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  A CULINÁRIA ITALIANA

A Dieta Mediterrânea

Foto: Frutaviva

 

No dia 13 de dezembro de 2008 a TV Globo apresentou o tema "A Dieta Mediterrânea" no programa Globo Repórter, dirigido e apresentado pela jornalista Ilze Scamparini.

A seguir, Gastronomia ItaliaOggi transcreve resumo da matéria apresentada.

Pizza ajuda a evitar câncer

Reportagem: Ilze Scamparini (Sicília, Itália)

O azul do Mar Mediterrâneo é inconfundível. Está no meio de terras, entre a Europa, a África e a Ásia. Nesta parte do mundo, seca e áspera, as civilizações da Antigüidade deixaram hábitos de uma notável coerência: a dieta mais famosa do planeta, feita de poderosos antioxidantes – como o azeite extraído das oliveiras, o vinho e o peixe – e vegetais exuberantes, ricos em polifenóis, um antídoto contra os males do envelhecimento.

Inventores da medicina dietética, os povos antigos perceberam, em um passado remoto, o que a ciência só hoje anuncia: mais de 30% dos casos de câncer estão ligados à comida. A pizza "margherita", comprovadamente capaz de produzir o bom humor, se consumida na dose certa, pode virar remédio contra o tumor do estômago e da boca.

No centro do Mediterrâneo, a Itália reina como a nação que cultivou a arte de fazer grandes pratos com os ingredientes mais simples e onde a vida dura mais tempo.

A Dieta Mediterrânea, em breve, será declarada pela Unesco Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela sua tradição, pelo seu valor histórico e cultural. Esse modelo de alimentação, que se tornou uma referência em várias partes do mundo, é também um estilo de vida que pode ajudar a prevenir muitas doenças. Cinqüenta anos depois de ter sido batizada como Dieta Mediterrânea, novas pesquisas confirmam aquilo que nos anos 50 foi uma intuição genial: esses produtos, bem combinados, podem favorecer uma vida muito longa e saudável.

Partimos para o sul, para a capital mundial da Dieta Mediterrânea, atrás de um homem e da sua intuição. Pioppi, no Cilento, é uma cidade balneário com um mar incontaminado. Na região viveu o cientista que deu nome à comida cotidiana dos italianos do pós-guerra e reconheceu os seus efeitos muito benéficos para a saúde: o americano Ancel Keys, especialista em fisiologia. Sua descoberta ganhou um museu em um casarão nobre de 1600.

Nos relatos do professor Ancel Keys, a carne vermelha não aparece. A Dieta Mediterrânea era a alimentação dos pobres.

"De fato, a carne era prevista em pouquíssimas ocasiões. Era o prato da festa. E aquilo que parecia uma privação revelou-se uma grande riqueza para essas populações", diz a responsável pelo Museu da Dieta, Tânia Batipedde.

Nos anos 50, de cada dez americanos, cinco morriam fulminados por infarto do miocárdio ou derrame cerebral. Foi então que o cientista Ancel Keys começou um grande projeto internacional de pesquisa que nunca tinha sido feito antes no mundo: o estudo dos hábitos de 12 mil pessoas de três continentes, entre 40 e 60 anos. Vinte anos depois, só os mediterrâneos continuavam muito bem de saúde: os gregos de Creta e, principalmente, os italianos do sul.

Ancel Keys foi morar em Pioppi com a família para estudar as razões da boa saúde local. O cientista morreu aos 101 anos de idade, seguindo rigorosamente a Dieta Mediterrânea.

Nós fomos procurar a mulher que durante 40 anos foi a sua cozinheira. Delia Maria Morinelli ensinou ao médico americano o regime alimentar que pratica até hoje.

"Comemos os nossos produtos. Agora, berinjelas, pimentões, tomates. Também feijões frescos – que são deliciosos – e feijões que fazemos secos, como grão-de-bico, lentilhas, ervilhas. Batatas, brócolis e repolhos. Carne de vaca a cada 15 dias, muito peixe, frango, coelho e frutas", explica a dona de casa.

Delia Maria revela que o cientista Ancel Keys bebia molho de tomate todos os dias para evitar doenças. "Às vezes, até fazia um brinde", diz ela.

