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Cacá Carvalho de volta a Pirandello

Cacá Carvalho

Roberta Oliveira

   A notícia parece coisa do passado: o ator Cacá Carvalho estréia um texto de Pirandello sob a direção do italiano Roberto Bacci. Mas é novinha em folha. Ou quase, já que o espetáculo foi visto e premiado — um Apca para a peça em si e um Shell para Carvalho — em São Paulo. Há dez anos rodando pelo Brasil e pelo mundo com “O homem com a flor na boca”, peça de Pirandello dirigida por Bacci, o ator estréia no Espaço Sesc “A poltrona escura”, que reúne obras do mesmo autor italiano, mais uma vez sob o comando do diretor. E, de novo, Carvalho está só em cena.

   — Solidão? Não estou sozinho, o palco está cheio de gente, é praticamente uma superprodução, eu te juro. Um ator só vem receber os agradecimentos, mas tem um elenco imenso por trás — diverte-se Carvalho, deixando claro, aí a sério, que não se trata de uma questão econômica. — Tem a ver com a relação que eu e Bacci estabelecemos, que é de um discípulo tentando aprender alguma coisa e um mestre tentando ensinar.

Responsável por obra de Pirandello sugeriu novelas

   Mestre e discípulo sonhavam em se reencontrar desde “O homem com a flor na boca”. Não que os dois nunca mais tivessem trabalhado junto. Afinal, desde que, em 1990, Carvalho foi pela primeira vez até Pontedera, pequena cidade italiana em que Bacci vem trabalhando há décadas, a parceria nunca deixou de acontecer, seja com o ator fazendo assistência do diretor, como no espetáculo “Ció che resta” (“O que sobra”), seja dando aulas no centro criado pelo diretor polonês Jerzy Grotowski.

   — Mas nos faltava um texto de que ambos gostassem — lembra Carvalho, que, junto ao diretor, chegou a listar uma série de possibilidades. — Pensamos em fazer algo de Pasolini, mas Bacci achou que ele poderia não ser entendido corretamente no Brasil. Eu quis fazer uma adaptação do “Hamlet”, de Carmelo Bene, mas ele não quis. E ele ainda sugeriu “Moby Dick”, mas eu achei que não era o caso.

   Pirandello voltou à vida da dupla por acaso. Carvalho estava remontando “O homem com a flor na boca” na Itália quando foi apresentado, no camarim, a Alessandro D’Amico, marido de Maria Luiza, neta do escritor italiano, e responsável pelo acervo de Pirandello. Encantado com o trabalho, D’Amico sugeriu a ator e diretor que dessem uma olhada nas novelas “noir” de Pirandello. A dupla leu as 12 e acabou optando por três: “Os pés na grama”, “O carrinho de mão” e “O sopro”.

   — Escolhi a primeira porque fala do depósito ou chame lá como quiser, daquele lugar em que os velhos são encostados por nós quando já achamos que não passam de um chinelo velho — diz Carvalho. — “O carrinho de mão” fala da crise de identidade por que passa o homem contemporâneo. Já “O sopro” é uma novela metafísica em que Pirandello procura mostrar o que aconteceria se a gente pudesse ter o poder de fazer desaparecer as pessoas de quem não gostamos.

   Das três, a que mais mexe com o ator é a segunda.

   — Ela trata de uma questão fundamental: a maneira como os outros nos vêem não é necessariamente como nós somos de verdade — analisa Carvalho, para quem poder falar disso em teatro é só o que importa. — Não estou preocupado se estou bem, ou não, em cena. Este é o meu trabalho, tenho obrigação de estar bem em cena. Seria pretensioso querer alterar alguém com o meu espetáculo. Eu me considero um emissor de idéias e se elas chegarem a alguém, já é mais do que suficiente.

Para 2005, uma montagem de “Dom Quixote”

   Aos 51 anos, Carvalho diz ter chegado a uma idade em que não pode mais se permitir viver só no recreio, como uma criança. Com isso, ele quer dizer que tem sentido necessidade de levar ainda mais a sério o que faz. E, na vida pessoal, de ter mais calma.

   — É um exercício diário, não sei se ainda consigo — diverte-se ele.

   Mas neste exercício não tem sobrado tempo para atividade que não a teatral. Além de viajar com “A poltrona escura” e de, volta e meia, estar em Belém para dirigir um grupo de sua cidade natal, Carvalho trabalha agora num projeto acalentado há anos: a Casa Laboratório para as Artes do Teatro, braço da Fundação Pontedera de Teatro. A idéia é, a partir dos ideais que regem o centro, encenar espetáculos e oferecer workshops com os artistas italianos. O primeiro passo prático será uma montagem de “Dom Quixote” com os 12 atores escolhidos.

   — Não é a obra toda. No momento, estamos nos concentrando na angústia do personagem, que sai de casa e perde a identidade — diz Carvalho, que vai estar à frente do espetáculo com Bacci.

