempre. Sua receita: manter o estilo, apostando, ao mesmo tempo,
na constante diversificação da marca. Só de roupa, o grupo Armani tem
linhas que vão do infantil (Armani Junior) ao adulto abastado (Giorgio
Armani), passando pelo jovem recém-seduzido (Emporio Armani e Armani
Jeans) e pelo profissional (Armani Collezioni) já estabelecido, mas que
ainda não tem tanto dinheiro para gastar – ou "investir", como diz.
Ele
acabou de abrir uma loja em Xangai e pretende montar uma rede de hotéis
de luxo nos próximos sete anos. Logo depois de apresentar o seu primeiro
desfile da temporada, na semana passada, em Milão, Armani falou a VEJA.
Veja – Como conciliar estilo próprio e
sucesso comercial?
Armani – No começo da minha carreira, quando eu trabalhava
comprando coleções para uma loja, aprendi que a roupa que vende é aquela
que pode ser usada pelo maior tempo possível. É isso que o consumidor
quer. Eu não gosto da idéia de que um vestido que deu tanto trabalho
para ser confeccionado em seis meses estará aposentado. Um bom vestido é
como um bom terno, feito para durar. Além disso, como eu tenho cinco
linhas diferentes (Armani Jeans, Armani Exchange, Emporio Armani, Armani
Collezioni e Giorgio Armani, sem contar a infantil, Armani Junior),
posso satisfazer cinco tipos diferentes de homem e mulher.
Veja – É possível manter padrões de
qualidade sólidos e agradar a uma enorme variedade de clientes em tantos
países?
Armani – Dou muita atenção aos detalhes, procurando, ao mesmo
tempo, ser constante no meu modo de ver a moda. Estamos presentes em 37
países e não tenho como fazer uma coleção especial para cada um. Procuro
ser fiel àquilo em que eu acredito, e isso acaba caindo no gosto dos
clientes.
Veja – Numa atividade em que todo mundo
vive procurando a última novidade, ou o estilista do momento, o senhor
já teve a sensação de que está ficando ultrapassado? Como enfrenta isso?
Armani – Apresentando coleções que sejam criativas e que façam
sonhar. Não preciso mostrar em todas as passarelas, em todas as
temporadas, o terno com três botões. Todo mundo o conhece e ele estará
sempre nas minhas lojas. O maior desafio é sempre manter a capacidade de
provocar impacto e a energia.
Veja – O senhor costura?
Armani – Não, nem sei dar nenhum ponto. Claro que, se precisar,
consigo, porque com as mãos sou capaz de fazer tudo.
Veja – Suas coleções são feitas à moda
tradicional, começando com o desenho dos modelos?
Armani – Hoje em dia o desenho não é mais tão importante.
Desenhar é um costume antigo. Às vezes, uma idéia vem de um rascunho que
eu faço, ou que alguém da minha equipe faz. Mas normalmente eu me reúno
com a equipe de criação, ela traz idéias e tecidos, muitas vezes peças
já prontas, e nós discutimos se devemos seguir este ou aquele caminho.
Cada vez menos usamos o desenho, simplesmente porque ele mexe muito
pouco com os sentidos, está muito distante da roupa.
Veja – O senhor usa sempre exatamente o
mesmo tipo de roupa. Por quê?
Armani – Adotei um "uniforme" que uso sempre. De dia, jeans ou
calça esporte escura com camiseta branca ou azul-marinho, suéter da
mesma cor e blazer esportivo. De noite, camisa com gola indiana e paletó
mais formal. Tudo, geralmente, das minhas coleções, embora de vez em
quando também use outros estilistas. É a roupa que acho adequada e na
qual me sinto confortável.
Veja – Que estilistas o senhor admira?
Armani – Difícil dar um nome. Posso admirar de vários modos.
Gosto muito do John Galliano por sua genialidade, sua poesia louca. Do
Jean-Paul Gaultier porque ele procura sempre dar um toque pessoal àquilo
que faz – é fácil reconhecer o trabalho dele. Eu gosto daquilo que não
fica preso a uma tendência. Hoje, principalmente no prêt–porter, as
tendências são, em grande parte, ditadas por toda a indústria da moda,
incluindo aí jornais e revistas. Eu me sinto um pouco isolado de tudo
isso. Faço a moda do meu jeito, o que muitas vezes é o oposto da
tendência.
Veja – Tomando então Galliano como
exemplo: qual a diferença entre um desfile dele para a Christian Dior e
os seus?
Armani – O Galliano faz um desfile pelo espetáculo, faz uma coisa
excêntrica, impossível. É muito livre. Eu estou preocupado com o meu
negócio. Faço um desfile com aquilo que vende nas lojas, mostrado da
forma que as pessoas realmente vão poder entender e usar.
Veja – E entre os estilistas de outras
épocas, qual o senhor citaria?
Armani – Yves Saint Laurent, porque ele ama as mulheres e cria
para deixá-las bonitas.
Veja – Só neste ano, Versace, Ungaro e
Givenchy deixaram de apresentar suas coleções de alta-costura. Antes
deles, muitos outros, como o próprio Saint Laurent, Thierry Mugler e
Paco Rabanne. A alta-costura está acabando?
Armani – Ela está mudando. Ainda há algumas pessoas que
procuram por ela, existem mulheres que têm muito dinheiro e querem se
vestir de maneira diferente, personalizada, e pagam por isso. Só que são
poucas as que podem ter um vestido de sonho. Ele é o topo. É como ter um
diamante grande: a maioria das pessoas comprará outros parecidos, mas
menores, caso do prêt–porter, em que as coleções estão muito mais
próximas da realidade.
