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A irmandade do Código


 

 

Leitores de Dan Brown se dividem entre a fé e a dúvida na adaptação do filme que estréia em maio

Cleusa Maria

Com os cartazes estampados nas portas dos cinemas e o trailer chegando às telas do Rio, os adictos de O Código Da Vinci, do americano Dan Brown – fenômeno literário que já vendeu 50 milhões de exemplares em todo o mundo desde o lançamento em 2003 – prometem fazer do best-seller um novo blockbuster. Espalhados pelos cinco continentes, esses milhões de leitores, cinéfilos ou não, aguardam em suspense a estréia do filme dirigido por Ron Howard (Mente brilhante), estrelado por Tom Hanks e Audrey Tautou (Amélie Poulin), dia 19 de maio no Festival de Cannes e nas salas de todo o planeta. Entre a irmandade de leitores do romance policial, construído a partir da tese de que Jesus foi casado e teve filhos com Maria Madalena, que seria o verdadeiro Santo Graal, há quem espere o filme em estado de fé. Especializado em Paleo-Cristianismo, o professor André Leonardo Chevitarese, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), no Rio, assim como Paulo Roberto Pereira, professor de história cultural recém-aposentado, acreditam que a trama de Dan Brown (atualmente respondendo a um processo de suposto plágio) tem méritos para estourar bilheterias.

– Acho que o filme O Código Da Vinci, guardadas as proporções, vai estar para os anos 2000 assim como nos anos 70 o musical Jesus Cristo, super-star, que fez dele um retrato libertário e meio hippie. O Cristo de Dan Brown também vem para incomodar, mobilizar, levantar dúvidas e provocar perguntas – acredita Chevitarese, que em breve estará na fila do cinema.

E ele fala de cátedra. Desde que livro chegou ao Brasil, o especialista em Cristianismo dos séculos 1 e 2 já foi convidado para dar palestras não só em universidades brasileiras, mas até para pastores em seminários protestantes do Rio.

– O livro tem muitas incorreções históricas. Mas o autor não é um historiador. Não espero dele o que não pode dar. O que me interessou na obra foi o impacto causado nas comunidades cristãs – reforça o especialista e consultor das revistas Superinteressante e Galileu.

Outro leitor do livro, o professor Paulo Roberto Pereira não descarta o valor da obra de Dan Brown, que achou muito bem escrita e que considera um trabalho de artesão, dentro da tradição dos contadores de história. Por isso, acredita no sucesso da transposição da texto para o cinema:

– Acho que vai ser um filme como O nome da Rosa. Se o diretor mantiver o pulso que tem a trama, sem dúvida será um sucesso. Até porque não duvido que o autor tenha até escrito o livro pensando no cinema. Jesus Cristo é um tema que está sempre em moda. Não adianta os Beatles terem dito que eram mais famosos que ele.

Nas diferentes tribos dos admiradores de O Código Da Vinci, há os que aguardam o filme cheios de expectativas, mas também de dúvidas. A estudante de jornalismo Diane Martins Torrero Diaz, 20 anos, moradora do Leblon, faz um estilo gótico, gosta de roupas pretas, tem piercings e tatuagens, costuma visitar igrejas para apreciar a arquitetura e a paz ambiente, da mesma forma que sempre passeia pelo Cemitério São João Batista, onde lê ou ouve música entre tumbas. Ela conta que não segue uma religião específica, tampouco é “atéia ou cética”. Em relação à adaptação das páginas para a tela, pensa como São Tomé: prefere ver para crer.

– Nunca assisti a um filme em minha vida que superasse um livro. Será que este filme se equipa ao livro? – pergunta-se a jovem, que tem mais gosto por literatura que por cinema, mas já está “colocando pilha na galera” para ir à sessão da pré-estréia.

Daniela Mazeron, gaúcha de 30 anos, moradora do Rio, onde estuda publicidade e trabalha em uma loja de moda jovem, promete estar na mesma sessão de cinema. Fã apaixonada do livro de Dan Brown, ela praticamente obrigou todos à sua volta a lerem a obra.

– Estou na maior expectativa, mas tenho medo de que o filme não chegue aos pés do livro. A narrativa de Dan Brown nos teletransporta para lugares onde nunca estivemos. Estou curiosa para ver, por exemplo, como o Louvre aparecerá diante das câmeras – comenta Daniela, que tem entre seus temas de interesse história das religiões e história da arte, particularmente a obra de Leonardo Da Vinci.

Muito antes do anúncio da estréia, a turma dos cinéfilos, leitores do suspense de Dan Brown, já rastreava a internet atrás das notícias mais frescas da produção americana de The Da Vinci Code, cujos direitos autorais custaram US$ 6 milhões. Acompanhando os rumores que envolveram as etapas da produção, os fãs foram os primeiros a saber que o Museu do Louvre, em Paris (cenário do capítulo que abre o livro, com o assassinato do curador Saunière, grão-mestre do Priorado de Sião), liberara seus espaços para as locações do longa-metragem. Que a Abadia de Westminster barrou a filmagem e foi substituída pela Lincoln Cathedral, pelo preço de 100 mil libras (R$ 370 mil). Que a Organização Nacional para o Albinismo e Hipopigmentação (Noah), dos Estados Unidos, manifestara o temor de que a imagem negativa do albino Silas, membro radical do Opus Dei e assassino vivido pelo ator Paul Brettany, pudesse prejudicar seus semelhantes. E, finalmente, que o Opus Dei anunciara não ter intenção de polemizar ou boicotar o filme. Embora julgue que a história passa uma imagem deformada da Igreja Católica, como afirmou em nota oficial, a Prelazia de Roma – pedindo ainda à produtora Sony-Columbia que evite cenas que “possam ferir os católicos”.

