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Antonio de Teffé aos 58 anos |
Artur Xexéo
Será que Antonio de Teffé
sente saudades do tempo em que era um dos atores mais requisitados do
cinema italiano? Ele acomoda-se no sofá da sala do apartamento de
cobertura onde vive há quatro anos no Alto Leblon, pensa em voz alta
(“Eu era jovem, bonito, cheio de saúde...”) e, do alto de seus 73 anos,
parece afastar as lembranças com uma frase que tem regido sua vida:—
Sic transit gloria mundi .Para quem não sabe latim, como o repórter
que o está visitando, o ator se apressa em traduzir:
— Assim passa a glória do mundo.
E não foi pouca a glória por que
Antonio de Teffé passou neste mundo. Ele fazia parte de um time que
contava com Clint Eastwood, Franco Nero, Giuliano Gemma, Gian Maria
Volonté e protagonizou, entre 1963 e 1974, três dezenas de westerns
produzidos na Itália. Teffé e seus colegas foram Django, Ringo, Satana,
Sabata, heróis do faroeste americano que, naquele período, faziam mais
sucesso nos western-spaghetti, como eram conhecidas as fitas
italianas do gênero, do que nos produtos originais forjados em
Hollywood.
Os produtores queriam levar o
resto do mundo a acreditar que os filmes rodados nos estúdios da
Cinecittà, com cenas externas fotografadas na Espanha, eram americanos
legítimos. Para isso, importaram atores made in USA (como
Eastwood e Mark Damon) e criaram pseudônimos para os artistas locais,
que só atuavam dublados em inglês. Giuliano Gemma, por exemplo, virou
Montgomery Wood e nosso Teffé tornou-se Anthony Steffen.
Nosso? Isso mesmo. Porque Antonio
de Teffé é brasileiro de boa cepa, como gostavam de orgulhar-se as
reportagens ufanistas que as revistas “Manchete” e “Fatos e Fotos”
sempre faziam cada vez que ele chegava de férias ao Rio. Mais uma vez, a
Europa curvava-se diante do Brasil, para indiferença de Teffé.
— Não sou brasileiro — diz hoje.
— Sou romano. Romanissimo .
Tataravô lutou na Guerra dos Farrapos
Como é que é? Então, Django não
nasceu no Brasil, como o país inteiro acreditava nos anos 60? Mais ou
menos. Filho e neto de diplomatas, o ator nasceu na Embaixada do Brasil
em Roma. Ele não fala mais nisso. Só diz que é romanissimo ,
mesmo sendo brasileiro na certidão de nascimento. O pai era Manuel de
Teffé, piloto de corridas de sucesso que criou o histórico Circuito da
Gávea; a tia-avó, Nair de Teffé, a caricaturista que assinava Rian e que
tornou-se a primeira-dama mais moderna que o país já teve ao casar-se
com o presidente Hermes da Fonseca. Mas Antonio de Teffé gosta mesmo é
de falar do tataravô, o primeiro europeu da família a pôr os pés no
Brasil.
— Ele era prussiano, barão Von
Hoonholtz. No fim da primeira metade do século XIX, foi aliciado por Dom
Pedro I para lutar na Guerra dos Farrapos. Era nobre, mas falido. Por
meio navio de ouro, veio para o Rio Grande do Sul com 800 homens.
Ninguém sabe disso, mas quem ganhou a Guerra dos Farrapos foram 800
alemães! — relata, em peculiar versão da História do Brasil.
O fato é que, desde o barão,
sempre houve um Von Hoonholtz por aqui. O que agora mora no Leblon é
Antonio Luís de Teffé von Hoonholtz. Ele demorou 18 anos para pisar no
Brasil pela primeira vez. Veio fugido do serviço militar na Itália.