Delia Maria e o marido, Giovanni, têm planos de viver muito tempo, como o patrão e amigo Ancel Keys, com os tomates da horta. Rico em licopeno, um corante natural, o tomate é um forte antioxidante. Combate os radicais livres, as moléculas que se tornam responsáveis por alguns tipos de câncer, por doenças do coração e pelo envelhecimento precoce.

Um estudo de 30 instituições européias concluiu que o consumo de 120 gramas de tomate três vezes por semana ajuda a prevenir o câncer de estômago, do esôfago, das vias respiratórias, da boca e da faringe.

"O importante é que se coma muito tomate – não em grande quantidade, mas com continuidade. Tomates vermelhos e maduros, porque o licopeno existe na cor vermelha e na fruta madura", ressalta o pesquisador em conservação de alimentos Marco Molino.

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Os benefícios do tomate

Reportagem: Ilze Scamparini (Nápoles, Itália)

Continuamos na região sul, onde o Vesúvio destruiu a cidade de Pompéia, quase dois mil anos atrás. E, ao mesmo tempo, fertilizou a terra, dando um novo significado ao vegetal que chegou de navio, do Novo Mundo, e que ficou conhecido como ouro vermelho.

O tomate foi levado para a Europa no século XVI pelos espanhóis, mas foi ignorado durante quase 200 anos. Era usado como planta ornamental. Temia-se que fosse um fruto venenoso. Depois, foi classificado como afrodisíaco. Até que a cidade de Nápoles, um dos centros de referência da Dieta Mediterrânea, ajudou a construir a fama mundial do tomate.

Na luz alegre do verão, na intimidade de um pequeno porto em Nápoles, o Vesúvio e um castelo servem de fundo para a mesa da dieta que pode reduzir os riscos de tumor em 22% – um índice muito alto.

A dona de restaurante Carmela Abate mostra as grandes invenções da cozinha napolitana e que fazem bem à saúde. A “fresella”, uma torrada de pão velho temperada com a essência dos sabores da região é Dieta Mediterrânea.

Primeiro, tomate de Sorrento, ideal para salada. Azeitonas verdes, orégano, pouca cebola. As folhas de manjericão são cortadas para exprimir melhor o gosto e o perfume. Em seguida, rúcula e azeite extra-virgem de oliva. A torrada deve ser banhada na água.

"Esta receita faz bem ao coração e dá muita alegria. A nossa cozinha deve muito ao tomate. E também ao Vesúvio. Sim, porque os tomatinhos do Vesúvio são absolutamente os melhores e os mais cremosos. São pequenos, com uma ponta", diz ela.

Setenta anos atrás, o agricultor Vincenzo Manzo já se dedicava a cachos do tomatinho. De um vermelho ardente, o tomate do Vesúvio é cultivado sem irrigação e nutrido pelas riquezas que a lava semeou um dia, principalmente o potássio.

Casas vesuvianas repletas de tomates suspensos ainda existem. Os cachos resistem à chegada do inverno em lugar fresco. A casca espessa limita a desidratação do fruto. Mas foi a pele dos italianos que impressionou, pelo brilho. E também o entusiasmo deles pela vida, aos 80 anos.

"Um dia, um médico veio aqui e falou que tínhamos vitamina C pura em casa. Eu como tomate todos os dias, com pão, macarrão, batata. Ponho tomate em tudo”, conta a dona de casa Ângela Guida.

Aos 72 anos, o produtor de tomate Antônio Minieri diz: "É o trabalho que me rejuvenesce. Trabalho 20 horas por dia. No mercado às 3h e depois no campo".

Esse modelo de alimentação nasceu com os camponeses e com os produtos que eles próprios colhiam.

"A Dieta Mediterrânea era um tipo de vida definido pelo percurso do sol no céu. Ao amanhecer, café da manhã. Ao meio-dia, almoço. No pôr-do-sol, jantar. Os alimentos são divididos em três porções. Comia-se mais no almoço. Hoje comemos mais no jantar. Este é o viver mediterrâneo. Não só comer, mas fazer uma atividade física importante", diz o professor de ciência da alimentação Carlo Cannella, da Universidade de Roma "La Sapienza", que criou a pirâmide alimentar da Dieta Mediterrânea, adotada pelo Ministério da Saúde da Itália.

Na base da pirâmide está o que deve ser consumido em grande quantidade: os vegetais frescos, as verduras e frutas contêm vitaminas, sais minerais, água, fibras e os polifenóis – moléculas que combatem o envelhecimento e as doenças degenerativas.

