Vincenzo Pinto / AFP
|
Mike Leigh (E), com a atriz Imelda Staunton e o ator Phil Davis:
aborto sem lições de moral |
Manifestação de ativistas antiglobalização e filmes de Mike Leigh e
Mira Nair oferecem visões críticas
Carlos Helí de Almeida
VENEZA, Itália - Enquanto as estrelas convidadas para o Festival de
Cinema de Veneza bebericam martínis ao lado da piscina, centenas de
ativistas estão acampados na praia em protesto contra as megaproduções
americanas e os altos preços de ingressos para a competição. A
multidão de camiseta e sandálias, que já invadiu duas vezes o tapete
vermelho das celebridades e marchou pelas avenidas do Lido em
protestos antiguerra, no domingo à noite ocupou o terraço do Hotel
Excelsior, onde os atores vão para ver e ser vistos.
- Esta foi nossa maior vitória, nossa obra-prima -
disse Luca Casarini, um dos ativistas antiglobalização que organizaram
o evento Praia Global.
Lá, os convidados principais eram o diretor
americano Tim Robbins e a escritora Naomi Klein, dois notórios
críticos da globalização, no festival para apresentar documentários.
- Eu não poderia vir aqui apenas para me integrar à
cultura das celebridades - disse Klein, autora do livro No logo.
Até estrelas como Scarlett Johansson foram à praia
para assistir, em um grande telão, ao documentário de Tim Robbins,
Embedded-Live, sobre a guerra do Iraque. Mais de 100 estudantes e
ativistas estão acampados nas tendas dos manifestantes, e muitos mais
aparecem para as festas e debates à noite.
- A cultura pertence a todos. Eles estão fazendo
negócios com filmes como The terminal, de Spielberg. Mas nós
estamos mostrando que podemos tomar a iniciativa na cultura, assim
como podemos tomar a praia - disse Luca Trivellato, de 23 anos.
Dentro do festival também há espaço para a crítica
social. O britânico Mike Leigh, que já fez filmes sobre bulimia em
Life is sweet (1990), vida nas ruas (Naked, 1993) e loucura
(Career girls, 1997), agora ataca o delicado tema do aborto. Em
seu décimo longa-metragem, Vera Drake, Leigh volta o relógio
aos anos 50, quando o assunto era ainda mais polêmico.
Apresentado ontem na competição oficial do
Festival, sob intensos aplausos da audiência, o longa conta a história
de uma mulher que faz abortos com a absoluta certeza de estar ajudando
às suas pacientes - tanto que prefere não ganhar dinheiro com a
prática, proibida por lei e sobre a qual a sua família nada sabe. O
personagem é vivido brilhantemente por Imelda Stauton, atriz conhecida
nos palcos britânicos - e já vista em Shakespeare apaixonado e
Razão e sensibilidade.
- O público pode decidir se esta mulher é inocente
ou não - diz o diretor de 60 anos, já acostumado a provocar reações
conflitantes da platéia.
Leigh, cujo grande êxito internacional é
Segredos e mentiras, segue a sua proposta de cinema político,
usando o tema do aborto para mostrar as diferenças sociais. Ele
assinalou que o aborto sempre foi praticado, mas naquela época, há 50
anos, as mulheres que podiam pagar recorriam a intervenções
cirúrgicas, enquanto o resto se virava com os recursos ao seu alcance.
Além disso, Leigh também critica os pais:
- Os homens não assumem suas responsabilidades como
deveriam - comentou.
Durante o fim de semana, Veneza assistiu ainda a
outra produção sobre a temática feminina, Vanity fair, da
diretora indiana Mira Nair. O filme é inspirado no romance escrito por
William Tackeray em 1840, e descreve a escalada social de Becky Sharp
na corte do antigo Imperio Britânico, entre os portos de Londres e
Bombaim, na Índia. A americana Reese Witherspoon, conhecida por seu
papel na série Legalmente loira, vive a protagonista.
- Ela foi uma das primeiras feministas de seu
tempo. Na época em que Tackeray escreveu o livro, as mulheres tinham
muito poucas oportunidades de evoluírem - resumiu a atriz.
