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Toque de classe na temporada

 

Adriana Pavlova

   Pode parecer cedo, afinal o ano ainda nem acabou. Mas os italianos que tomam o palco do Teatro Municipal a partir de amanhã, para cinco apresentações, chegam para alcançar o ponto mais alto da temporada de dança clássica carioca. Atrativos não faltam. Em sua primeira turnê no Brasil, o centenário Ballet do Teatro Scala de Milão apresenta um espetáculo inédito no país. A partir de uma história de Shakespeare, “Sonho de uma noite de verão” é embalado pela música de Mendelssohn e coreografado por um dos mestres do balé do século XX, George Balanchine, que neste 2004 está sendo lembrado por seu centenário.

   A superprodução italiana que data de 2001 e aqui faz parte da série O GLOBO em Movimento é coisa grande mesmo. São 70 bailarinos em cena além de 24 crianças escolhidas na Escola do Balé do Bolshoi de Joinville para a turnê brasileira, figurinos novinhos em folha e cenários impecavelmente acabados. Mais atrativos? A rara chance de ver aqui uma peça de Balanchine que conta uma história com começo, meio e fim, e que, apesar disso, tem tanto a influência da escola russa que formou o coreógrafo na sua terra natal como também o aspecto mais abstrato que fez de seu legado à frente do New York City Ballet (NYCB) — companhia que ajudou a fundar nos EUA em 1948 — um divisor de águas no balé do século XX.

   — O primeiro ato é uma história bem narrativa, que tem muito a ver com a escola russa e com os balés históricos como “O lago dos cisnes” — diz Frédéric Olivieri, diretor artístico da companhia de Milão e um dos mentores da remontagem da peça de Balanchine. — Já a segunda parte tem um lado que poderia ser comparado a “Tema e variações” (uma das obras mais conhecidas de Balanchine) por seu aspecto mais abstrato. Nesta parte, é dança pela dança, balé puro e acabado, com toda a musicalidade que marca a herança de Balanchine e também muitos desenhos coreográficos geniais. A companhia tem que ser muito técnica para conseguir dançar tanta qualidade junta.

Turnê brasileira traz apostas da companhia

   Num ano em que a montagem mais imponente do Balé do Teatro Municipal parece mesmo que terá sido a reedição do espetáculo “Onegin” (estréia de 2003) e em que a companhia de Merce Cunningham encantou gostos mais contemporâneos, a visita do balé de Milão com “Sonho de uma noite de verão” surge como uma atração na medida para baletômanos mais clássicos e também para a parcela mais antenada. No palco, os cariocas verão uma companhias jovem com bailarinos e bailarinas que trazem nas costas uma história de mais de dois séculos de convivência com as sapatilhas.

   No comando disso tudo, está um diretor que mistura rigidez com amizade, criando uma linguagem bem latina.

   — Eu sou um tipo de diretor que se comunica muito. Sou exigente e simpático ao mesmo tempo porque sei aonde quero chegar com a companhia — diz Olivieri, que até assumir o cargo maior dentro do balé de Milão, em 2002, passou, entre outras companhias, pelo Balé da Ópera de Paris. — Quando um bailarino está na sala de aula, ele precisa de alguém que realmente o guie, de alguém que o compreenda e que diga o que ele tem que fazer. Sou aberto a conversas mas sempre digo o que quero porque se a companhia não estiver em sua melhor forma, por exemplo, ela jamais vai conseguir fazer um espetáculo tão difícil e tecnicamente desafiante como “Sonho de uma noite de verão”. Por isso, os brasileiros verão nosso grupo em sua melhor época.

   Na temporada brasileira, serão apresentados os talentos mais jovens da companhia, as grandes apostas da atual gestão, nomes como Marta Romagna, Gilda Gelati, Mick Zenni, Sabrina Brazzo, Maria Francesca, entre outros. Uma turma que se equilibra muito bem num repertório que tanto pode resvalar para o balé mais clássico ou romântico como “Giselle”, passar por modernos e neoclássicos — daí muitas peças de Balanchine, Béjart e Jiri Kylian — para chegar aos dias de hoje com Preljocaj e outros mais contemporâneos.

   Com esse repertório-base, a companhia faz cerca de 120 apresentações por ano, 80 somente em Milão. São também dez novas produções anuais que, pelo jeito, agradam em cheio aos italianos, que são maioria na platéia, junto com os turistas de passagem pela cidade italiana. Há turnês regulares, por países tão diversos como Japão, Rússia, México, Grécia (onde estiveram na época das Olimpíadas) e Espanha. Em muitas das viagens recentes, o Ballet do Scala tem levado na bagagem justamente “Sonho de uma noite de verão”. Na Europa, hoje, o grupo é o único a deter os direitos de montagem dessa obra de 1962 de Balanchine, criada para o NYCB. Há três anos, Olivieri e seu time apostaram alto na remontagem da peça e desde então têm feito dela uma marca.

   A ligação de Balanchine com “Sonho de uma noite de verão” é curiosa. Ainda garoto, na sua São Petersburgo natal, o coreógrafo participou de uma montagem do texto de Shakespeare e por toda a vida recitou de cor algumas trechos da história. Em 1950, através de uma encomenda, Balanchine criou algumas danças a partir da peça para uma montagem num teatro de Connecticut. Apesar disso, seria a música de Mendelssohn a grande inspiradora coreográfica dele ao criar o espetáculo completo, em 1962. O compositor foi um guia e tanto, a ponto de Balanchine inserir na sua versão trechos de outras obras de Mendelssohn, como a Nona Sinfonia, no segundo ato do balé.

   “Acredito que seja possível ver e apreciar o balé mesmo sem conhecer a história da peça. Esta era a minha esperança ao criar o espetáculo”, disse Balanchine certa vez.

   Resumindo a história que apenas serve de fundo para a criação coreográfica do mestre, “Sonho de uma noite de verão” gira em torno de uma intriga amorosa complexa que mistura o mundo dos humanos com o mundo da fantasia, envolvendo mortais com deuses, numa floresta, e numa cidade perto dela. Entre eles há Puck, um duende que passa o tempo todo às voltas com encantamentos e travessuras. Uma delas é fazer com que os casais que vão namorar na floresta se apaixonem uns pelos parceiros dos outros.

   O segundo ato de Balanchine, aquele bem menos narrativo, começa justamente com a música mais famosa de Mendelssohn, a Marcha Nupcial, embalando uma grande festa de casamento. É ali que todos os 24 bailarinos escolhidos em Joinville dançam também. Para quem se delicia com pas-de-deux , Balanchine oferece lindos encontros e desencontros amorosos. Por essas e por outras, “Sonho de uma noite de verão” é uma promessa e tanto de espetáculo.

(© O Globo)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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