No segundo andar da pirâmide aparecem os carboidratos, que dão energia e podem ser consumidos todos os dias, em quantidades controladas. O macarrão, para os italianos, é como o arroz para os brasileiros.

"Nos Estados Unidos, as porções são enormes. Isso explica por que os americanos são gordos. Eles acreditam que comer mediterrâneo seja acrescentar a pizza e o macarrão na alimentação. Está errado. Devem substituir. Devem saber que um prato de massa são, no máximo, 80 ou 100 gramas. Certamente, o camponês que trabalhava na terra ficava insatisfeito. Mas para nos é suficiente", esclarece Cannella.

Carmela Abate, a brava chef tornou-se dona de restaurante. Uma das receitas napolitanas mais amadas é simples: espaguete com molho de tomate e manjericão. Aparentemente simples. Um molho perfeito exige dedicação.

Cozinhar no Mediterrâneo é usar o azeite extra-virgem até para fritar. É o único que resiste às altas temperaturas sem produzir substâncias danosas para a saúde. Cortados ao meio, os tomatinhos do Vesúvio são passados no azeite e no alho. Transformados em molho ou em massa, os efeitos benéficos do tomate, qualquer tomate, são ainda maiores.

Outra delícia napolitana, em quantidade aceitável, também é considerada medicina preventiva. Um dos mais criativos pizzaiolos das novas gerações, Enzo Coccia, se orgulha da equipe que formou. "Aqui dentro não tem um só grão de farinha que não esteja homogêneo. É uma trama de seda. É a habilidade deles. É a bravura deles. Eu me apaixono. Uma beleza!", explica.

Na cantina se respeitam tradições de 200 ou 300 anos. E também se inova. Mas nada se compara à pizza inventada em 1889 para homenagear a rainha Margherita de Savoia, com as cores da bandeira da Itália: tomate, mussarela e manjericão.

"Se não existisse o tomate, o que seria da pizza? Boa pergunta. Acho que não existiria. A pizza sem tomate perde o sentido, se torna uma massa vazia, sem alma", conclui Enzo Coccia.

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Família preserva receitas tradicionais

Reportagem: Ilze Scamparini (Costa Amalfitana, Itália)

Chegamos à Costa Amalfitana, uma das mais belas paisagens mediterrâneas, com as suas rochas brancas, um mar que ganha tons de verde esmeralda e os seus limões plantados no alto.

Entre Sorrento e Amalfi, conhecemos o dono de restaurante Alfonso Iacarini, escolhido pela Comunidade Européia como "cidadão da Dieta Mediterrânea". Há quatro décadas tenta reconstruir uma cultura e um modo de viver que com o tempo estão desaparecendo.

"Eu tive muitos encontros com o professor Ancel Keys. Foi um dos que inspiraram a minha pesquisa, que é também de cozinha", conta Alfonso Iacarini, que transformou um terreno íngreme na beira do mar, de difícil acesso, na mais bem-sucedida fazenda agrícola do sul do país, sem qualquer tratamento químico. Plantou vegetais que estavam desaparecendo na Itália, como o tomate “san marzano”, famoso pelo seu gosto levemente ácido e pela forma alongada. Plantou todos os tipos de frutas e verduras da nutrição mediterrânea.

No seu prestigiado restaurante, recuperou receitas tradicionais dessa dieta. O filho, o chef de cozinha Ernesto Iacarini, seguiu a mesma arte. No local também se trabalha com poucos ingredientes. Também no restaurante da família se trabalha com poucos ingredientes.

"Tudo o que a estação nos dá colocamos no prato. O período das pimentas é também o da passagem dos grandes atuns pelo Mediterrâneo", diz Ernesto Iacarini.

O outro filho, o especialista em vinhos Mário Iacarini, depois de dez anos na Alemanha, voltou para cuidar dos vinhos que os pais mantêm em uma imensa adega subterrânea. Nunca se afastou da dieta familiar, também um patrimônio afetivo.

"Quando eu ia embora, meu pai corria atrás do meu carro com os tomates, os azeites e os figos. Levei a cozinha da minha terra dentro de mim durante todo o tempo em que vivi no exterior", conta Mário.