Um assunto que a diretora conhece bem:
- Se há uma cultura que entende melhor de classes
do que a britânica, só pode ser a indiana - explicou Nair. (Com
agências internacionais e Carlos Helí de Almeida)
(©
JB Online)
Morte em Veneza
Atrações do festival mostram que o fim da vida pode ser motivo de
alívio ou de angústia
Carlos Helí de Almeida
Divulgação
|
|
Javier Bardem (acima, no centro): boa atuação em
'Mar Adentro' e forte candidato ao prêmio de melhor ator
|
VENEZA, Itália - Sexo, morte e política marcaram o primeiro final de
semana do 61° Festival de Veneza. A tragédia de um marinheiro da
Galícia tetraplégico desde os 25 anos, que passou três décadas lutando
pelo direito de terminar com a própria vida, inspirou Mar adentro,
do chileno Alejandro Amenabar (Os outros). Baseado no livro
Cartas do inferno, de Ramon Sampedro, o filme foi recebido com
entusiasmo por público e crítica e já transformou seu protagonista, o
espanhol Javier Bardem, em forte candidato ao prêmio de melhor ator.
Amenabar, que nasceu no Chile mas foi morar na
Espanha quando tinha 1 ano, afirmou que Mar adentro lida com um
tema recorrente de sua filmografia: a morte. O lançamento do filme é
aguardado com muita expectativa na Espanha, onde a batalha do
tetraplégico que inspirou a película ajudou a aquecer o debate pela
legalização da eutanásia no país.
- A dicotomia vida e morte deveria ser melhor
entendida. Não podemos negar a morte, mas aprender a conviver com ela
- analisou o diretor, de 32 anos, durante coletiva de imprensa
realizada anteontem.
Amenabar contou que não decidiu fazer o filme para
discutir se deficientes ou doentes crônicos teriam direito a ajuda
para encerrar suas vidas:
- Li o livro de Sampedro anos atrás e não saberia
dizer se fiquei mais encantado com a questão da morte ou com a maneira
com que se expressa. Mas a idéia de que o filme possa estimular a
discussão sobre a eutanásia, que não era a minha intenção inicial, me
deixa muito contente.
O protagonista do longa-metragem, Javier Bardem -
que saiu do Festival de Veneza de 2000 com o prêmio de melhor ator por
sua participação em Antes do anoitecer, de Julian Schanabel -,
enfrentou horas de maquiagem para parecer 30 anos mais velho. O
corpulento ator permanece na maior parte do filme preso à cama ou à
cadeiras de rodas, com o corpo atrofiado do personagem escondido sobre
mantas e cobertores.
- Deu trabalho tapar esse meu corpo de armário -
contou o espanhol, de 35 anos.
A morte também assombra os personagens de
Finding Neverland, do suíço naturalizado alemão Marc Forster. O
novo filme do cineasta - diretor de A última ceia, que rendeu à
Halle Barry o Oscar de melhor atriz em 2003 - lança um olhar terno e
cheio de fantasia sobre a vida de J.M Barrie, dramaturgo escocês do
século 19 que criou o personagem Peter Pan. A história é centrada no
relacionamento entre Barrie e uma viúva inglesa cujos quatro filhos
pequenos o inspiraram a criar o herói que se recusava a crescer.
Kate Winslet (Titanic) interpreta a viúva, e
o protagonista é Johnny Depp, cuja interpretação já despertou
comentários sobre sua elegibilidade para os próximos Oscar. O ator, de
41 anos, que, no ano passado, brincou de bucaneiro no infanto-juvenil
Piratas do Caribe, afirmou que não se vê como um meninão:
- A idéia de permanecer sempre jovem é muito
bonita, mas também acho divertido amadurecer.
Para o diretor Marc Forster, de 35 anos, Finding
Neverland não é apenas sobre a busca da criança interior em todos
nós:
- É um filme sobre o poder da imaginação e sobre a
nossa mortalidade.
(©
JB Online)
Festival recebe militantes
Hollywood continua baixando em peso no Lido de Veneza. Em ano de
eleição presidencial norte-americana, a maioria tem algo a dizer sobre
a administração Bush. O ator e diretor Tim Robbins aqueceu o debate
trazendo para o festival o filme Embedded-live, versão da peça
de mesmo nome sobre a campanha dos EUA no Iraque, exibido dentro da
mostra Digital.
