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Clássicos de Luchino Visconti no HSBC Belas Artes


 

No 30.º ano de sua morte, ele permanece como o mais clássico dos revolucionários da tela

Luiz Carlos Merten
 
Reprodução
Luchino Visconti
SÃO PAULO - Como grande diretor de cinema, ópera e teatro, Luchino Visconti foi o encenador da própria morte. Numa de suas últimas entrevistas, ele admitiu que pensava com freqüência no assunto. "A morte deve ser tão natural quanto a vida", disse. "Talvez seja até melhor." Bruno Villien conta o que foi o último dia do mestre em seu livro Visconti. O cineasta, que sofrera um derrame enquanto filmava Ludwig, padecia há anos com problemas respiratórios e preso a uma cadeira de rodas. Quando concluía a montagem de O Inocente, que terminou sendo seu último filme - não chegou a vê-lo pronto -, pegou uma gripe. No dia 17 de março de 1976, há 30 anos, assistido pela irmã, Uberta, decidiu que estava cansado e não iria levantar-se. Pediu para ouvir A Segunda Sinfonia, de Brahms. Ouviu duas vezes e disse - "Adesso, basta." Agora, chega. Virou-se para o lado e morreu.

Há quase cem anos, no dia 2 de novembro de 1906, Visconti nasceu em Milão, na Via Salaria, na mansão pertencente à sua avó materna, Anna Erba, proprietária do império farmacêutico. O pai era um aristocrata, o conde de Modrone. Comemoram-se este ano, portanto, o centenário do nascimento e os 30 anos da morte de um dos maiores artistas que o cinema conheceu. O maior? Pode até ser que seja. Visconti antecipou o neo-realismo com Obsessão, deu ao movimento um de seus mais belos títulos (La Terra Trema), mas também anunciou seu fim, com Belíssima e Sedução da Carne (Senso). Com Rocco e Seus Irmãos, em 1960, fez um filme que permanece um marco e uma referência para devotos de todo o mundo, que o cultuam como obra-prima absoluta. Seguiram-se novos clássicos - O Leopardo, Vagas Estrelas da Ursa. A trilogia alemã, formada por Os Deuses Malditos, Morte em Veneza e Ludwig - A Paixão de Um Rei, é mais polêmica, mas forma um bloco de notável coerência.

Belas artes

É tempo de reverenciar Visconti, graças a André Sturm, da Pandora, que homenageia o diretor, exibindo, em horários especiais, no HSBC Belas Artes, alguns de seus maiores filmes, cujos direitos de distribuição possui - Belíssima, Rocco, O Leopardo, Morte em Veneza, O Inocente. Todos exibem grande cuidado cenográfico, pois Visconti era aquilo que se chama de perfeccionista. Ele chegou ao cinema através da cenografia. Descendente de uma grande família da Lombardia, teve uma criação indolente, no meio das artes, das letras e da criação de cavalos. Poderia ter sido um daqueles jovens que brincam de pular sobre os sofás, indiferentes ao próprio futuro, no fim do baile de O Leopardo. Começou a interessar-se pelo cinema aos 30 anos, quando sua amiga Coco Chanel lhe apresentou o diretor francês Jean Renoir, a quem assistiu em Les Bas Fonds e Une Partie de Campagne. Eram os anos do Front Populaire e Renoir fazia filmes de temática social. Visconti tornou-se comunista, o que foi sempre motivo de escândalo. Era chamado de ´conde vermelho´.

