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Primo Levi faz perícia da vida em Auschwitz


 

O escritor Primo Levi

França publica relatório feito pelo escritor e pelo médico Leonardo Debenedetti sobre o campo de extermínio nazista

RENÉ DE CECCATTY
DO "MONDE"

   Em sua biografia de Primo Levi (1919-1987), Myriam Anissimov cita um texto técnico que o escritor italiano assinou em colaboração com seu companheiro de deportação, o médico Leonardo Debenedetti, atendendo a pedido das autoridades do campo de Katowice, depois que ele e Debenedetti foram libertados de Auschwitz. Destinado ao Exército Vermelho, interessado em obter documentos sobre as condições de detenção nos campos de extermínio, esse relatório foi publicado três vezes na Itália: na revista médica "Minerva Medica", de Turim, em 1946, no primeiro volume das obras completas de Primo Levi em italiano e numa coletânea de depoimentos de deportados, "Il Ritorno dai Lager" (ed. Franco Angeli, Milão, 1994).

   Mas o relatório nunca saiu na condição de obra de Primo Levi, apesar de, como assinala o editor francês de Levi, Philippe Mesnard, constituir uma fonte fundamental de "É Isto um Homem?". Esse documento de perícia permite ao leitor não apenas ter uma idéia mais precisa da vida dos deportados e da maneira como sua destruição era organizada, como também compreender o que, em contraste, a especificidade do escritor pôde contribuir para esse conhecimento.

   Em seu longo prefácio, Philippe Mesnard tece uma reflexão sutil sobre as diferenças entre relato de perito, depoimento e literatura. O conteúdo desse relatório possui um valor insubstituível, graças à qualidade das testemunhas.

   Ambos dotados de formação científica (um deles químico, o outro, cirurgião), os dois autores do relatório lançam um olhar científico sobre a degradação ambiental e sobre as doenças resultantes das condições de vida nos campos. Mas a redação do texto se subordinou às circunstâncias que o fizeram ser escrito. Tratava-se de fornecer informações de primeira mão, sem qualquer intervenção literária, sem qualquer julgamento ou comentário de espécie alguma.
O próprio Primo Levi jamais pensou em reintegrar essas páginas a sua obra, mesmo associando a elas o nome de seu amigo, morto quatro anos antes dele. Entretanto, não foi por falta de reflexão sobre a escrita literária e a voz crua do depoimento. Como é sabido, Primo Levi tem uma obra muito complexa, que não se reduz a "É Isto um Homem?" ou a "A Trégua". Seus poemas, suas críticas, seus contos fantásticos, trouxeram à tona outra dimensão de sua atividade literária, que lança uma luz perturbadora sobre sua idéia do testemunho.

   Como observa sua biógrafa, o tom do relatório é "muito mais cru e duro, em sua apresentação de Auschwitz, das câmaras de gás, dos crematórios, da fome e das doenças que atingiam os prisioneiros, que as páginas de "É Isto um Homem?".

   Os dois autores do relatório apenas raramente traem sua emoção, quando são obrigados, em uma frase, a recordar que eles próprios estiveram entre as vítimas, tendo sobrevivido apenas graças ao destino ou acaso. É isso que confere a esse texto um aspecto inclassificável.
Eles relataram as doenças ligadas à carência alimentar e de higiene, mas também os comportamentos (dos nazistas mas também das vítimas, pois Levi sempre fez questão de observar as fraquezas e as grandezas humanas).

Tradução Clara Allain

RAPPORT SUR AUSCHWITZ (Relatório sobre Auschwitz), seguido de RETOUR À AUSCHWITZ (Retorno a Auschwitz), diálogo de Primo Levi com Daniel Toaff e Emanuele Ascarelli. Traduzido do italiano ao francês por Catherine Petitjean. Ed. Kimé, Paris. Quanto: 12,35 (R$ 43,59) (112 págs.); na www.amazon.fr.

(© Folha de S. Paulo)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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