Escrita e dirigida por Robbins, a peça ja foi
encenada em Los Angeles e Nova York e agora está sendo apresentada em
Londres. Robbins acredita no poder de películas com visões críticas ao
governo americano, como Fahrenheit 9/11, de Michael Moore.
- Nos últimos nove meses, tem havido muita reação à
decepção gerada pela descoberta de que os motivos que nos levaram à
guerra com o Iraque eram falsos. Tenho esperanças de que os americanos
possam reverter, nas próximas eleições, pelo menos parte dos estragos
que foram feitos - disse Robbins, conhecido por sua militância
politica.
O diretor americano Spike Lee também não se
intimidou diante de perguntas sobre os rumos da politica americana:
- Há pessoas tentando influenciar o povo usando as
mídias. Bush tem a Fox News. Temos que usar os mesmos meios no
contra-ataque - declarou o sempre controverso Spike Lee.
O cineasta integra o júri oficial e veio mostrar
She hate me, exibido fora de concurso e considerado uma divertida
radiografia da corrupção politica e moral de seu país. O filme
descreve as desventuras de um jovem executivo (Anthony Macie) que,
demitido por denunciar a corrupção dentro da empresa, passa a
engravidar lésbicas bem-sucedidas em troca de dinheiro (C.H.A.).
(©
JB Online)
Mostra vai da abertura na China
à Itália "vermelha"
France Press
|
O diretor Jia Zhang-ke
(segundo da dir. para a esq.) com a atriz Chen Taisheng e os
atores Wang Hongwei (dir.) e Zhao Tao, em Veneza |
DA REDAÇÃO
O sábado competitivo do Festival de Veneza foi da abertura na
China ao cinema político da Itália. Apesar do pouco entusiasmo do
público, o dia teve como destaques "Lavorare con Lentezza", do
italiano Guido Chiesa, e "Shijie", do chinês Jia Zhang-ke.
O longa-metragem da China, que pode ser traduzido por "O Mundo", é
o quarto do diretor, que agora se consolida na zona urbana do
país. Os três anteriores tiveram problemas com a censura e eram
restritos às zonas rurais.
A ação de "Shijie" é centrada num casal que trabalha num parque
temático no qual são reproduzidos em escala reduzida os monumentos
mais famosos do mundo, como o Big Ben londrino, o Vaticano, a
parisiense Torre Eiffel e os arranha-céus de Manhattan.
"Tragicômico", nas palavras do diretor Jia, o longa se ambienta no
atual período de desenvolvimento econômico da China, no qual os
personagens "devem resolver seus problemas num mundo artificial e
novo".
A presença desses monumentos em escala, diz Jia, "parece tornar o
mundo acessível e diminuto, mas a realidade é muito distante" para
os protagonistas. É o exemplo de uma nova população chinesa, que
tem acesso a algumas modernidades ocidentais, mas carece
principalmente da possibilidade de sair ao exterior.
A longa duração do filme e o ritmo lento da história fizeram com
que vários espectadores abandonassem a sala antes de seu final. E
pior: os que permaneceram acolheram a obra com indiferença.
O longa-metragem italiano se situa em Bolonha, cidade "vermelha"
da Itália, no final dos anos 70. É quando surge no local uma rádio
livre que tentou dar voz aos setores mais desprotegidos da
sociedade, num contexto de extremismo político, às vezes
caracterizado por atentados terroristas.
Em entrevista, o diretor Chiesa afirmou que esperava críticas de
políticos ao seu filme, porque ele "conta uma experiência
extraordinária da rádio de Bolonha, a da utopia de uns rapazes
contra a lógica do trabalho proletário".
"Essa lógica do benefício econômico e anos de capitalismo selvagem
e globalizado, do qual é difícil sair, são a causa do que ocorre
hoje no Iraque e em muitas partes do mundo", afirmou Chiesa, que
também é autor de outros trabalhos com crítica social.
Al Pacino
O ator norte-americano Al Pacino apresentou no sábado em Veneza,
fora da competição, sua versão do personagem de Shylock na
adaptação cinematográfica de "O Mercador de Veneza". Pacino
humaniza o agiota judeu que quer se vingar de quem o despreza, na
obra de William Shakespeare. A direção ficou por conta do
britânico Michael Radford. (Com agências internacionais)
(© Folha de S. Paulo)
|