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Dúvida: Thomas (Hemmings) acha que
fotografou um assassinato |
Antonioni embaralha convenções do gênero policial no clássico
Blow up – depois daquele beijo
Ivan Claudio
Sacudida pela explosão do rock
e da pop art, a capital inglesa vivia um período tão efervescente no
final dos anos 1960 que passou a ser conhecida como Swinging London. Foi
nesse contexto que o cineasta italiano Michelangelo Antonioni rodou na
cidade um de seus filmes mais famosos – Blow up – depois daquele
beijo (Blow up, Inglaterra/Itália, 1966), que acaba de sair em DVD
no País. Roqueiros reverenciam o filme pela rara cena mostrando a banda
Yardbirds com os guitarristas Jeff Beck e Jimmy Page na formação. A
Giselle Bündchen da época chamava-se Verushka, e aparece como ela
própria na história policial centrada no cotidiano de um fotógrafo de
moda. Thomas (David Hemmings) é um daqueles profissionais das lentes
diante dos quais qualquer modelo se colocaria nua em pêlo só para ter os
15 minutos de fama nas páginas de algum editorial. Exatamente o que
acontece com as chamadas “birds”, gíria em voga para as groupies, entre
elas a estreante Jane Birkin, que mais tarde se consagraria cantando
Je t’aime (moi, non plus), com Serge Gainsbourg.
Calcado na figura do
mitológico fotógrafo David Bailey, autor das capas dos discos dos
Rolling Stones, Thomas desfila pelas ruas londrinas com um Rolls Royce
conversível preto ao som de Herbie Hancock e, num gesto cool, costuma
jogar roupas no lixo em vez de levá-las à lavanderia. Entendiado com a
profissão, deixa um bando de modelos em pose fotográfica esperando-o de
olhos fechados no estúdio. O pior é que elas ficam. Num passeio por um
daqueles parques londrinos semelhante a infindáveis tapetes verdes, ele
registra a distância um casal que parece envolvido numa situação ambígua
entre a carícia e a rejeição. A cena se mostra mais misteriosa quando,
ao ampliar as fotos, Thomas suspeita que o homem estaria sendo vítima de
um assassinato.
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Curiosidade da produção
• a história baseia-se num conto de Julio Cortázar (foto)
• é o primeiro filme inglês com nu frontal
• a banda que apareceria no show era The Who
• a modelo Verushka interpreta a si própria |
Dito desta forma, a trama
parece encaixar-se nos clichês do filme policial. Mas Antonioni vai
além. Faz coincidir a ampliação fotográfica com a busca da verdade para,
ao final, discutir a própria relatividade do que aceitamos como
verdadeiro. Essa é uma indagação comum à literatura do argentino Julio
Cortázar, cujo conto Las babas del diablo está na origem do
roteiro. Cortázar, aliás, aparece como um dos sem-teto fotografados por
Thomas no início do filme.
Na mesma época, o franco-suíço
Jean-Luc Godard também se inspirou num conto do argentino em Week
end à francesa (1967), infelizmente ausente da mostra Cortázar
– cinema e literatura, que acontece no Cinesesc, em São Paulo, a
partir da sexta-feira 24. Apresentando seis filmes baseados no autor, o
ciclo feito em homenagem aos 90 anos de Cortázar, morto em 1984, exibirá
obviamente Blow up, acessível àqueles que não se contentam com
o tamanho pequeno da tela do televisor.
(© Revista ISTO É)
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