Aventura do homem contra o peixe-espada

Reportagem: Ilze Scamparini (Sicília, Itália)

Sicília é uma ilha que já fez parte de um reino e que ainda mantém as diferenças sociais da sua história. Conhecida por suas paisagens fortes e pelo perfume de suas ervas aromáticas, a Sicília possui uma cozinha barroca, dos nobres, e uma de rua, muito colorida e popular.

A tradição culinária na Sicília é tão remota que o primeiro livro de gastronomia da História da Humanidade foi escrito por um siciliano no quarto século antes de Cristo. Arquestro di Gella descrevia os alimentos em uma poética bem humorada, criticava as misturas excessivas e ensinava como fazer o peixe, que, para um siciliano, sempre foi uma razão de viver.

Estreito de Messina é o ponto onde os mares Tirreno e Ionio se encontram. Um peixe romântico e fiel até a morte, passa pelo local no verão. O peixe-espada é um alimento importante na Dieta Mediterrânea. Os sicilianos fazem fila para comprar a sua carne nutritiva.

Como o atum, a sardinha e o alici, o peixe-espada pertence ao grupo dos peixes azuis, que possuem maior quantidade de gordura ômega-3, parecida com a vegetal, de tão saudável. A carne deles também contém mais selênio do que a dos peixes brancos.

O selênio é um mineral antioxidante que neutraliza os radicais livres, prevenindo o câncer; aumenta a produção de anticorpos; e ajuda no funcionamento da tireóide. Um laboratório da Universidade de Messina investigou a quantidade de selênio nos peixes azuis do Mediterrâneo.

"A quantidade é tão grande que bastariam 50 gramas por dia desses peixes para satisfazer todas as nossas necessidades de selênio”, diz o diretor do Departamento de Química de Alimentos da Universidade de Messina, Giacomo Dugo.

Na pirâmide alimentar italiana, o peixe ocupa o terceiro andar. Deve ser consumido duas ou três vezes por semana.

"O peixe tinha um papel preciso. A Itália tem muitos quilômetros de mar, mas são poucas as cidades agrícolas na costa. Os peixes mais caros eram para os ricos. O pescador comia o peixe azul. O peixe salgado, para dar sabor à polenta. Atum ou sardinha, conservados no óleo", conta o professor de ciência da alimentação Carlo Cannella, da Universidade de Roma "La Sapienza".

Fim de tarde em Gazirri, a poucos quilômetros do centro de Messina. Barcos de pesca com mastros altíssimos começam a se aproximar da praia. Um espetáculo quase em extinção. Um método de pesca do peixe-espada que está desaparecendo.

Embarcamos para acompanhar a aventura do homem contra o peixe. O capitão sobe no que chamam de torre ou antena. O barco, de nome Feluca, será pilotado lá de cima.

O pescador mais velho deles, Felipe, de 73 anos, diz que ver um peixe-espada do alto é algo emocionante. O peixe está sempre acompanhado e cuida da fêmea com muito zelo.

A longa passarela na proa, de 30 metros de comprimento, é estreita e perigosa. Serve para não perder o peixe de vista e para atingi-lo. A pesca, na verdade, é uma caça. O mar se agita – condição natural do Estreito de Messina.

O pescador Felipe também sobe a torre de 22 metros para chegar até a gaiola. Quanto mais pescadores estiverem lá em cima maiores as chances de se pegar o peixe-espada. A torre tão alta tem apenas uma finalidade: permitir que o pescador aviste o peixe.

O peixe-espada é dos mais velozes: viaja a 93 quilômetros por hora. Predador, com a sua espada mortal captura atuns e outros peixes. Vive em profundidade, a mais de 200 metros. Os pescadores observam do alto da cabine ou gaiola. Durante horas, nenhum sinal. O peixe-espada, com a sua índole solitária, se une à fêmea e não a abandona.

"No momento da pesca, macho e fêmea estão sempre juntos. Os pescadores tentam pegar primeiro a fêmea, porque o macho permanece fiel a ela e não vai embora. Se pescam antes o macho, a fêmea escapa", explica a bióloga marinha Laura Gugliota.

Tudo acontece rapidamente. O capitão desce e se lança na passarela. Pega o arpão, recebe ajuda lá de cima e atinge o peixe.

"É peixe-espada”, anuncia o capitão, que solta muita corda para que o peixe não fuja. O peixe-espada é laçado. Com a ajuda de um gancho, os pescadores colocam o peixe dentro do barco.

