O maestro, que atuou com a soprano
grega Maria Callas, é velado em uma cerimônia em Bolzano, na
Itália
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Morto na cidade lombarda de Brescia, aos 91 anos, o regente
italiano Carlo Maria Giulini era visto como a síntese de duas tradições
musicais aparentemente antagônicas da primeira metade do século 20: a de
Arturo Toscanini (1867-1957) e a de Wilhelm Furtwängler (1886-1954).
De
Toscanini, dizia-se que Giulini havia herdado a integridade, o dinamismo
e a pureza do som. A diferença é que Giulini adotava tempos bem mais
lentos do que os de seu compatriota, com uma flexibilidade que o
distanciava da rigidez de Toscanini e o aproximava do lirismo de
Furtwängler, seu antípoda germânico.
Furtwängler foi, por sinal, um dos regentes sob cuja direção Giulini
tocou em seu primeiro emprego, como violista da Orquestra Augusteo
(atual Orquestra da Academia de Santa Cecília), em Roma.
Se
o mestre alemão tinha amizade com figurões do regime nazista, Giulini
era, a exemplo de Toscanini, um decidido antifascista. Nascido em
Barletta, na Província de Bari, no sul da Itália, em 1914, escondeu-se
para não lutar na Segunda Guerra Mundial no Exército de Mussolini,
saindo do exílio depois da libertação de Roma pelos Aliados, em 1944,
para, neste mesmo ano, estrear como maestro na orquestra em que havia
tocado viola.
Participando, na orquestra da RAI, da reestruturação da vida musical de
seu país no pós-guerra, Giulini chamou a atenção de Toscanini e Victor
de Sabata (1892-1967), então diretor musical do Scala de Milão, que o
convidou para reger na casa.
Sucessor de Sabata no teatro a partir de 1953, Giulini participou dos
anos dourados da soprano grega Maria Callas (1923-1977), com a qual
atuou em uma legendária produção de "La Traviata", de Verdi, com direção
cênica de Luchino Visconti (1906-1976). Sucessos em várias aparições no
Reino Unido (especialmente um "Don Carlos", de Verdi, em 1958, novamente
em dobradinha com Visconti) consolidaram seu nome como um dos principais
regentes de ópera italiana do pós-guerra.
Giulini resolveu, então, que era tempo de mudar. Decidido a se
concentrar no repertório sinfônico, cruzou o oceano em 1968 para ser o
principal regente convidado da Sinfônica de Chicago, sob o comando do
flamejante maestro Georg Solti (1912-1997). Liderou ainda a Sinfônica de
Viena e a Filarmônica de Los Angeles (1978-84), sucedendo Zubin Mehta.
Louvado pelo caráter modesto e reservado, Giulini parou de reger em
1999. Sua extensa lista de gravações inclui três dos maiores pianistas
do século passado: Arturo Benedetti Michelangeli, Cláudio Arrau e
Vladimir Horowitz. No repertório sinfônico, deixou registros elogiados
de Brahms, Mahler e Bruckner, enquanto, na ópera, o destaque vai para um
"Don Giovanni", de Mozart, com elenco estelar, e muito Verdi:
"Falstaff", "Rigoletto" e "Il Trovatore", além da incandescente gravação
ao vivo da "Traviata" do Scala, em 1955.
Giulini deixou três filhos e foi velado em uma cerimônia
privada em Bolzano, no norte da Itália, onde vivia.
(©
Folha de S. Paulo)