Na cidade de Altamura, padaria
fez rede de fast food fechar
IAN FISHER
DO "NEW YORK TIMES", EM ALTAMURA (ITÁLIA)
Para começar, uma verdade inconveniente: esta não é uma notícia recente.
Mas, por alguma razão, a história de como a cidade que produz o melhor
pão da Itália obrigou seu restaurante McDonald's a fechar suas portas
nunca chegou a ser contada.
Todos os elementos de uma peça alegórica girando em torno do McDonald's
continuam relevantes até hoje: a atitude de arrogância de uma grande
empresa, o triunfo da comida tradicional sobre a comida como produto, um
Davi na forma de um padeiro humilde e grisalho que derrota um
expansionista Golias americano.
Inevitavelmente, a história inclui os franceses.
Foi o jornal francês "Libération" que publicou o relato mais completo
visto até agora do que aconteceu em Altamura, no sul da Itália, onde as
placas convidam o visitante a conhecer "a Cidade do Pão". "O longo
tapete vermelho foi retirado às escondidas durante a noite", disse o
jornal, observando que "o M enorme" erguido sobre a praça Zanardelli
"também foi retirado na surdina". As janelas do restaurante foram
recobertas, "como a mortalha cobrindo a vítima do campo de batalha".
O
que o "Libération" deixou de dizer é que o McDonald's de Altamura foi
fechado em dezembro de 2002. Mas isso não tem importância. Em Altamura,
os protagonistas da história, além de muitas outras pessoas, estão
entusiasmados com a atenção atrasada que vêm recebendo, além do fato de
sua cidade ganhar a distinção de ser um lugar cuja comida é tão boa que
conseguiu fechar um McDonald's. "O que aconteceu foi uma pequena guerra
entre nós e o McDonald's", contou Onofrio Pepe, jornalista aposentado
que fundou em Altamura uma associação dedicada às delícias locais.
Pepe e vários outros cidadãos de Altamura, que tem 65 mil habitantes,
compuseram uma ala do exército. Eles dizem que combateram sobretudo por
orgulho e em defesa de sua culinária própria, que inclui a focaccia, a
mussarela e, sobretudo, um pão de grãos integrais que é famoso na Itália
há milênios. O pão é protegido como produto único nos regulamentos da
União Européia, que observam que, no ano 37 a.C., Horácio o declarou "de
longe o melhor pão que se pode encontrar".
Quando o McDonald's foi aberto na cidade, no início de 2001, contou
Pepe, ele não fez oposição ao restaurante. "Num primeiro momento,
parecia um sinal de modernização", disse o jornalista.
Então o moderno pareceu tomar conta da cidade. O McDonald erigiu seus
arcos imensos numa coluna próxima ao centro antigo da cidade, numa
proximidade destoante com a catedral local, construída no século 13,
deixando sua iluminação de néon amarela ligada 24 horas por dia.
"A sensação que se tinha é que a
cidade estava sendo ocupada", ele contou. "Aquilo foi recebido como uma
espécie de desafio."
Seu grupo organizou protestos moderados para chamar a atenção para a
culinária local, e, ao mesmo tempo, foi aberta outra frente na guerra,
esta de maneira totalmente imprevista.
Um
padeiro cuja família exerce esse ofício há quatro gerações, Luga Digesu,
que tem 35 anos hoje, abriu a pequena padaria Antica Casa Digesu bem ao
lado do McDonald's. Ele disse que não tinha a intenção de desafiar a
rede americana. "Eu tinha medo do McDonald's", comentou.
"Temia que ninguém nos percebesse."
Durante algum tempo, o McDonald's atraiu os fregueses de Altamura. Mas
em pouco tempo ocorreu uma migração de moradores locais que preferiam
sua versão própria de fast food -grossas fatias de focaccia. Parte da
razão parecia ser econômica: de acordo com Digesu, uma fatia grande de
focaccia custa o mesmo que um único hambúrguer do McDonald's. Mas também
era uma questão de preferência.
O
McDonald's começou a reagir, oferecendo às escolas visitas de seus
alunos para conhecer sua cozinha, o aluguel gratuito de seu restaurante
para festas de aniversário infantis, cupons para crianças e um aparelho
de televisão para os fregueses assistirem ao futebol. Nada parecia
funcionar.
"As pessoas assistiam ao jogo e, quando terminava, saíam para comprar
focaccia", contou Pepe.
Finalmente, em dezembro de 2002, após menos de dois anos de operação, o
McDonald's de Altamura fechou suas portas.
"Não se trata, de maneira nenhuma, de uma derrota do McDonald's",
afirmou Mario Resca, presidente do McDonald's na Itália. "Pelo
contrário, sinto orgulho do fato de a população local estar apreciando
sua própria culinária. Isso significa que o McDonald's estimulou a
concorrência." (Tradução
de Clara Allain)
(©
Folha de S. Paulo)
Alta gastronomia, alta rentabilidade
Bruno Agostini
O chef alemão Heinz Beck parece ter vocação para
quebrar paradigmas e ultrapassar fronteiras. Depois de conquistar o
título de melhor chef da Itália, o comandante da cozinha da La
Pergola, de Roma, quer revolucionar o mundo dos molhos em conserva. Em
parceria com a gigante italiana da indústria alimentícia De Cecco, o
bávaro alimenta um sonho: preparar molhos para massas em escala
comercial com o mesmo frescor das receitas caseiras, sem o uso de
conservantes e quaisquer outras intervenções que possam comprometer a
integridade dos ingredientes. Alta gastronomia embalada. A linha será
ampla: no total, 52 molhos diferentes, desde simples combinações entre
tomates e manjericão (o sugo al basilico) até sofisticadas receitas
com ganso, bacalhau e alcachofra. A primeira amostra dos produtos
assinados por Beck chega às prateleiras em março, no Brasil e na
Itália. Os potes de 200g e 400g serão vendidos nos supermercados Zona
Sul.
- As novas tecnologias e a sabedoria
científica colaboram. Primeiro crio as receitas na cozinha normal. Em
seguida, sigo para um laboratório para fazer análises químicas e
biológicas. Só então, dominando toda a estrutura da receita, vamos
para a cozinha industrial. Levamos em média dez meses de trabalho para
chegar ao resultado final - conta Beck, que acaba de alcançar outro
feito, dos mais honrosos que a carreira de um chef pode ter: três
estrelas no Guia Michelin, referência maior da alta gastronomia
mundial.
Mas como os italianos, tão
apaixonados por sua rica culinária, encaram um alemão eleito o melhor
chef do país?
- Não houve problema algum. Sou um
grande respeitador da culinária tradicional da Itália. Imprimo meu
estilo, mas procuro me manter fiel às receitas locais - rebate o chef,
que, além de uma palestra concorrida na faculdade Anhembi Morumbi,
pioneira no Brasil em graduação em gastronomia, fez um jantar para 100
pessoas, a R$ 300 por cabeça.
(©
JB Online) |