Seguindo o costume grego, o peixe é marcado e cortado. Uma parte vai para os pescadores, como na velha tradição.

O peixeiro vem a bordo para comprar o peixe, que é pesado ali mesmo: 65 quilos. Valor: 845 euros, o equivalente a R$ 2.500.

"Antes, vendo. Depois, pago", responde o peixeiro com bom-humor ao pescador.

Nos restaurantes, o peixe-espada se transforma em um dos pratos mais nobres da Dieta Mediterrânea.

O macarrão com sardinhas é um dos mais populares de Palermo, mas não supera a caponata siciliana, com berinjela. A berinjela possui a propriedade de limpar o colesterol das veias. É um vegetal muito usado pelos árabes, assim como algumas frutas secas.

"As nossas pesquisas farmacológicas demonstraram que acrescentar 20 ou 30 gramas de frutas secas na alimentação diária alonga, sem duvida, a vida. E deixa a velhice mais longe, tornando mais lentos os processos de demência senil. As frutas secas previnem o Mal de Alzheimer e combatem os radicais livres com muita força", esclarece Giacomo Dugo.

VÍDEO:

 

Sabores devem estar em harmonia

Reportagem: Ilze Scamparini (Marsala, Itália)

Conhecida pelo seu famoso vinho doce, Marsala foi fundada pelos fenícios no ano 397 antes de Cristo. Há 2.500 anos eles começaram a explorar o sal, um dos mais antigos conservantes de comida. A beleza das salinas, com seus métodos arcaicos, transformou a área em parque natural. As pessoas chegam de longe só para ver o sol se pôr.

Ao casar-se com um sicilano, a brasileira Lúcia Helena Mascaro conheceu uma nova gastronomia, repleta de verduras e legumes.

"Uma noção básica para mim é que um prato bem feito não depende da sofisticação dos ingredientes, mas sim da genuinidade. Isso é uma característica básica da cozinha Mediterrânea. Os sabores devem estar em harmonia, um não pode invadir o outro", explica a comerciante, que, acima de tudo, ganhou um cozinheiro.

"Tenho que dizer uma coisa: sou um homem de sorte. Primeiro porque sei cozinhar. E segundo porque a minha mulher gosta da minha cozinha", conta o marido de Lúcia Helena, o gerente de hotel Alfio Torrisi, que nasceu aos pés do Etna, na região de Catania.

O Etna é o vulcão ativo mais alto da Europa e um dos maiores do mundo. Sua altura muda com as erupções. Atualmente, o Etna mede 3.340 metros. A erupção mais longa da sua historia foi em 1614 e durou dez anos, quando o vulcão siciliano lançou mais de um bilhão de metros cúbicos de lava, que cobriram 21 quilômetros.

Como os vulcões sempre tornam férteis as terras ao seu redor, aos pés do Etna, se desenvolveu uma agricultura essencial para a gastronomia da Sicília. O grande vulcão em atividade constante é uma espécie de jardim da casa deles – de pedra lávica, mas com flores e cenas admiráveis.

Azeite faz bem ao coração

Reportagem: Ilze Scamparini (Ascea, Itália)

Gênova, no norte da Itália, é uma das capitais da Dieta Mediterrânea e um grande porto europeu. Na cidade do explorador Cristóvão Colombo, desembarcou no século XV, entre os artigos exóticos, uma folha de perfume intenso. Trazido da Ásia tropical, o manjericão cresceu no bairro de Pra, onde ainda hoje é colhido com cuidado extremo, em uma área reconhecida como a melhor do mundo para ele e para um dos pratos mais criativos de todos os tempos.

Gianpaolo Belloni foi escolhido como o embaixador do pesto genovese no mundo. Em três pilões de mármore, amassa os ingredientes. Alho, pinoli – uma semente da mesma família do pinhão brasileiro, mas bem menor. O manjericão fresco e queijo parmesão. No fim, azeite de oliva extra-virgem. Com movimentos circulares, faz a mistura ficar homogênea.

"É um molho cru. Todos os ingredientes são nutritivos. Não sendo cozido, não perde as suas propriedades", diz o chef.

No Brasil, o molho pesto também faz sucesso. Os italianos ensinam: deve ser diluído na água do macarrão.

"Antes, o pesto era bom, mas um pouco forte, porque se usava muito alho. Precisamos equilibrar tudo", ressalta Gianpaolo Bellooni.

