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A
voluptuosa Sara Cosmi em 'Falo!' |
Papa do cinema erótico, o veneziano Tinto Brass, que
tem seu novo filme exibido hoje no Festival do Rio, diz que o cinema
mundial não sabe filmar o sexo e cultua a morte
Alexandre Werneck
Quase todas as vezes em que o veneziano Tinto Brass aparece em
público, está fumando um enorme charuto. Seja em fotos, seja em
algumas das aparições que hitchcockianamente faz em seus filmes, o
cineasta italiano, considerado o papa do cinema erótico mundial, está
com o objeto na boca. Seria um símbolo fálico? Para explicar a
aparente fixação, o diretor recorre a Freud, que dizia que às vezes um
charuto é apenas um charuto.
- É só o prazer de fumar mesmo. Eu não poderia dar
o mesmo uso que Clinton e Monica Lewinsky - afirma Brass, por
telefone, de Veneza, onde mora.
O falo, então, pode não ser um símbolo, mas é, sem
dúvida, um de seus maiores colegas de trabalho. Por isso mesmo, não
deixa de ser simbólico que o filme com que comemora seu aniversário de
70 anos (no ano passado) e suas quatro décadas de carreira, tenha
recebido esse nome.
Pois Falo! ganha hoje sessão no Festival do
Rio (mostra Midnight Movies), às 19h, no Palácio 1, e poderá ser
simbolicamente conferido pelo público. O filme, formado por seis
histórias, é aquilo tudo que se pode esperar do diretor: trama com bom
humor que critica a maneira como a sociedade moralista lida com o
corpo, fotografia com ângulos desafiadores e muito, muito sexo
explícito. Motivo pelo qual, geralmente, os críticos consideram Brass
um cineasta menor, ''apenas um diretor de cinema pornográfico''.
- Não sinto nenhuma frustração nisso. Mas tenho
pena dessas pessoas, por não saberem avaliar as qualidades e o valor
artístico do meu cinema - diz o cineasta.
O valor artístico a que o diretor se refere está,
segundo ele próprio, em sua ligação com a marca maior da arte
libertina: toda vida a eros; morte a tánatos. Segundo
ele, há um significado político em seu trabalho:
- É uma abordagem libertadora, um olhar cheio de
leveza sobre a vida, alegria e prazer. Temos diferentes concepções de
arte.
E afirmando que o mundo convencionou chamar de arte
apenas aquilo que se aproxima do padrão americano, ele apresenta seu
manifesto erótico-pacifista:
- Vivemos em um planeta obcecado pela violência,
com medo do terrorismo, de pessoas que amam oprimir o corpo, matar o
corpo. Acho que minha maneira de mostrar o sexo é uma boa forma de
fazer essas pessoas atentarem para o amor que elas devem ter pela
vida.
Em Falo!, esse amor pela vida se manifesta
nas historinhas em que o sexo é tratado sem nenhuma reverência. São
casos de troca de casais, ménage a trois, lesbianismo e outras
curiosidades sexuais, todas filmadas de uma maneira um tanto
fantasiosa. Várias mulheres usando trajes irreais (como a sainha de
jogar tênis de uma esposa que trai o marido) e vários homens com pênis
gigantescos.
- Os grandes falos são uma alusão à pintura
japonesa erótica. Nela, os homens têm pênis tremendamente grandes. E,
no entanto, todos fazemos piadas com o tamanho dos membros dos
japoneses - explica o diretor.
O primeiro conto, Álibi, por exemplo, mostra
a história de um casal em lua-de-mel em Casablanca. Os dois têm uma
vida sexual estimulante, mas o marido não consegue resistir à tentação
de ver sua mulher ser possuída pelo carregador marroquino do hotel em
que estão hospedados.
É, segundo ele, um filme sem culpa, que seria o
ingrediente essencial da maneira como o cinema de hoje filma o sexo:
- Veja o caso de De olhos bem fechados , de
Stanley Kubrick. É um filme maravilhosamente bem feito. Lindo. Mas não
é um filme de eros, de prazer e liberdade. É um filme que
analisa a alma e sobretudo a culpa, mas não é um filme erótico.
Normalmente, meus colegas cineastas, para poderem colocar algum
eros em seus filmes, têm que fazer concessões e colocar muito mais
tánatos, muita morte. E com isso, eles fazem películas com
morte, e pouco amor.
Já em seus filmes, há muito eros. Foram
quase 30 longas em uma carreira também sem culpas. Casado, pai de dois
filhos e avô de três netas, Brass acha que é justamente a culpa, e seu
uso pelo poder, a raiz de todos os problemas das sociedades e do
cinema contemporâneos:
- As autoridades, de todos os tipos, sejam
religiosas ou políticas, estabelecem regras de conduta e criam um
mecanismo de culpa para fazê-las funcionar.
Para Brass, apenas uma mácula assombra sua
carreira. É Calígula, de 1979, aquela que deveria ter sido sua
obra-prima, com a narração da história do lascivo imperador romano.
Estrelado por Malcolm McDowell, com participação de Peter O'Toole, e
escrito por ninguém menos do que Gore Vidal, o filme nasceu de um
desejo do dono da Penthouse italiana, Bob Guccione, que queria
fazer o maior filme pornográfico de todos os tempos.
Mas, diante das peripécias artísticas de Brass, que
queria fazer uma obra de quase quatro horas de duração, demitiu o
diretor e fez a montagem que quis, renegada por Brass:
- Normalmente, eu escrevo, filmo, edito, faço tudo.
Isso é dirigir. Por isso, não dirigi Calígula.
Sobre a possibilidade, remotíssima, de um
director's cut, Brass lembra que não é apenas um problema
judicial, mas também físico:
- Teriam que me entregar os 8 mil metros de
película que eu filmei.
Até por conta dessa saga, ele separa muito
claramente seu trabalho do universo do cinema pornô mundial,
feito em vídeo e para uso doméstico.
- São filmes ruins. Mas é como qualquer outra
utilização medíocre da arte, como a que o cinema americano fez com
qualquer gênero.
(©
JB Online)
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