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JORNALISTA Nos anos 60, Buzzati cobriu a Bienal de Arte de São
Paulo para o Corriere della Sera
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As Noites Difíceis e
Naquele Exato Momento reúnem contos do escritor italiano Dino Buzzati
FEDERICO
MENGOZZI
Deixai todas as certezas, vós que entrais na ficção de Dino Buzzati
(1906-1972). Nos contos de As Noites Difíceis e Naquele Exato Momento,
perpassa um sentimento de estupefação que remete aos autores da
literatura fantástica, ou simplesmente fantasmagórica, um vasto espectro
que vai de Edgar Allan Poe a Jorge Luis Borges. Mas, ao contrário de
muitos desses nomes, o escritor italiano promove suas surpresas à luz do
dia, como se fosse normal que o senhor X, no caminho do trabalho, visse
elefantes flutuando no ar. Talvez por sua profissão, jornalista do
diário Corriere della Sera por quatro décadas, Buzzati possui uma
clareza que reforça sua surpreendente lógica. Nos anos 60, veio cobrir a
Bienal de São Paulo e passou praticamente despercebido - apesar de ser o
autor de um dos clássicos da literatura do século XX, o perturbador O
Deserto dos Tártaros. Como quem nada quer, Buzzati mostra o avesso
do avesso do avesso - como no conto ''O Chefe'', de As Noites
Difíceis: ''É importantíssimo. Diz coisas importantes. Tem amigos
importantes (...) Considera-se indispensável. É indispensável. O enterro
será amanhã, às 14h30...''.
Há
quase duas décadas fora do mercado, As Noites Difíceis e Naquele
Exato Momento seguem-se ao relançamento de O Deserto dos Tártaros
e Um Amor, total de títulos do autor no catálogo da Editora Nova
Fronteira. Ambos vêm com nova roupagem gráfica. Saem as colagens de
Victor Burton (o capismo contemporâneo brasileiro é composto basicamente
de colagens) e entram os grafismos à moda do mestre Eugênio Hirsch de
Carla Castilho.
Buzzati nunca foi vanguarda e seus contos denotam certo tom realista,
que marcou seus primeiros livros e em nada prejudica a narrativa. Ao
contrário, a reforça. É no mundo real que ocorrem os fatos, filtrados
por Buzzati com um inquietante humor. A morte, por exemplo. Como no
miniconto ''Satisfação Maldosa'', de Naquele Exato Momento:
''Fazem bem em ser orgulhosos, meus jovens. Nós já estamos velhos, de
jogar fora (...) De nossos enterros voltarão para casa com um apetite
formidável, cheios de vitalidade e de projetos. À noite, ao deitar,
sentirão uma dorzinha à direita do estômago, por enquanto uma coisa de
nada''.
Reprodução
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OBRA As Folhas Mortas,
de Buzzati
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Buzzati ensaiou um namoro com o cinema ao colaborar com o diretor
Federico Fellini no roteiro do malogrado Il Viaggio di G. Mastorna.
Seu mundo foi o jornalismo, de um lado; a ficção e as artes plásticas
(com trabalhos que guardavam afinidades com sua literatura), de outro.
Era uma voz isolada, sem maiores contatos com os modismos vigentes, e
escrevia para entender o absurdo da vida. Ou alguém julga natural viver
num grão de areia que rodopia no espaço sideral? Era um homem gentil,
mas pessimista. Embora estivesse de olhos bem abertos, via os dias
cheios de névoas. Foi um escritor que se lê com um sorriso nervoso e uma
dorzinha do lado. Dizia: ''Atrás de um terror há outro, como uma folha
embaixo de outra folha, e, se alguém a arranca, sempre encontramos outra
- e a última se chama morte''. E complementava: ''O grande enigma somos
nós e aquilo que acontecerá conosco''.
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TÍTULO
As Noites Difíceis
AUTOR
Dino Buzzati
TRADUÇÃO
Fulvia M.L. Moretto
EDITORA
Nova Fronteira
PREÇO E PÁGINAS
R$ 44/360 |
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TÍTULO
Naquele Exato Momento
AUTOR
Dino Buzzati
ORGANIZAÇÃO
Fulvia M.L. Moretto
EDITORA
Nova Fronteira
PREÇO E PÁGINAS
R$ 42/312 |
(©
Revista ÉPOCA) |