Passou um ano e, na volta à Europa, começou a fazer cinema. Em 1953, foi
assistente de direção do primeiro filme de Mauro Bolognini, o diretor de
“O belo Antonio”. No primeiro filme como ator, “Gli sbandati”, de 1955,
fez sucesso no Festival de Veneza. A partir daí, até chegar ao primeiro
mocinho de faroeste em 1965, quando virou Anthony Steffen, foram 13
filmes como Antonio de Teffé. Contracenou com algumas das mulheres que,
naquela altura, eram as mais desejadas do planeta, como Marisa Allasio,
Pier Angeli e Rossana Podestà. Teffé conhecia todo mundo.
— Sophia Loren?
— Estava no elenco de “Ci
troviamo in galleria”, o filme de Bolognini. Séria. Que mulher séria!
— Gina Lollobrigida?
— Simpaticíssima.
— Claudia Cardinale?
— Uma empregadinha.
Teffé demora mais um pouco ao
falar de Elke Sommer, que estreou como atriz de cinema ao seu lado, em
1959, em “Ragazzi del juke box”:
— Um amor de pessoa. Ela se
apaixonou por mim e eu não dei bola para ela. Naquele tempo eu era
bonito.
Imagine a cena: Roma, anos 50,
Via Veneto, la dolce vita, paparazzi ... Antonio de Teffé soube
aproveitar a época?
— Eu era muito sério. Não tinha
um tostão. Meu pai não me dava nada, nem minha mãe. Tinha muitos títulos
nobiliárquicos e pouco tutu.
Para quem não sabe, tutu é uma
gíria do começo dos anos 50, a época em que Antonio de Teffé veio
conhecer o Brasil. Significa grana, dinheiro, bufunfa, l’argent
ou, em brasileiro contemporâneo, money no bolso .
Foi mais ou menos assim, até
1962, quando fez parte do elenco de uma superprodução americana, “Sodoma
e Gomorra”, dirigida por Robert Aldrich. Passou três meses filmando no
Marrocos e voltou com dinheiro suficiente para comprar dois apartamentos
em Roma. Três anos depois, estreou como Anthony Steffen em “Um caixão
para o xerife”, o primeiro de seus western-spaghetti. Daí em
diante, nunca mais lhe faltou tutu. Foi o protagonista de “Poucos
dólares para Django”, “Os quatro selvagens”, “Um trem para Durango”,
“Duas pistolas e um covarde”, “Tequila!”, “Reza por tua alma e morre”...
(©
O Globo)
Shakespeare em aventura de
Django
Antonio de Teffé não hesita ao
citar o melhor de todos: “Django, o bastardo”, de 1969. Não por acaso, o
filme, além de protagonizado, é escrito e dirigido por ele. Mas não se
deve creditar a escolha à assumida vaidade do artista. “Django, o
bastardo” deve ser bom mesmo. Tão bom que Clint Eastwood não se
envergonhou em copiá-lo, quase plano a plano, quando dirigiu seu
primeiro faroeste: “Um estranho sem nome” (“High plans drifter”), em
1973.
Teffé tem uma explicação para o
sucesso que os bangue-bangues italianos faziam:
— Nossos filmes eram cruéis,
duros, verdadeiros. As produções americanas não tinham crueldade. Os
atores dos westerns americanos pareciam manequins, limpos, com roupas
impecáveis. Os italianos apareciam sujos, rasgados. Nossos filmes eram
extremamente realistas.
O ator não tem boas recordações
dos colegas que competiam com ele pelo título de gatilho mais rápido do
Oeste ou de galã de matinê preferido das adolescentes italianas.
— Giuliano Gemma?
— Ele não tinha a minha cultura,
o meu background .
— Clint Eastwood?
— Quando o conheci, não falava
nada. Acho que era mudo.
— Marcello Mastroianni?
— Pessoa extremamente educada.
Morou um ano e meio com Luchino Visconti.
Ringo não perdoa. Entrega!
Hoje, não vê filmes nem pela televisão
Estamos nos anos 60. Antonio de
Teffé não era o único brasileiro que fazia sucesso em Roma. Norma
Bengell também estava lá.
— Eu disse a Norma: “Você está na
cidade mais grã-fina do mundo. Roma sabe ser dura. Se você bobear, ela
te expulsa.” Ela não me escutou.
