Ugo Giorgetti usa a paixão
culinária paulistana para refazer o mapa de uma cidade que foi una e se
tornou caótica e dispersa
Luiz
Zanin Oricchio
São Paulo -
Bem, se um
documentário sobre a pizza fosse feito um dia, seu diretor teria mesmo
de ser Ugo Giorgetti. Ambos - a pizza e Giorgetti - não poderiam ser
mais paulistanos, embora tenham origem lá na longínqua Itália. E aí está
- Pizza é um filme brasileiríssimo, paulistano acima de tudo, consagrado
ao prato típico napolitano e dirigido por esse oriundo da zona norte da
cidade, o bairro de Santana, onde nasceu e se criou. A pizza, segundo
Giorgetti, é uma espécie de argamassa que dá liga a uma cidade
fragmentada. Por isso, ele não vai atrás das estatísticas que de vez em
quando saem nos jornais, essas que dizem quantas toneladas de trigo e
mussarela são consumidos a cada ano por esses vorazes paulistanos. Não.
Pizza, o filme, é basicamente qualitativo.
Interessa ao cineasta visitar pizzarias tradicionais, como a Castelões,
no Brás, ou a Camelo, na Rua Pamplona, restaurantes gente fina, como
aquele da Granja Viana que cobra quase R$ 50 por uma meia calabresa meia
mussarela, até pizzarias populares, como um modesto “delivery” situado
na favela de Heliópolis. Sim, há uma história das classes sociais
paulistanas que pode ser escrita através da pizza - e isso não escapa ao
cineasta.
Mesmo porque a pizza é democrática. Ela pode custar R$ 10, ou até menos
que isso, ou cinco, seis vezes mais. Usa basicamente os mesmos
ingredientes e satisfaz do mesmo modo a freguesia. Mas o que vale é onde
se come a pizza, quem é o seu vizinho de mesa, qual o tipo de carro que
está parado lá fora.
Além disso, a pizza é um circuito, que inclui o dono do restaurante, a
freguesia, os fornecedores, mas também quem distribui o produto - ou
seja, os motoqueiros do “delivery”, palavra, como se sabe, muito mais
consistente e sintética do que “entrega em domicílio”, isso em língua de
terceiro mundo.
Como Giorgetti sabe que é na retrocena, nos bastidores, que as melhores
coisas aparecem, gasta boa parte do seu tempo conversando com os valets
de porta de restaurante e com motoqueiros que entregam pizzas. Sabe, por
meio deles, dos riscos da profissão, em especial em lugares menos amenos
da capital (ou seja, quase todos). Um deles se queixa de ter sido
assaltado: “Levaram a moto e as pizzas.” E assim, correndo atrás desse
tema culinário, Giorgetti refaz o mapa de uma cidade que já teve certa
unidade, depois se fragmentou, tornou-se uma babilônia de pedaços
isolados entre si, caótica e dispersa. A pizza nos une.
E
tanto assim que o cineasta entrevista pizzaiolos de diversas origens, a
maior parte vinda do Nordeste, sem uma gota de sangue italiano nas
veias, mas que sabem dobrar a massa à sua vontade, cobrir o disco de
ingredientes e levá-los ao forno tão bem como seus colegas do sul da
Itália. São paulistanos de todos os lugares do Brasil, que elegeram a
pizza como profissão, nesta terra que é uma síntese de todas as outras.
Os
ingredientes são um caso à parte e sua variedade pode servir de linha
auxiliar para um historiador das mentalidades em São Paulo. Existe clara
divisória entre conservadores e liberais em relação à pizza. Para os
primeiros, apenas cinco ou seis variedades são toleradas: calabresa,
mussarela, aliche, e algumas combinações entre elas. Vão ao limite da
margherita - e olhe lá. Já os segundos toleram quase tudo que se possa
jogar em cima de um disco de massa: quatro queijos, camarão, frango,
lombinho, carpaccio, o que for. Uma dona de restaurante se orgulha de
haver inventado a pizza de banana. Outro rebate que não vende aquele
tipo de comida em seu estabelecimento. Ou seja, até a pizza, ao vir para
o Brasil, se submeteu ao processo de mistura e hibridação que define a
cultura local. “E por que não misturar tudo, se as pessoas gostam?”,
perguntou alguém que viu o filme. Sim, por que não?
Pizza (Br/2005). Dir. Ugo
Giorgetti. CineSesc. R. Augusta, 2.075, Cerqueira César, tel. 3064-1668.
6.ª (20) a 4.ª (25), 20h40. R$ 4. Cotação: Bom