Eduardo Knapp /Folha Imagem
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Vista geral da
Casa de Vidro, projeto de Lina Bo Bardi, localizada no Morumbi
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Primeiro projeto de Lina Bo Bardi,
tombado pelo patrimônio histórico de SP, orça restauro em R$ 1,5 milhão
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
"A
casa Bardi foi a primeira casa que se construiu no Jardim Morumbi. (...)
Era uma grande reserva de mata brasileira, cheia de bichos selvagens:
jaguatiricas, tatus, veadinhos, preás, sarigüês, preguiças." Hoje, a
fauna original descrita por Lina Bo Bardi deu lugar à praga dos cupins,
que é uma das principais ameaças à Casa de Vidro, primeiro projeto da
arquiteta ítalo-brasileira.
Não
apenas os cupins ameaçam um dos projetos-chave da arquitetura nacional.
Em caso de chuva, a impermeabilização do telhado não contém o grande
volume de água, que provoca vários pontos de goteira e infiltração nos
quartos e na cozinha da residência. "Quando chove forte, já sabemos que
temos de espalhar os baldes pela casa", conta Tatiana Russo, 25, uma das
funcionárias do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, responsável pela
residência, tombada pelo Condephaat (órgão estadual de patrimônio
histórico) e em estágio final de tombamento pelo Iphan (órgão federal de
patrimônio).
Já os
cupins de madeira -diferentes dos subterrâneos, ausentes da Casa de
Vidro, que podem atacar as estruturas de prédios- colocam em risco a
manutenção do rico acervo mantido pelo instituto. "Felizmente, não
atingiram nenhuma tela, mas já atacaram molduras e móveis", afirma
Russo. Entre as preciosidades que pertenciam ao casal Bardi, destacam-se
pinturas flamengas, obras do uruguaio Torres García (1874-1949) e do
chileno Roberto Matta (1911-2002), entre muitas outras.
O
acervo de arte popular, uma das paixões de Lina (1914-1992) e que se
espalha por vários ambientes da residência, também merece mais atenção.
Muitas das obras foram realizadas em materiais frágeis, como papel
machê, e precisam de restauro.
Há
também objetos de valor histórico-artístico, como o vestido que o
arquiteto e cenógrafo Flávio Império (1935-1985) desenhou e presenteou
Lina, que hoje é guardado em um dos armários da antiga dona.
Peças
únicas, como vários modelos de cadeira e mobiliário que Lina desenhou
exclusivamente para sua casa, com estrutura em metal azul, também se
espalham entre os espaços.
Arquitetura de vidro
A
biblioteca restante do casal -boa parte do que Pietro (1900-1999)
mantinha foi o embrião da biblioteca do Masp, projeto mais conhecido de
Lina- também guarda volumes raros, que contam muito sobre a vivência do
casal. Há desde publicações marxistas, prova do engajamento político de
Lina, até variados e numerosos catálogos de exposições ao redor do
mundo.
As
estantes que acomodam os livros já não são mais as originais de vidro -o
casal já as havia trocado-, mas o projeto de recuperação da casa prevê a
sua volta. "Elas foram substituídas porque o vidro não suportava muitas
oscilações de temperatura e peso, mas hoje já há vidros mais
resistentes, que podem dar novamente a transparência idealizada por Lina
em seu projeto original", avalia Russo.
O
projeto de recuperação da Casa de Vidro está orçado em R$ 1,5 milhão e
deve ser inscrito nos próximos dias para tentar captar recursos por meio
de leis de incentivo, segundo a presidente do instituto, Graziella Bo
Valentinetti, 89, irmã de Lina. "Este [a Casa de Vidro] é o primeiro
projeto da minha irmã e é um patrimônio inestimável da arquitetura
brasileira e de São Paulo." O arquiteto Marcelo Suzuki, um dos
principais assessores de Lina, é quem assina o projeto de restauro.
(©
Folha de S. Paulo)
Trabalhos menos conhecidos estão
conservados
Apesar do traço de Lina Bo Bardi ser evidente em seus projetos
mais conhecidos, como o Masp, o Sesc Pompéia e o teatro Oficina, há
exemplares de sua arquitetura severa em outros pontos da Grande São
Paulo.
No Morumbi, perto da Casa de Vidro, a residência Valéria Cirell
(1958) mantém muitos pontos do projeto original, segundo funcionários do
instituto que a visitam com freqüência.
Agora conhecida como "Jardim de Cristal" por seus atuais
proprietários e intensamente elogiada pelo arquiteto holandês Aldo van
Eyck (1918-1999), a casa exibe o fascínio que a arquiteta teve das
habitações populares brasileiras, mesclado à sua formação moderna
européia. A casa é revestida em seu exterior por elementos minerais e
vegetais e anteriormente exibia uma cobertura de sapé.
A residência guarda muitos pontos de contato com a casa
Chame-Chame (1958), em Salvador (BA). Seu mimetismo com a natureza
infelizmente não pode mais ser visto, pois foi demolida e deu lugar a um
prédio comercial em 1984.
Outro projeto menos conhecido de Lina é a capela Santa Maria dos
Anjos (1978), em Vargem Grande Paulista (Grande São Paulo). De traços
rígidos e austeros, tem mobiliário que exibe um cruzamento entre as
tradicionais cadeiras de mosteiros europeus presentes na Casa de Vidro e
a tradição popular do mobiliário religioso brasileiro.
De acordo com o italiano Luciano Semerani, um dos curadores da
mostra "Lina Bo Bardi - Arquiteto" (atualmente em cartaz no Masp), a
obra da arquiteta passa por uma revisão crítica. "Na Europa, surgem mais
estudos sobre a sua importante trajetória", afirma.
O número de visitantes internacionais na Casa de Vidro tem sido
grande, segundo o instituto Bardi. Caso a reforma seja aprovada, haverá
mais apoio à visitação (hoje agendada previamente pelo tel.
0/xx/11/3744-9902), com a construção de uma reserva técnica e de um
auditório e a adequação dos espaços. (MG)
(©
Folha de S. Paulo) |