De todos os temas, porém, o que ainda levanta polêmicas mais esquentadas é o elenco principal. Como torcedores exaltados, a turma não concorda com o time escalado pelo técnico. O camisa 10 do elenco é unanimidade entre leitores e cinéfilos de diferentes colorações. Todos os ouvidos para a reportagem são contra a escolha do ator americano Tom Hanks para o papel do protagonista. Não porque lhe falte talento. Mas por não ter physique-de-rôle para encarnar o personagem do professor de simbologia de Harvard Robert Langdon, que, em companhia da mocinha, a criptógrafa Sophie Neuve, neta do morto, tentam encontrar o Graal.

Formado em história pela UFRJ e, no momento, se preparando para o mestrado em Cristianismo Primitivo, Luciano Cosme Rossato, 26 anos, vendedor da Livraria da Travessa, é um devorador de livros e filmes. Para ele, o mais importante na história de Dan Brown não é a discussão sobre a divindade de Jesus ou não.

– Ele usou o arquétipo de Jesus e Madalena, como uma grande alegoria, para falar das duas metades, do feminino e do masculino que deveriam estar em equilíbrio. Mas, invejoso da fertilidade da mulher, o homem, na maioria das sociedades, tentou anular o poder feminino. Essa discussão se encaixa perfeitamente em minha monografia de faculdade, cujo tema foi Jesus Histórico – explica.

O futuro mestre em assunto tão acadêmico, ao falar do filme age como um torcedor encrenqueiro.

(© JB Online)


Não a Tom Hanks

Inconformado com a escolha do diretor Ron Howard, o cinéfilo Luciano critica.

- Queria o ator Dennis Quaid no papel principal, ele iria imprimir um ritmo maior, uma presença mais forte ao personagem. Gosto do Hanks, mas não o vejo no personagem. Como ele saiu na frente e comprou os direitos autorais, levou o papel - diz o mestrando de história.

E vai mais longe:

- Discordo do elenco principal de cabo a rabo, exceto pelo Bispo Aringosa (do Opus Dei), vivido Alfredo Molina, e Jean-Pierre Marielle, perfeito para o papel de Saunière. Agora, a agente Sofie Neveu tinha de ser a atriz Sofie Marceau (Coração valente). A Audrey Tautou é muito suave.

De acordo ou não, Luciano avisa que verá o filme na pré-estréia do Rio.

- Vai ser um grande triller, um blockbuster. Acho que terá um ritmo frenético, como uma grande caça ao tesouro. A direção vai optar por isso, não dá para pensar no Código de outra forma - arrisca-se.

Da mesma turma de Luciano, Henrique de Noronha Loureiro, 25 anos, embora já formado no Curso Superior de Treinador de Futebol, faz faculdade de cinema e é um cinéfilo de coração. Dois meses antes do lançamento mundial, empolgado com a proximidade diz que não só vai estar na pré-estréia como na primeira sessão e, se possível, nas fileiras da frente. O fã acompanha diariamente pela internet todo o noticiário relativo ao longa-metragem.

- Li o livro em dois dias (são 423 páginas) e acho que foi escrito para o cinema. Gosto muito deste tipo de narrativa, tanto que li todos os outros livros do autor. Adorei o fato de ele ter misturado realidade e ficção de forma tão crível.

Enquanto devorava a história de Dan Brown como se estivesse no cinema, Henrique dava cara aos personagens. Quando soube que as filmagens estavam começando, ele já tinha escalado seu elenco. É outro que diz não a Tom Hanks.

- Ele é um grande ator, mas é baixinho, tem cara de caxias. O professor Landgon é descrito no livro como um homem de porte atlético. O primeiro ator em que pensei para o papel foi no Pierce Brosnan, mas ele é irlandês (refere-se ao catolicismo do país do ator). Hoje, acho que o Dennis Quaid cairia bem, ele aparenta ter mais sabedoria. O Russel Crowell quis muito esse papel, até porque trabalhou com o diretor em Mente brilhante. Mas aquilo foi briga de cachorro grande e Hanks levou, pois é o maior de todos, atualmente em Hollywood - diz Henrique, que se confessa mais apaixonado por cinema que por literatura.

O jovem é também mais flexível que o amigo e mestrando Luciano, quanto à atuação de Tom Hanks no papel masculino central.

- Vai valer a pena, como sempre, pela qualidade do trabalho dele. Tirando os papéis da dupla de protagonista, pois também discordo de Audrey Tautou como Sophie Neveu, o resto do elenco está perfeito. Se depender do diretor Ron Howard e desse elenco, O Código Da Vinci será um filmaço. Só não será o melhor de 2006, por causa do Super-Homem que vem por aí. Será um top-five com certeza - garante Henrique.

Alimentando grande expectativa pela estréia do filme, o professor de páleo-cristianismo André Chevitarese acredita que ainda vai rolar muita água sob o mesmo debate.

- Assim como o livro, o filme vai levantar dúvida, e só a dúvida faz a pessoa se mexer. Ela produz o conflito e é o conflito que nos faz humanos - defende Chevitarese, que nos dias 8 e 15 de maio faz palestras sobre O Código Da Vinci, no Centro Cultural da Justiça Federal.  

(© JB Online)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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