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  A CULINÁRIA ITALIANA

Macarrão em pouca água?!

O chef Marco Renzetti, da Osteria del Petirosso, não aprovou a receita americana e suas inovações
 

Heresia: o pesquisador Harold McGee decidiu cozinhar em pouca água! Pior: começou com a pasta em água fria! Duplo pior: garantiu que fica igual! O chef Marco Renzetti, da Osteria del Petirosso, tentou fazer, e lamentou: 'Coitado do macarrão...'

Harold McGee, The New York Times

Há algum tempo, enquanto eu esvaziava uma enorme panela de água de macarrão na pia e esperava até que os meus óculos desembaçassem, ocorreu-me uma pergunta. Por que ferver tanta água, muito mais do que o macarrão chega a absorver, para no fim jogar ralo abaixo? Não daria para fazer a pasta gastando menos água e energia? Outra pergunta seguiu-se à primeira: se isso fosse possível, o que diriam os defensores da tradição italiana?

Depois de algumas experiências, descobri que podemos fazer macarrão com uns poucos copos d’água e economizar alguma energia. Não é muita economia numa única cozinha - uns minutos a menos de gás. Mas como os americanos cozinham algo em torno de 500 mil toneladas de macarrão por ano, esses minutos podem virar muito.

O método tradicional de cozinhar macarrão, encontrado nos livros de receitas italianas e nas embalagens de massa, pede 8 a 12 litros de água fervente e bem salgada por quilo de macarrão. As justificativas mais comuns são de que a água em abundância volta a ferver rapidamente depois que é acrescentada a massa; que bastante água proporciona ao macarrão espaço para que um não grude no outro; e que mais água dilui melhor o amido liberado pela massa, impedindo que o macarrão fique com a superfície “grudenta”.

Para determinar quais desses fatores são realmente significativos, pus meio quilo de macarrão numa panela, acrescentei apenas dois litros de água fria e duas colheres de chá de sal e liguei o fogo. A água levou cerca de 8 minutos para atingir o ponto de fervura, tempo durante o qual eu tive de mexer a massa de vez em quando para evitar que os fios grudassem uns nos outros. Foram necessários outros 10 minutos até que a massa ficasse pronta.  

Quando tirei o macarrão da água, ele tinha a textura e o ponto de sal que eu esperava, grudenta como habitual, e, depois de preparado com um pouco de óleo, não se mostrou diferente de um macarrão normal.

Então tentei reduzir a água ainda mais, para 1,5 litro. Tive de mexer a massa com frequência, porque a água não era suficiente para manter o macarrão submerso o tempo todo, mas novamente o espaguete ficou bom.

Por que a massa pode ser cozida normalmente num pequeno volume de água, começando na temperatura ambiente? Porque o macarrão absorve a água muito lentamente em temperaturas muito abaixo do ponto de fervura, e assim, pouca coisa acontece à massa nos minutos necessários para aquecer a água. E não importa quanto a água do cozimento esteja saturada de amido: a sólida superfície do macarrão continuará mais saturada ainda e permanecerá grudenta até ser lubrificada com molho ou óleo.

Descrevi meu método em mensagens de e-mail que enviei a duas das mais conhecidas defensoras da culinária italiana no país. Lidia Bastianich me disse: “Minha avó consideraria essa ideia uma blasfêmia. Eu a considero curiosa.” E Marcella Hazan: “Sou muito curiosa, e fico feliz em ver que as pessoas estão testando novas maneiras de fazer as coisas.” Ambas experimentaram a proposta.

Lidia respondeu com um experimento controlado. Ela começou a preparar o spaghettini em panelas de água fria e água fervente (4 litros em cada uma, em vez dos 6 que ela costuma usar), uma ao lado da outra, e achou que a versão feita com a água que começou fria não apresentou a textura de que ela gosta. Quanto ao sabor disse: “Me pareceu que a massa preparada com a água fria perdeu parte do sabor de grãos presente numa boa pasta de semolina feita pelo método tradicional.”