O irmão, Luciano Belloni, confidencia: "É um molho amado pelos papas. Para Bento 16, é preparado sem alho".

Na Itália, a cultura do azeite foi levada pelos gregos e incentivada pelos papas. O clima mediterrâneo fez nascer a oliveira, árvore citada na Bíblia que pode viver mais de mil anos. O azeite de oliva, não é só tempero: é alimento – e até remédio.

Há quase 400 anos, o trisavô de Angelo Guidobaldi começou a extrair e a produzir o azeite de oliva. E já tomava uma colher todas as manhãs. Hábito que o trineto adotou.

"Tomar azeite em jejum é um velho costume. Serve para proteger o intestino de irritações e para melhorar o colesterol, impedir a difusão dos radicais livres", diz o produtor de azeite.

Na cozinha mediterrânea, o azeite substitui todas as gorduras. É fonte de ácido oléico, que protege das doenças cardíacas. Faz bem ao aparelho cardiocirculatório e ao diabetes do Tipo 2, reduzindo a taxa glicêmica. O azeite é também uma grande fonte de antioxidantes, como a vitamina E.

As pesquisas do Instituto Superior de Sanidade (ISS), em Roma, revelaram que dois componentes do azeite de oliva conseguem bloquear o colesterol, impedindo o começo de um dano vascular. A quantidade de consumo diário prevista pelos estudiosos são 30 gramas, ou três colheres de sopa.

Na pirâmide alimentar italiana, o azeite ocupa o quarto andar. Deve ser consumido todos os dias, com moderação, porque é muito calórico. A Dieta Mediterranea diminui o risco de enfarte, mas pode engordar se as quantidades não forem respeitadas.

Do total das despesas da União Européia, 7% são usados com doenças da obesidade. Uma lei inédita na Europa foi implantada na Itália. Na cidade de Ascea, no sul do país, o prefeito decretou: os restaurantes devem informar as calorias de cada prato.

Uma restaurante na praia, da brasileira Ana Paula de Noronha, foi o primeiro a apoiar a lei. "Vivemos em uma sociedade em que as pessoas são muito vaidosas, querem comer bem e – por que não? – manter a linha", comenta ela.

Os clientes não rejeitaram a medida. "É uma ótima iniciativa. Quanto mais consciência tivermos das calorias melhor. Depois, precisamos manter a dieta dentro de casa", diz o empregado de seguros Giancarlo Santoro.

"Meu conselho é não privar-se de nada. Porque a comida proibida se torna desejável e o motivo pelo qual depois se abandona a dieta. Precisamos aprender a ter autocontrole. O ato de comer deve ser alegre e prazeroso. A Dieta Mediterrânea é o prazer de estar à mesa", define o professor de ciência da alimentação Carlo Cannella, da Universidade de Roma "La Sapienza".

Vinhedos de Toscana

Reportagem: Ilze Scamparini (Toscana, Itália)

Se os ciprestes protegem a intimidade das colinas toscanas, as uvas promovem a festa da colheita. A uva "san giovese" é originária da região. No centro da Itália é onde se faz um dos melhores vinhos do país, o Chianti Clássico.

A Toscana tornou-se uma das regiões produtoras de vinho mais importantes do mundo. Fazendas históricas que pertenceram às mais nobres famílias de Florença se modernizaram e ajudaram a melhorar muito a qualidade do vinho italiano. O vinho é um dos produtos mais antigos da Dieta Mediterrânea.

A sétima geração da família Zonin, a maior produtora de vinho da Itália, toma três taças por dia para acompanhar a comida.

"Pense que 60 anos atrás a Itália consumia 120 litros per capita de vinho por ano. Hoje são 45. Se bebe bem menos da metade, mas certamente se bebe melhor, com mais responsabilidade", constata o produtor de vinho Francesco Zoning.

Nas vinhas estão o passado remoto. Tradições que vêm desde os etruscos, povo anterior aos romanos. Na fábrica, a tecnologia. O ácido inoxidável revolucionou a produção dessa bebida alcoólica, aumentou a higiene e reduziu as bactérias. O envelhecimento em barris de madeira continua a aprimorar o gosto do vinho tinto.

"Um vinhedo se parece com uma mulher. Delicado, difícil de entender. Mas depois que se descobre, se apaixona", compara Francesco Zoning.

