05/09/04
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Jhonatan Longhi |
ESQUI
Jhonatan Longhi, 16, opta por seu país de nascimento em detrimento do de
seus pais adotivos e brilha no Valle Nevado
LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL
No domingo passado, enquanto o
time de Bernardinho fazia história ao bater a Itália para ganhar o ouro
olímpico no vôlei, outro capítulo esportivo envolvendo o Brasil e aquele
país era escrito, na neve de Valle Nevado, no Chile.
Foi lá que Jhonatan Longhi,
16, venceu o Brasileiro de três modalidades de esqui e se tornou o
primeiro negro a se destacar na neve.
Detalhe: ele não conhece o
país pelo qual é campeão. Aos três anos de idade, Jhonatan foi adotado
por uma família italiana. Desde então, vive em Piemonti, uma cidade nas
cercanias de Turim, a sede dos próximos Jogos de Inverno, em 2006.
Como passou a maior parte da
vida na Europa, o natural seria que defendesse a Itália, mas ele diz ter
uma identidade muito forte com o Brasil. Nas montanhas chilenas,
Jhonatan fazia questão de usar roupas com a bandeira brasileira e não se
separava de um dicionário, para facilitar sua comunicação em português.
Indagado pela reportagem se
sentia ciúme do fato de o filho ter optado pela nacionalidade esportiva
brasileira, seu pai, Lorenzo, que também foi um esquiador competitivo,
contou que há dez anos deixou essa idéia de lado.
"Estávamos todos assistindo à
final da Copa do Mundo de 94 entre Itália e Brasil. Quando Roberto
Baggio desperdiçou o último pênalti, parecia que o mundo havia desabado.
Todos ficamos muito tristes. Exceto o Jhonatan, que comemorava o título
do Brasil. É o país onde ele nasceu. Vive na Itália, mas é brasileiro de
coração."
A família incentiva os laços
do esquiador com o Brasil -tanto que manteve tanto o nome de nascimento
de Jhonatan e de sua irmã, Carina, 18, que também foi adotada. "Da
origem deles, só sei que nasceram em Americana", disse Lorenzo,
explicando que a adoção foi intermediada por um escritório
especializado.
Na condição de ex-praticante
da modalidade, o pai acredita que Jhonatan pode ir longe no esqui, caso
decida se tornar um atleta profissional. "Gostaria de vê-lo na
Olimpíada. Seria lindo. Acredito que meu filho possa se tornar o melhor
esquiador sul-americano. Mas ele ainda é muito novo para tomar a decisão
de se dedicar exclusivamente ao esporte."
Em vez de dificultar a
evolução dos outros esquiadores brasileiros, que ficaram alijados do
lugar mais alto do pódio, o aparecimento de Jhonatan deve permitir um
avanço da equipe brasileira.
"Talvez no ano que vem eu e outros brasileiros passemos um período
treinando lá na Itália com ele.
Será ótimo!", disse a campeã
brasileira, Mirela Arnhold, 21.
(© Folha de S. Paulo)
SAIBA MAIS
Entenda cada uma das provas de esqui na neve
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasileiro de esqui alpino
teve três provas distintas, todas vencidas por Jhonatan Longhi: slalom,
slalom gigante e super G. As duas primeiras são consideradas competições
técnicas, enquanto a outra é uma disputa de velocidade. Nas técnicas, o
resultado dos atletas é dado pela soma dos tempos de duas descidas,
enquanto na outra há apenas uma tentativa.
Em todas elas, o esquiador
deve percorrer um caminho em ziguezague, marcado por bandeiras, chamadas
"portas".
A diferença entre as provas é
o número de portas e a distância entre cada uma delas. O slalom, também
chamado de "slalom especial", é a disputa mais lenta de todas, com o
número mínimo de 55 portas, que ficam próximas umas das outras,
obrigando o competidor a mudar de direção praticamente durante toda a
descida. Por isso, são usados esquis mais curtos (de 1,60 m), para
facilitar a mudança de direção. É considerada a mais técnica de todas.
No slalom gigante, o número
mínimo de portas é 40. Os esquis medem cerca de 1,85 m e o competidor
atinge até 60 km/h.
No super G, há saltos no
percurso, os esquis superam os 2 m, os atletas deslizam agachados e
chegam a 120 km/h.(LF)
(© Folha de S. Paulo)
PINGUE-PONGUE
Atleta aprimora português para dar entrevistas
DA REPORTAGEM LOCAL
Fora da neve, um dos maiores
projetos de Jhonatan Longhi é conhecer o país que defende. Ele quase não
se lembra do Brasil, de onde saiu com três anos de idade.
Ele acha "normal" o fato de
ser um dos poucos negros de sua modalidade. O que acha estranho é não
conseguir falar sua língua natal. Por isso, promete se aplicar nas aulas
de português, "para dar entrevista com mais facilidade na próxima vez".
A seguir, trechos de sua
conversa com a Folha, numa mistura de italiano, com um inglês
"macarrônico" e raras palavras em português. (LF)
Folha - Por que escolheu competir pelo Brasil?
Jhonatan Longhi - Tenho o sonho de levar a bandeira do Brasil
nas competições de esqui. Apesar de não conhecer o país, tenho uma
grande identidade com ele.
Folha - O que acha de ser um dos raros negros no esqui?
Longhi - Não acho nada demais. Conheci outro esquiador negro na
Itália. Nunca me senti perturbado por isso. O que me incomoda é não
falar bem o português.
Folha - E o que tem feito para melhorar isso?
Longhi - Comecei a ter aulas com uma brasileira que vive perto
da minha casa. Tenho vontade de viajar ao Brasil e conhecer São Paulo.
(© Folha de S. Paulo)
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