Veja – Se são poucas as mulheres que
têm condições de comprar esses vestidos, ainda faz sentido manter uma
parte do negócio voltada para elas?
Armani – Na verdade, quase já não se vê a produção de vestidos
sob medida, porque são muito caros. Um caminho que encontrei para manter
o gosto pelo exclusivo e que estou começando a colocar em prática são os
trunk shows, desfiles montados na própria loja, em algumas
cidades, um pouco antes do início da temporada, para aquele grupo
específico de clientes em condições de adquirir peças únicas. Elas
poderão escolher o que desejam e receberão a roupa na sua numeração,
dali a dois ou três meses. Embora o vestido não seja feito para o corpo
da cliente, como na alta-costura tradicional, esse não deixa de ser um
serviço de luxo, um tratamento exclusivo, uma vez que naquela cidade não
será mais vendido nenhum modelo igual. Digamos que é um prêt–porter de
alto luxo.
Veja – O Brasil já esteve no roteiro de
suas famosas viagens de barco?
Armani – Estive lá duas vezes, mas há quinze ou vinte anos, e só
no Rio de Janeiro, no Carnaval. Posso dizer que me diverti muito. Os
brasileiros são muito divertidos, cheios de vida, vibrantes. Também
sabem ser sexy, provocantes, sem cair na vulgaridade. Tenho uma amiga
brasileira, Penelope, que namora um rapaz da minha equipe. Ela é modelo,
trabalha para mim com freqüência e já viajou conosco nas férias. É muito
gentil, muito linda e muito emotiva. Como são emotivas as brasileiras!
Da mesma forma que riem, têm sempre uma lágrima escorrendo. Tão
dramáticas!
Veja – O senhor não costuma trabalhar
com Gisele Bündchen. Não gosta dela?
Armani – Gisele é belíssima. Mas aqui ela está muito ligada à
imagem de Dolce & Gabbana. Além disso, Gisele é muito cara. No desfile
do Emporio Armani, hoje, tive oitenta modelos. Se coloco Gisele para
desfilar, não posso pôr mais ninguém. Se eu tivesse apenas dez modelos,
ou então dez tops, aí sim precisaria da Gisele. Acho as modelos
brasileiras muito bonitas. Nunca me esqueço de uma dos anos 80, também
chamada Gisele (Zelauy). Era lindíssima, sofisticadíssima. Tinha
um rosto muito forte, um nariz grande. Era minha modelo favorita.
Veja – O senhor veste muitas artistas,
principalmente para a festa do Oscar. Elas dão muito trabalho?
Armani – E como. De maneira geral, elas são muito inseguras. São muito
influenciadas por todos os que estão ao seu redor: stylist,
cabeleireiro, mídia. Elas não têm muita personalidade e por isso não
conseguem definir um estilo próprio. Têm pavor de errar. Você tem de
passar horas com elas.
Veja – Quem já se superou no quesito
insegurança?
Armani – Uma vez fiquei quatro horas com a Mira Sorvino, para
experimentar seis vestidos. Ela estava aterrorizada. Hoje, melhorou
muito, está muito mais bonita, muito mais segura. Isso foi bem no
começo. Já Michelle Pfeiffer e Jodie Foster sabem exatamente do que
gostam. Annette Bening sempre escolhe de maneira excepcional. Mas a
maioria das atrizes é muito condicionada ao último grito da moda, à
última tendência, ao que sai nas revistas e nos jornais como sendo o
máximo. Ainda que seja um vestido feio ou que não caia bem nelas.
Veja – Ultimamente o senhor tem
trabalhado bastante com esportistas. Veste o time inglês de futebol,
agora também a seleção italiana de basquete e chamou o brasileiro Kaká
para estrelar uma de suas campanhas. Por quê?
Armani – O esporte, como a música, atrai muitos jovens. Não tem
fronteiras, não tem diferenças. E esse tipo de público cosmopolita é o
meu público-alvo. O esporte agrada a todos. Além disso, tem a vantagem
de que, em geral, os esportistas são muito bonitos. São quase modelos e,
ao mesmo tempo, são ídolos. Se vestem Armani, melhor ainda.
Veja – O grupo Armani já vende óculos,
maquiagem, objetos de decoração, até flores e doces. Recentemente o
senhor fechou um grande negócio para fazer hotéis e resorts. Qual o
próximo passo?
Armani – Não quero dar uma resposta trágica. O meu futuro agora é
um pouco limitado. Sei que não vou durar para sempre e comecei a
investir mais numa infra-estrutura sólida e numa equipe competente. O
que mais me preocupa é consolidar o grupo. Conseguindo fazer isso, já
estarei feliz. Mas confesso que não consigo abandonar uma pergunta: o
que mais vou fazer agora?
Veja – O que mais?
Armani – Bem, para ser sincero, tem mais uma coisa que quero
fazer: copiar o Tom Ford quando ele diz que vai trabalhar com cinema. Eu
adoraria fazer cinema.
Veja – De onde vem esse gosto?
Armani – Cresci na Itália destroçada do pós-guerra. Naquele
tempo, faltava tudo e as pessoas lutavam pela sobrevivência mais básica.
O cinema era acessível e mostrava um mundo maior que a realidade. Até
hoje sou apaixonado pelo cinema, por essa mágica que continua a
influenciar o meu trabalho.
(©
Revista VEJA)
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