Se a bebida sagrada nasceu no Irã ou no Egito, o Império Romano deu o grande impulso a sua produção. Na Itália se transformou em um líquido fermentado de uso cotidiano. Pelos polifenóis que contém, o vinho tinto pode fazer bem ao coração se for consumido durante o almoço ou o jantar em quantidade moderada.

Presente no topo da pirâmide alimentar italiana, o vinho é desaconselhável para hipertensos, mulheres grávidas, adolescentes e estômagos vazios.

"O vinho serve para divertir a nossa refeição. Contem álcool, uma molécula que nosso fígado não conhece e que metaboliza com dificuldade. Se esse álcool vem junto com os alimentos, o fígado metaboliza muito mais facilmente e não chega ao sistema nervoso central”, explica o professor de ciência da alimentação Carlo Cannella, da Universidade de Roma "La Sapienza".

"O vinho contém pelo menos 300 moléculas antioxidantes. O consumo deve ser relativo ao peso corpóreo. Para um homem de 70 ou 80 quilos, de duas a três taças por dia. Para as mulheres, de um a dois cálices", aconselha o diretor do Departamento de Química de Alimentos da Universidade de Messina, Giacomo Dugo.

As pesquisas indicam que é a combinação dos produtos da Dieta Mediterrânea que faz bem à saúde. Se a ciência investiga um número limitado de pessoas, médicos da Faculdade de Medicina da Universidade de Florença fizeram o que chamam de meta-análise: um estudo de estudos já realizados. O grupo analisou os benefícios dessa alimentação através de pesquisas dos últimos cinco anos feitas na Europa e nos Estados Unidos que envolveram 1,5 milhão de pessoas.

Uma descoberta: "Em todo o Mediterrâneo, nos últimos 25 anos, infelizmente diminuíram as pessoas que adotam essa dieta, pela importação do modelo americano, nocivo à saúde", afirma o médico Alessandro Casini, da Universidade de Florença.

A meta-análise comprovou o que já se sabia, mas faltava um modelo matemático-estatístico. Agora podemos dizer, cientificamente, que a Dieta Mediterrânea faz bem à saúde.

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As últimas delícias de Pompéia

Reportagem: Ilze Scamparini (Pompéia, Itália)

Vila dos Mistérios, Pompéia. Nos afrescos dominados pelo vermelho pompeiano, tom deslumbrante inventado na região, o rosto de um povo que deixou uma herança ainda moderna. A Dieta Mediterrânea não é uma invenção do nosso tempo, mas um tipo de alimentação que existe há séculos, comprovadamente há mais de dois mil anos. Os antigos romanos comiam peixe, cereais, algumas frutas e verduras, azeite de oliva e tomavam vinho. Em Pompéia, uma cidade que o Vesúvio destruiu no ano 79 da Era Cristã, foi possível estudar alguns alimentos que ficaram conservados pela lava do vulcão.

Era manhã de 24 de agosto quando os primeiros gases foram exalados. Depois as cinzas e as explosões. Naquele dia, a cidade deixou de existir e ficou soterrada até o século XV. Frutas secas de dois mil anos repousam em água destilada. Nozes e figos que os romanos usavam para ganhar energia. Espinhas de peixe, ostras e ouriços. Até um pão inteiro, que foi carbonizado há exatos 1929 anos e virou pedra.

Uma curiosidade histórica espantosa: dentro das "termopolis", uma espécie de fogão de rua, comerciantes mantinham comida aquecida com pedra vulcânica para vender aos que passavam. É o primeiro fast food de que se tem notícia.

A bióloga Ana Maria Cerallo esclarece que os ingredientes básicos da dieta antiga eram os cereais, o azeite e o vinho, usado também como conservante e remédio para infusões. Os pompeianos se curavam com a comida ou com o jejum. A medicina deles era dietética.

Na Pompéia dos dias de hoje, um estudioso de gastronomia antiga, ao descobrir que os romanos já gostavam de lasanha, começou a prepará-la com os grãos da época: trigo, grão-de-bico e cevada. A lasanha primitiva era temperada com algas e farinha de pão.

"A história nos trouxe o mito de que os romanos comiam mal. É uma difamação. Faz 25 anos que tento mostrar que, se hoje temos uma cultura alimentar extraordinária, isso se deve aos romanos", diz o dono de restaurante Marco Carli.

VÍDEO:

 

(© Globo Repórter)

 


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