Rolf
Arnold
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Ismael Ivo, com Márcia
Haydee, em cena de Tristão e Isolda |
KATIA CALSAVARA
da Folha de S.Paulo
Eleito diretor
de um dos maiores encontros de dança europeus, o Festival de Dança
Contemporânea de Veneza, o bailarino e coreógrafo brasileiro Ismael Ivo
inicia suas andanças pelo mundo em busca dos artistas que irão fazer
parte de seu "laboratório corporal", como batiza para si o evento,
previsto para maio de 2005.
A abertura do festival já está
definida: a dança de uma tribo indígena brasileira.
Ivo esteve por
aqui durante o "Tradição e Resistência - Encontro de Povos", no Sesc
Belenzinho, programação integrante do Fórum Cultural Mundial, que
terminou na semana passada. No evento, estavam reunidos representantes
de 20 etnias indígenas.
Radicado há
mais de 15 anos na Alemanha, ele assistiu aos rituais dos caiapó e
wauja. Com ele, a Folha acompanhou a apresentação dos waujas.
Encantado, o bailarino não desgrudou os olhos durante mais de uma hora
de ritual. No fim, dezenas de homens e mulheres que assistiam foram
convidados a dançar com os índios.
Os waujas vivem no Parque
Nacional do Xingu. Os mitos da tribo remetem à criação do universo por
espíritos da natureza. Eles encaram a vida como um presente divino e, no
ritual de danças, agradecem por essa felicidade.
"A coreografia é muito simples.
As batidas e marcações dos pés, as mulheres que fazem movimentos de quem
nina alguém nos braços. Eu fico fascinado e muito orgulhoso de a gente
ter esse tipo de cultura debaixo do nosso nariz. Eles são a síntese do
que pretendo fazer no festival, levar pessoas que partem de sua própria
cultura e que, por meio dela, desenvolvem uma linguagem própria e
contemporânea", diz.
Ivo ainda não decidiu a tribo que
irá levar para Veneza. Quer que o ritual dure cerca de duas horas e se
empolga ao descrever o teatro Verdi, um dos cinco em que irão acontecer
as apresentações. "É um espaço a céu aberto em que se forma um espelho
d'água na linha de visão do palco. Eu quero que o ritual aconteça no
crepúsculo, talvez algo com fogo, o que será maravilhoso."
Há oito meses no cargo, o atual
diretor não quer fazer apenas um festival de dança. "É um laboratório
corporal mesmo. Quero levar exposições fotográficas, simpósio de
discussões sobre percepção do corpo, pessoas que trabalham com artes
visuais e que utilizam o corpo como matéria de criação, escritores,
pintores", afirma.
A exemplo do que ocorrera na
Europa e nos EUA no início do século passado, Ivo acredita que uma nova
explosão de idéias em termos de linguagem de dança para o atual início
de século deve ocorrer na América do Sul e na Ásia. "Nunca encontrei
tanto talento como no bailarino brasileiro. O brasileiro é muito louco,
é Jorge Amado, mistura um Gabriel Garcia Márquez, tira uma imaginação
não se sabe de onde. É criativo por necessidade. Essa é a linguagem do
brasileiro, a da liberdade das fantasias corporais que constantemente se
renovam."
Recentemente, ele esteve em
Bancoc e Istambul, em busca de grupos e criadores que esbocem
características semelhantes.
Quando fala em dança, Ismael Ivo
se emociona. "A gente não se dá conta de o quanto é incrível mandar um
comando do tipo 'vai pra cá, mão', e a mão ir. Dizem que a dança é muito
abstrata, etérea, mas ela acontece o tempo todo e impregna na gente."
Ivo, que foi bailarino da
companhia Alvin Ailey, de Nova York, conta que Ailey o viu durante um
solo na Bahia e o levou para a companhia por reconhecer nele esse estilo
próprio.
(©
Folha Online)
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