Ulisses Mattos
Aos 88 anos, Gianni Ratto é conhecido por seu trabalho como
cenógrafo. Talvez seja o maior nome em seu ofício, no teatro brasileiro.
Mas ainda com idade tão avançada, o italiano - radicado no Brasil desde
1954 - reservou fôlego para deixar contrafeitos aqueles que gostam de
definir um artista por apenas uma profissão. Com o livro Noturnos e
outros contos fantásticos (Códex) fica mais difícil dizer só ''o
cenógrafo Gianni Ratto''. Mais justo é nos referirmos a ele como ''o
arquiteto e contista Gianni Ratto''. Não é a primeira vez que ele
investe na literatura, tendo escrito antes livros como A mochila do
mascate e Crônicas improváveis. Mas com este Noturno,
fica difícil achar que a vontade de escrever de Gianni é só um capricho,
um hobby ou um golpe de sorte. O próprio cenógrafo, perdão, o próprio
escritor avisa no início da obra: ''Hoje descobri um caminho no escrever
que, embora imperfeito, enveredou por uma trilha cativante''.
Imperfeito? Ora, o que não é? Fiquemos com o ''cativante''.
O livro traz 13 contos. Alguns simples, comuns
(imperfeitos?). Outros geniais, inimitáveis, impensáveis por
qualquer mente, ainda que criativa. Principalmente pelas idéias. É o
caso de Agnus dei, por exemplo, no qual Gianni narra o
cotidiano de um convento isolado, invadindo o pensamento das freiras
e ousando supor o que elas sentem em relação àquele homem seminu
prometido a elas como esposo. Sim, Jesus Cristo. A malícia sugerida
aos poucos se transforma num milagre, dos mais bonitos.
Mexer com o divino e com o erotismo parece ser
uma especialidade de Gianni, como se pode ver em Presépio ou
conto de Natal, no qual os dois elementos são misturados com
surpreendente coragem. Em A ilha, o autor reforça a maestria
em criar um clima erótico tendo como protagonistas um pai e uma
filha viúvos. Nada de malícia, nada de apelação. Tudo com muita
delicadeza, a ponto de o leitor ficar tão em dúvida quanto os dois
personagens sobre como a situação encontrará um desfecho (e o
desfecho é surpreendente, apaziguador).
Gianni marca esta sua obra não apenas pela
criatividade e ousadia, mas por seu estilo extremamente detalhista.
Há contos em que a história nem existe, é apenas uma passarela para
o desfile de descrições minuciosas. Mas essa característica, nem
sempre tão palatável a todos, não é vista em todos os contos com a
mesma dose. Fica tudo na medida certa.
(© JB
Online)