— E qual foi a bobeada de Norma
Bengell?
— Casou-se com o ator mais idiota
do cinema italiano ( Gabrielle Tinti ). Os romanos não a
perdoaram.
Amigo de Sergio Leone, que,
embora não apareça nos créditos, fez a direção da segunda unidade de
“Sodoma e Gomorra”, Antonio de Teffé conviveu com os grandes cineastas
daquela época.
— Antonioni?
— Sempre pensando em dinheiro.
— Roger Vadim?
— Fiz com ele “La jeune-fille
assassinée”. Era um ser de primeira classe. Fellini era um cafona perto
dele.
— Vittorio De Sica?
— Maravilhoso. O maior diretor do
mundo. Porque era humano, ao contrário de Fellini.
— Algum problema com Fellini?
— Fellini era presunçoso,
arrogante. Morávamos a 100 metros um do outro. Mas não nos dávamos. Eu
sou romano, tenho seis mil anos. Ele era de Rimini.
Ringo não perdoa. Esnoba.
O ator continuou em atividade,
mesmo quando os western-spaghetti saíram de moda. Tem na filmografia,
pelo menos, uma produção que estourou nas bilheterias americanas: “A
noite em que Evelyn saiu da tumba”. Seu último filme é de 1989, “Malù e
l’amante”. De acordo com o Internet Movie Data Base (IMDB), o mais
confiável arquivo de cinema da internet, esta é a 63 produção
cinematográfica com Teffé no elenco.
Algumas delas foram realizadas no
Brasil. Ele cita “O peixe assassino”, produção de Carlo Ponti, rodada em
Parati, em que, ao lado de Margaux Hemingway (“gordinha chata”),
combatia piranhas na selva brasileira. E ele não cita, mas fez também,
em 1983, “Momentos de prazer e agonia”, de Adnor Pitanga. Mas prefere
esquecer.
Hoje, Antonio de Teffé não vê
filmes nem pela televisão.
— Não me interessa — diz ele.
A vida no Rio é cheia de
limites. Os dois filhos de seu primeiro casamento moram em Roma. Eles
não se falam. No apartamento do Leblon, vive com Cristina, companheira
há 20 anos. Ainda tem os olhos azuis e os 1,89m que magnetizavam a
platéia dos cinemas que exibiam seus Djangos, Ringos ou Sabatas. Mas,
com os cabelos ralos e dificuldades de locomoção, sente os efeitos da
quimioterapia que tenta combater a doença que o persegue há quatro anos.
Parede do apartamento expõe
cartazes dos filmes
Aceita a visita do repórter, a
quem recebe com uma torta de chocolate sensacional, mas prefere não ser
fotografado. Mesmo do passado, guarda poucos fotos. No entanto, mantém
na parede da escada que leva para o segundo andar de seu apartamento uma
galeria com os cartazes dos filmes em que atuou. “Os pistoleiros de Paso
Bravo”, “A volta de Arizona Colt”, “Um homem chamado Django”, “Sete
chacais”.
Parece se orgulhar mais dos
autores que representou no teatro italiano (Shakespeare, Pirandello) do
que dos filmes que lhe trouxeram fama e dinheiro. Num deles, conseguiu
misturar os dois estilos. Representava um caubói que se fazia passar por
ator. Inventou, então, uma cena em que, no palco, representava “Hamlet”.
Era a chance de recitar todo o famoso monólogo do “ser ou não ser” para,
no final, da caveira que trazia nas mãos e que escondia duas pistolas,
saírem dois tiros que atingiam mortalmente dois inimigos na platéia.
Shakespeare e Django nunca mais foram os mesmos.
O repórter já o fez revolver
muitas histórias do passado. É hora de deixá-lo descansar. O caubói se
despede com um olhar irônico que faria Ringo tremer e uma última frase,
desta vez, perfeitamente compreendida:
— Sic transit gloria mundi
.
(©
O Globo)
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