De Obsessão a Rocco, seu cinema desenha uma história do proletariado. Por maior que seja Rocco, o filme, sob certos aspectos, talvez tenha virado peça de museu. No desfecho, após a desintegração da família Parondi em Milão, o diretor põe o mais jovem dos irmãos na estrada, construindo para ele uma promessa de felicidade a partir da consciência de classe, que adquiriu com outro irmão, Ciro, operário da Alfa Romeo. Consciência de classe? Em 2006, em plena era da globalização? Visconti não viveu o suficiente para ver a transformação do mundo e a promessa dos ´ismos´ virar consumismo. Hoje, liberdade virou a calça azul e desbotada e até a liberdade de consumir é ilusória - para induzir-nos existem a publicidade e o marketing. Visconti intuía que isso iria ocorrer. Depois do ápice de Rocco, o comunista sincero voltou-se, cada vez mais, para a própria classe, contando a história da decadência da aristocracia e da ascensão da burguesia. O casamento entre Tancredi e Angelica Sedara, Alain Delon e Claudia Cardinale, em O Leopardo, havia sido celebrado antes na vida, entre o pai de Luchino, o falido duque Visconti, e a rica herdeira Carla Erba, sua mãe.

A cena do baile em O Leopardo, quando o príncipe Salinas (Burt Lancaster) dança com a burguesa Angelica e sela sua aceitação pela grande sociedade, é um desses momentos superiores da arte. Soma tudo o que Visconti aprendeu trabalhando com filmes, peças e óperas. "As coisas precisam mudar para ficar na mesma", diz o astuto Tancredi, sobrinho do príncipe. E Don Salinas arremata - "Nosso escudo carrega a insígnia do leopardo; os que virão depois trarão o chacal." Essa extrema consciência da transformação é o mais viscontiano dos temas. De Obsessão a Rocco, Visconti analisou sempre o poder destruidor da sexualidade, o que tinha a ver com sua opção pelo homossexualismo, numa época de preconceito em que os próprios companheiros de esquerda não deglutiam muito bem o comportamento privado do diretor. Incesto (em Vagas Estrelas da Ursa) e homossexualismo (ostensivamente na trilogia alemã) rondam sua obra, mas é a decadência que obceca o autor. "Talvez o tema do maior dos meus filmes, nunca realizado, seja a decadência dos Viscontis, de ontem, hoje e sempre", declarou, certa vez. Lancaster, o Príncipe Salinas, vira o colecionador do conversation pieces de Violência e Paixão, essa obra-súmula do pensamento viscontiano.

Reflexão política

É o decadente que se isola, o prisioneiro de um mundo fechado - invadido pelo novo fascismo econômico que, nos anos 1970, rondava a Itália (e que Pier Paolo Pasolini também denunciou em seus últimos filmes). Há um farto material para reflexão política na obra de Visconti, que foi sempre fiel a si mesmo, até quando adaptava a obra de grandes escritores (Giuseppe Tommaso di Lampedusa, Thomas Mann, Albert Camus). Ele nunca conseguiu concretizar seu sonho de adaptar Marcel Proust, mas a busca do tempo perdido percorre todos os seus grandes filmes de época. Há, no seu cinema, o gosto pela beleza e também essa qualidade singular do grande observador, que permite ao artista filmar, com propriedade, os proletários e os aristocratas. Barroco e excessivo, lúcido e apaixonado, assim era Visconti. A contradição foi sempre sua matéria-prima. A exemplo de Stendhal, que queria que gravassem em sua lápide, ao morrer, "Amava Cimarosa, Shakespeare e Mozart", Visconti queria que gravassem na dele "Amava Shakespeare, Verdi e o melodrama". Mas mudou de idéia e prescindiu da lápide. Pediu para ser cremado e que suas cinzas fossem lançadas ao mar, em Ischia. O tempo passa e, no 30.º ano de sua morte, Visconti permanece como um clássico - o mais clássico dos revolucionários da tela.

30 Anos sem Visconti. Hoje 18h10. R$ 4. Até 23/3

Confira as cinco atrações de 30 Anos Sem Visconti:

Belíssima (1951): O filme sobre uma mãe que faz de tudo para transformar a filha numa estrela mirim critica a transformação do neo-realismo em indústria e o próprio divismo de Anna Magnani, que faz o papel. Numa cena célebre, diante do espelho, ela diz que jamais poderia ser atriz. Numa ironia maior ainda, Visconti usa o tema do charlatão, da ópera O Elixir do Amor, de Donizetti, cada vez que aparece seu colega Alessandro Blasetti, como diretor do filme dentro do filme.