(© O Globo)


'Todo dia é tempo de despertar'

Com um consagrado trabalho teatral na Itália, o ator paraense Cacá Carvalho volta ao Rio usando textos de Luigi Pirandello como uma ferramenta em espetáculo em que reflete sobre a perversidade

Rodrigo Fonseca

   Ouvinte atento, dos que fisgam poesia na mais despretensiosa frase, Cacá Carvalho gostou, guardou e adotou para si uma pérola que ouviu da amiga Cláudia Raia: ''Eu não vim ao mundo a passeio''. Aos 51 anos, o premiado ator paraense já sabe a que veio: para abrir portas. Pelo menos, aquela que conduz seu espectador à autodescoberta. De hoje até o dia 26, tempo em que apresenta o monólogo A poltrona escura, no Espaço Sesc, em Copacabana, de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h, Cacá quer mostrar que encontrou na obra de Luigi Pirandello (1867-1936) uma chave para facilitar seu trabalho.

   - O teatro é uma forma de acordar. A si mesmo e aos outros. E, para mim, todo dia é tempo de despertar e perceber que a vida não é uma eterna hora do recreio. Nessa busca, Pirandello me apareceu como uma chave, porque acredito ser fundamental trabalhar autores que buscaram entender o homem - defende Cacá, que montou o espetáculo em São Paulo em meados de 2003.

   A montagem foi eleita pela Associação Paulista de Críticos de Arte uma das seis melhores do ano passado e lhe rendeu o prêmio Shell de melhor ator. Desde 1988, Cacá vive numa ponte aérea pelo Atlântico, dividido entre Brasil e Itália, onde reside e atua, como membro da Fondazione Pontedera, que investe na experimentação de linguagens cênicas.

   Por lá, A poltrona escura foi vista e aprovada. Inclusive pela neta do autor, Maria Luiza Aguirre Pirandello. Dirigida por Roberto Bacci, de quem Cacá é discípulo há 16 anos - ''Roberto é meu maestro, alguém que me oferece a luz para que eu possa trilhar sozinho'' -, o espetáculo é uma colagem de três contos do escritor, que ganhou o prêmio Nobel de literatura em 1934: Os pés na grama, O carrinho de mão e O sopro.

   - Aprendi com Roberto que o ator não é um boneco que repete as palavras de um autor, mas alguém capaz de se reescrever a partir de um texto, numa relação de reciprocidade. Uso A poltrona escura para isso - explica.

   Na primeira história, Cacá vive um velho viúvo preocupado com o lugar que restará para ele no fim da vida. No segundo, um homem seduzido com a hipótese de mudar seu cotidiano, à revelia dos quatro filhos e da mulher, e pratica ações perversas para expurgar a amargura. A terceira mostra um sujeito que descobre ser capaz de matar soprando entre os dedos e diverte-se exercitando esse poder.

   - É uma história sobre o prazer de eliminar quem não interessa mais. Seu protagonista sai pelas ruas assoprando e gera uma epidemia de morte.

   Cacá lembra que todos as narrativas da peça têm a marca do universo noir, em sua forma de abordar a perversidade humana, o que justifica o ''escura'' do título.

   - O nome da peça é uma convenção que adotamos. A poltrona é um símbolo para indicar o móvel que todos nós temos em casa e onde se senta o idoso, o pai, ou seja, aquele que detém o poder da experiência e, portanto, tem histórias para contar - diz Cacá, que desde 1978, quando se destacou como intérprete em Macunaíma, de Antunes Filho, se diz ''homem doente''.

   - Sou doente desde os 24 anos, quando sai de Belém do Pará com a companhia do Antunes e ganhamos as páginas do The New York Times e de outros grandes jornais com Macunaíma. A doença que me leva à percepção de quem eu sou demorou a se alastrar, mas agora quero contagiar os outros. Quero gerar a minha epidemia - brinca Cacá, fazendo analogia a seu personagem em O sopro.

   Paralelamente à montagem de A poltrona escura, Cacá vai desenvolver, entre os dias 13 e 24, uma oficina com 12 atores, selecionados entre os que se inscreveram, via e-mail, até ontem no Espaço Sesc. Nela, sai Pirandello e entra o espanhol Miguel de Cervantes, com Don Quixote.

   - Ele é uma outra chave para manter abertas as portas.

   Após o workshop, Cacá leva o espetáculo para Curitiba e Brasília. Depois, ele volta para a Itália. Permanece fora de seus planos a televisão, onde atuou em 1998 com o personagem Jamanta, de A próxima vítima, de grande popularidade.

   - A TV tem um alfabeto que eu não domino. Sou ignorante nela. Até no teatro eu sou. Estudo para não continuar a ver o mundo de um modo estrábico.  

(© JB Online)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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