Mostra no Rio reúne fotos das primitivas aldeias dogon no Mali
Elvira Vigna
Quando o arquiteto italiano Tito
Spini entrou com sua máquina fotográfica pela primeira vez em uma
aldeia dogon, era 1971 e ele pretendia documentar o que via.
Documentou também o que sentia. Uma espécie de saudade pelo não
vivido, uma saudade por antecipação do que ele estava à beira de
destruir, com sua presença, e do que ele estava à beira de preservar,
com sua máquina.
É também o que sente o visitante, ao entrar na
exposição Togu Na, do Centro Cultural Justiça Federal, reação
inevitável de ocidentais frente a culturas por nós consideradas
primitivas.
A tradução literal de Togu Na é Casa da Palavra. O
conceito a excede. Não é a palavra pronta, a melhor palavra, a palavra
das Togu Na. Nestas construções que são o centro social das aldeias
dogon, etnia do Mali, na África ocidental, a palavra lançada é semente
a ser cultivada coletivamente. Nas Togu Na criam-se idéias, histórias,
tomam-se decisões. E volta-se para mais acertos, adendos, outras
decisões. Ninguém chega em uma Togu Na com um discurso pronto. Ninguém
sai de lá dono de alguma idéia.
É o processo contínuo o que os une. Por trás disso,
há o conceito de que é sempre um processo o que define culturas e não
seus resultados, necessariamente parciais. E este conceito, que define
os dogon, aparece pouco nas fotos.
A etnia dogon já era visitada regularmente por
ocidentais por cerca de dez anos quando Tito Spini entrou em contato
com eles, no começo sozinho, depois com o filho Sandro. Visitaram 76
aldeias e fizeram um livro, editado pela primeira vez em 1976. Vieram
deste livro as 60 fotos e desenhos da exposição. Mas em apenas duas
imagens há um registro da convivência com ocidentais. Na foto da
aldeia Tagouru, um nativo de bermudas se esconde atrás de uma moita.
Na da aldeia Kadiavec, uma caixa de papelão traz a espantosa
inscrição: pur et raffiné. As outras fotos mostram um povo
imutável, sobrevivente desde o Império Egípcio, resistente ao
islamismo que varreu a região no século 15. Resistente inclusive aos
turistas do século 20. Ao perceber que os pilares esculpidos que
sustentam o teto das Togu Na atraíam o interesse dos visitantes
estrangeiros, algumas aldeias optaram por simplesmente destruir os
detalhes que formavam figuras de homens (sempre de pênis eretos) e de
mulheres (sempre grávidas). Se os ocidentais não podiam perceber o que
as figuras significavam, melhor não vê-las.
As Togu Na variam de estilo arquitetônico, como
varia o ambiente geográfico onde são construídas. Os dogon habitam os
distritos de Bandiagara e Douentza, acompanhando o Nilo numa parte em
que o rio escava sua margem formando altas escarpas. Os dogon ficam
ora em cima, ora embaixo e ora nas próprias escarpas, em casas tão
integradas e improváveis que mal são vistas. Na introdução ao seu
trabalho, os Spini dizem não querer estimular ''entusiasmos formais'',
mas apenas a compreensão da cultura dogon. As fotos, no entanto, têm
rigorosa construção dramática de massas claras e escuras. E a
exposição não fica atrás. Ela abre com um desenho que reproduz, em
tamanho natural, a entrada de uma Togu Na.
Mesmo com a variação arquitetônica que as integra
de forma perfeita ao ambiente em torno, as Togu Na mantêm uma
característica comum: o teto. Feito em camadas e muito grosso, o teto
das Togu Na é sempre bem baixo. Lá dentro, só se fica sentado. É para
impedir exacerbações verbais e gestos excessivos durante as
deliberações coletivas.
Nada mau como contraponto ao ambiente da exposição.
Desde 1907, o belo prédio da Av. Rio Branco abriga o nível mais alto
da Justiça Federal - e tem um teto igualmente alto.
Togu Na - A Casa da Palavra. Centro Cultural
da Justiça Federal, Av. Rio Branco 241, de terça a domingo, de 12h às
19h. Até 10 de abril.
(©
JB Online)