Rocco e seus Irmãos (1960): Uma tragédia em cinco capítulos para contar a história da dissolução da família Parondi em Milão. O estupro e assassinato de Nadia são as cenas mais violentas filmadas por Visconti. E a interpretação de Annie Girardot é das maiores da história do cinema.

O Leopardo (1963): Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o clássico de Visconti foi lançado nos cinemas, pela distribuidora americana Fox, numa versão que adulterou a cor e eliminou o que havia de ousado em sua estrutura narrativa. A versão restaurada restitui ao filme toda a sua beleza. E o baile, que dura um terço da projeção, é grandioso.

Morte em Veneza (1971): A adaptação do romance de Thomas Mann transforma o escritor do livro num compositor inspirado em Mahler, o que permite a Visconti usar as sinfonias três e cinco de um jeito que você jura que foram compostas para acompanhar as imagens deste clássico.

O Inocente (1976): O último filme de Visconti, que ele não chegou a ver pronto, baseia-se no romance de Gabriele D´Annunzio, autor que se ligou ao fascismo e foi hostilizado pela crítica de esquerda. Por conta dessa escolha, o cineasta foi chamado de decadente, o que admitia ser. "Tenho da decadência uma opinião bastante favorável", dizia. A história do aristocrata que mata seu bebê, convencido de que é produto do adultério da mulher, trata da culpa da aristocracia e é um fecho terrível para a obra de Visconti. Debilitado, ele infernizou a vida dos colaboradores, acusando-os de traição sempre que a imagem e a interpretação não saíam exatamente como queria.  

(© Estado de S. Paulo)


Um mito do cinema italiano no Brasil

Jaime Biaggio

Lina Wertmüller, diretora italiana de quase 80 anos que teve seu auge na década de 70 (“Mimi, o metalúrgico”, “Pasqualino Sete Belezas”), esteve no Brasil esta semana. Entre terça-feira e ontem, circulou entre São Paulo e Joinville trocando idéias com fãs de todas as idades e ajudando a promover a retrospectiva de sua obra organizada em parceria pelo Instituto Italiano de Cultura de São Paulo e pelo Centro Cultural São Paulo. A mostra fica em cartaz até amanhã no centro cultural, onde ela participou de um debate na terça-feira. Debate esse que durou uma hora e 40 minutos.

— Fiquei muito feliz com o público. Inteligente, vivo, entusiástico — disse ela. — Percebi que sentem muito a falta de ver filmes de outras nacionalidades que não a americana. Proponho aos estudantes do Brasil que montem algo como uma cooperativa para troca de filmes e de informações.

A falta de informação sobre filmografias não americanas é geral, segundo ela. Na Itália, o cinema brasileiro também é pouco conhecido. Da produção mais recente, ela mesma só viu “Central do Brasil”, que considera uma obra-prima.

— É um problema mundial, infelizmente — resigna-se.

Filmes da safra do Oscar agradaram bastante

“Peperoni ripieni e pesci in faccia”, de 2004, é o mais recente filme dela, e não faz parte da mostra. O mais recente incluído na retrospectiva, e que tem sessão amanhã às 18h no Centro Cultural São Paulo (passará em DVD), é “Francesca e Nunziata”, produzido para a televisão, com Sophia Loren e Giancarlo Giannini, ator-assinatura da diretora. Embora na indústria americana vários diretores declarem que a televisão, hoje em dia, dá mais liberdade do que o cinema, viciado em fórmulas fáceis, ela diz que na Itália é tudo a mesma coisa.

— Não há diferença. Há produtos ótimos feitos para ambos os suportes — diz ela, que discorda que o cinema americano não venha produzindo filmes bons. — Gostei muito de “Boa noite, e boa sorte”, “Capote”, “Ponto final — Match point” e “O segredo de Brokeback Mountain”.

Ontem, a diretora fez uma palestra no Instituto Italiano de Cultura, em São Paulo.

(© Estado de S. Paulo)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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