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Walter Salles |
Gina de Azevedo Marques
Enviada especial AGRIGENTO, Itália
Walter Salles ganhou no sábado
o Efebo de Ouro do Centro Italiano de Pesquisas para a Narrativa e o
Cinema pelo filme “Diários de motocicleta”. O filme concorria com 60
candidatos e foi premiado pela adaptação dos textos de Ernesto Che
Guevara e Alberto Granada. A cerimônia aconteceu dentro do Museu
Arqueológico de Agrigento, na Sicília.
O Centro Italiano de Pesquisas
para a Narrativa e o Cinema há 26 anos se dedica a estudar a relação
entre cinema e literatura.
— O cinema é um instrumento de
conhecimento do mundo e a mesma coisa poderia ser dita sobre a
literatura. Para mim, estas duas formas de aprendizado sempre andaram
em paralelos que às vezes se convergem. Estamos na Itália e por que
não falar do escritor Luigi Pirandello e o filme “Kaos”, dos irmãos
Taviani, do escritor Lampedusa e de “O leopardo”, de Luchino Visconti.
Esta relação de interdependência entre cinema e literatura vem quase
desde a invenção dos Lumière, o cinema sempre dependeu deste diálogo —
disse Walter Salles.
Do Rio para a Cidade do México,
e de lá para Los Angeles, Paris e Milão e apenas uma noite em
Agrigento para receber o prêmio — no dia seguinte, seguiu para Madri.
Com uma agenda destas, Salles tem que passar muitas horas nos aviões.
Ele admitiu que a leitura é a sua melhor companheira de viagem.
— Tem autores que sempre me
interessaram, como o Rubem Fonseca, que, além estar em sincronia com a
realidade brasileira tem a capacidade de anunciar o que está por vir.
Outro autor brasileiro que comecei a apreciar recentemente, Bernardo
Carvalho, que tem um enorme talento — contou.
Gianni Amelio ganhou o prêmio de melhor livro
Outros trabalhos de Salles são
baseados em obras literárias. No universo de papel, não é fácil
escolher a sua própria galáxia, descobrir um autor pouco conhecido
pelo público e um livro que inspire a fazer um filme.
— O Ismael Kadaré me foi
revelado pelo meu irmão João Salles, que lê muito mais que eu. Quando
li o “Abril despedaçado”, fiquei sensibilizado por aquela narrativa,
mas na reta final não fiz justiça ao Kadaré porque o livro tem uma
densidade e pertinência que não consegui transmitir no filme — disse o
cineasta.
Ao dar corpo às palavras,
transformá-las em imagens, luzes e sons, Salles às vezes se sente
injusto com o autor.
— É difícil fazer justiça a um
livro, sobretudo de ficção. Numa adaptação de uma narrativa
documental, como é o caso de “Diários de motocicleta”, o processo é um
pouco menos perigoso.
A relação livro-cinema é
complicada. Salles não é o único a se sentir injusto, mas, para
contornar esta sensação, o cineasta italiano Gianni Amelio, Efebo
especial pelo melhor livro de cinema por “O vício do cinema: ver, amar
e fazer um filme”, optou por se libertar do autor.
— A maioria dos autores não se
sente ofendida. Eles gostam porque é um exercício de criatividade, de
aspectos das obras deles que eles mesmos não haviam pensado — disse o
diretor.
O livro conta a sua paixão como
cineasta e espectador.
— O livro faz amor com o
cinema, que te envolve no escuro de uma sala de projeção — explicou.
Há 14 anos Amelio esperava ter
recebido o prêmio pelo filme “Portas abertas”, baseado na obra do
escritor siciliano Leonardo Sciascia.
(© O Globo)
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