Lidia concordou que não há problema em utilizar menos água. “Sim, acho que é possível reduzir em um terço a água utilizada no preparo', de 12 litros por quilo para 8 litros. “Mas por favor, butta la pasta em água fervente.”

Marcella tentou preparar um porção de conchiglione com uma quantidade reduzida de água fria. Descobriu que era necessário mexer a pasta constantemente para evitar que grudasse. “Talvez se economize energia no aquecimento, mas o cozinheiro precisa fazer um esforço muito maior”, disse ela depois do seu experimento. “Não acho a mudança muito conveniente. Não sei se prepararia macarrão dessa maneira.”

Voltei ao trabalho animado pela disposição das especialistas em experimentar novidades, e dessa vez comecei com água quente. Descobri que se pode buttare la pasta em 1,5 litro ou 2 litros de água sem que o macarrão grude. Variedades menores exigem apenas uma mexida ocasional. Fios mais compridos precisam de uma rápida lavada com água fria pouco antes de irem para a panela, e depois precisam ser mexidos com frequência por um ou dois minutos.

Com exceção do capellini, que fica pronto rápido demais, descobri que tanto a versão preparada com água quente quanto a preparada com água fria no método de uso mínimo da água funcionam bem com as variedades comuns que tentei fazer, com a pasta de trigo integral, e até mesmo com a massa fresca, desde que toda a farinha da superfície seja antes enxaguada.

Prefiro começar com a água fria, porque o macarrão não fica grudento ao ir para a panela e porque não percebi nenhuma diferença no sabor depois de a massa ser escorrida e passada no molho. No entanto, é verdade que, independentemente da temperatura da água no começo, este método de menos água exige mais atenção. Pode ser uma desvantagem para quem estiver preparando muitos pratos ao mesmo tempo.

Se você prepara macarrão com frequência, tente experimentar com diferentes temperaturas iniciais e quantidades de água. Pode-se até cozinhar macarrão à maneira de um risoto, acrescentando o líquido aos poucos e mexendo constantemente. Certifique-se de usar uma panela grande o bastante para que o macarrão repouse no fundo, e reduza o sal conforme o volume de água.

Há outra vantagem imprevista no preparo do macarrão com pouca água: a água do macarrão que sobra do cozimento. É espessa, mas ainda pode ser facilmente tirada da panela com uma concha, bastando inclinar o recipiente. E seu sabor é muito agradável - não parece salgada demais, é bem encorpada e tem muito sabor de semolina. A água do macarrão integral é deliciosa.

As receitas italianas com frequência sugerem o uso da água do macarrão para ajustar a consistência de um molho. Mas essa água espessa é quase um molho em si. Quando banhei uma porção de espaguete no azeite e depois apliquei à mistura duas conchas da deliciosa água, o óleo se dispersou, formando pequenas gotas em meio ao líquido, e a cobertura oleosa tornou-se especialmente cremosa.

Os chefs dos restaurantes valorizam a água de macarrão espessa. Em seu livro Calor, Bill Buford relata sua experiência de trabalho no restaurante Babbo, de Mario Batali, e descreve como, ao longo da noite, a água na panela de macarrão passa de cristalina a turva até ficar lodosa, um estágio que “parece nojento, mas é delicioso”, porque a água “age como um espessante no molho, agregando seus elementos e devolvendo ao macarrão o sabor da própria massa”.

Buford sugere que a lodosa água de macarrão deveria ser engarrafada e vendida, porque a culinária caseira jamais produz nada parecido. Cozinhar uma porção de macarrão com a quantidade mínima de água pode não amenizar muito o amido, nem produzir os sabores típicos de um preparo demorado. Mas esse método produz uma água de macarrão tão boa que dá vontade de tomá-la em goles.

(© Estadão/Paladar)

 


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