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Cacá: intérprete de rosto elástico, voz de modulação
característica e movimentação corporal ágil |
Cacá Carvalho tem presença absoluta em monólogos
adaptados de Pirandello
Macksen Luiz
Em monólogos adaptados de
novelas de Luigi Pirandello, Cacá Carvalho empreende uma verdadeira
costura de memórias interpretativas, utilizando meios de atuação que
conduzem a outras épocas teatrais. A poltrona escura, adaptação
das novelas pirandellianas em cartaz no Espaço Sesc de Copacabana, serve
bem aos propósitos do ator que explora cada uma delas com a mesma
gramática de gestos, voz e intensidades. Trata-se de um bordado
milimetricamente construído, de tal maneira que Cacá Carvalho ocupa o
espaço com a integridade de linha interpretativa bem marcante.
O que alimenta
essa coerência cênica são as três histórias, que gravitam em torno do
tema dominante da solidão. Os pés na grama trata da perda
progressiva da função de chefe de família de um viúvo, à medida que se
distancia no tempo a morte da esposa. O homem se apercebe de que o seu
papel social é reduzido a uma figura secundária, relembrando o que foi,
vivendo do pouco que ficou. O carrinho de mão expõe alguém que se
reconhece um embuste, que se mostra socialmente de um modo que não
corresponde à sua verdadeira natureza. Isolado por essa consciência,
exibe o seu pacto fraudulento com a vida. Em O sopro , é
concedido o poder da morte ao homem, o que transforma seu ato num
exercício de poder.
As qualidades
literárias das histórias podem ser avaliadas na transposição para o
palco, ainda que a sua medida em cena deva ser atribuída, unicamente, ao
ator solitário que as incorpora com um furor detalhista que, por vezes,
parece torná-las um tanto uniformes estilisticamente.
O diretor
Roberto Bacci se concentra, como seria inevitável numa encenação de
monólogos, na versatilidade de Cacá Carvalho, um intérprete de rosto
elástico, voz de modulação característica e movimentação corporal ágil.
O diretor é o regente desse minucioso código interpretativo, em que cada
palavra e o mais obscuro gesto tem de vir apoiado por desenho
cronometrado.
Tal como um
prestidigitador, Roberto Bacci parece conduzir Cacá Carvalho por essa
trilha detalhista, repleta de artificialismo e efeitos histriônicos.
Proposital, essa linha sublinha a menor ação cênica com ''truques'' que
deixam a certeza de que toda essa elaboração de variados recursos é uma
opção coerentemente desenvolvida. Na simplicidade do cenário - uma
poltrona apenas com uma cortina bem teatral ao fundo - o ator tem
presença absoluta.
Cacá Carvalho
assume essa convergência sobre si para esmiuçar as pequenas intenções
que pretende atribuir às narrativas. Como se nada pudesse escapar de ser
legendado e como se a força das palavras precisasse de confirmação
visual e a voz tivesse ênfases tonais. O ator se apropria de meios que
relembram velhas formas de atuação, tão valorizadas em épocas em que o
teatro considerava a retórica e a impostação como fontes de valorização.
Essas
referências, revertidas em um estilo depurado, ficam apenas como
lembranças ou composição passadista, sobressaindo a meticulosa versão de
um ator. Se a linearidade dessa interpretação pode atingir o fecho de
cada uma das histórias, pela contínua e excessiva teatralidade
artificial, não compromete a escolha de Cacá Carvalho por esta exposição
exuberante de um manual de recursos.
(©
Folha de S. Paulo)
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