A
CULINÁRIA ITALIANA
O óleo dos deuses
Foto: Manoel Marques
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Butique de azeite
Uma degustação por mês, a 60 reais por pessoa |
Se você acha que azeite é
simples tempero para salada, não sabe o que está perdendo. O tipo extravirgem é
uma iguaria que ganha a mesa dos brasileiros
Adriana Dias Lopes
A mitologia reserva um belo
capítulo ao nascimento da oliveira, cujo fruto, a azeitona, era uma das bases da
economia grega na Antiguidade. Poseidon, o deus dos mares, e Atena, a deusa da
sabedoria, disputavam a guarda de uma cidade prestes a ser fundada. Para
encerrar a contenda, Zeus, o maior dos deuses, resolveu que a cidade seria
consagrada a quem apresentasse a invenção mais proveitosa a seus habitantes.
Poseidon criou o cavalo – animal útil para o transporte e a agricultura. Atena
fez brotar a oliveira – uma árvore de aparência frágil, mas capaz de render
frutos valiosos, que alimentam e curam. Zeus ficou tão maravilhado com a
invenção da deusa que batizou a nova cidade de Atenas. O cavalo pode ter sido
injustiçado de uma perspectiva mais ampla, mas é preciso reconhecer que, trinta
séculos depois, os frutos das 700 espécies de oliveira são apreciados para muito
além das margens do Mediterrâneo. Em especial, o seu sumo: o azeite. Metade da
produção mundial de 3 milhões de toneladas é extravirgem, de primeiríssima
qualidade. É esse tipo que vem ganhando o paladar dos brasileiros. Hoje, 40% das
32.000 toneladas de azeite consumidas no país são de denominação extravirgem. Há
apenas cinco anos, essa proporção era de 20%.
O azeite extravirgem é o óleo
extraí-do da primeira prensa das azeitonas. Ou seja, quando elas ainda não
sofreram maiores manipulações. O resultado é um azeite mais nutritivo e menos
ácido – e muito, muito mais saboroso. O outro tipo de azeite é o virgem,
produzido a partir do bagaço da azeitona – a que já foi utilizada na fabricação
do extravirgem. Os produtos de primeira linha começaram a ganhar mercado no fim
dos anos 90, quando apareceram os primeiros estudos sobre as vantagens para a
saúde do azeite extravirgem. Como mantêm suas propriedades preservadas, os
extravirgens são ricos em substâncias antienvelhecimento (vitamina E e
polifenóis) e protetoras do sistema cardiovascular. "Uma das mais poderosas é o
ácido oléico, que ajuda a manter as artérias livres do colesterol ruim", diz o
cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, em São Paulo.
Óleo de fígado de bacalhau também
é ótimo para a saúde. Não é por fazer bem ao organismo que o azeite ganha espaço
à mesa. É porque é realmente um excelente tempero. Basta uma colher de azeite
para transformar mesmo um peixe sensaborão como o linguado num prato – dos
deuses. Há quem até faça degustação do óleo magnífico. Em São Paulo, a Oliviers
& Co., filial brasileira da maior loja francesa especializada em azeites,
promove uma sessão de degustação por mês. No ano passado, era uma por trimestre,
no máximo. O degustador desembolsa 60 reais para passar de quarenta minutos a
uma hora provando cinco amostras. Entre os azeites mais procurados (para horror
dos puristas), estão os aromatizados com manjericão, pimenta ou limão siciliano.
A mistura também pode ser com trufas brancas ou pretas. Cem mililitros (meia
xícara) dessa iguaria custam 76 reais – um preço à altura do Olimpo.
"Rançoso, mas delicioso"
Edu Lopes
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A
DEGUSTADORA
Paula Lopes
prova diariamente vinte variedades de azeite |
Aos 43 anos, a engenheira química portuguesa Paula Lopes alcançou um
posto de relevo em sua carreira. Recentemente, ela entrou para o seleto
Painel de Provadores de Azeite de Portugal. Cabe a Paula e outros sete
degustadores atestar a qualidade dos azeites portugueses. Responsável
pelos sabores dos azeites Gallo, ela trabalha na pequena cidade de
Abrantes, na região central de Portugal. Paula, que esteve no Brasil
para coordenar cursos de degustação, falou a VEJA.
Como é o ritual de
degustação do azeite?
A melhor maneira é usar o pão branco – sem tempero algum, nem mesmo sal.
Entre as provas, deve-se comer uma fatia de maçã para os sabores não
serem confundidos na boca. Para os leigos, o ideal é provar no máximo
cinco variedades de azeite. Acima dessa quantidade, torna-se mais
difícil diferenciar as sutilezas de sabores.
Como é a sua rotina de
degustadora?
Provo diariamente cerca de vinte amostras de azeite. Todos os anos, além
dos produtores portugueses, eu visito os principais países plantadores
de azeitonas: Itália, Espanha, Grécia e Tunísia. Nessas viagens, coleto
as amostras de azeite que serão utilizadas em nossos produtos.
A matéria-prima de um
mesmo azeite pode vir de outros lugares além de seu país de origem?
Um bom azeite tem, em média, 80% de matéria-prima do país de origem. A
maioria dos produtos contém de seis a dez tipos de azeitona. Os melhores
produtores da azeitona verdeal, por exemplo, a que dá o toque picante do
produto, estão tanto no Alentejo como no sul da Espanha. No mundo, são
cerca de 700 espécies de azeitona, que, combinadas, podem dar milhares
de variedades de azeite.
Há bons azeites fora da
Europa?
Não. Os melhores azeites são produzidos na bacia do Mediterrâneo. Uma
conjunção de fatores naturais propicia isso: o solo é argiloso e rico em
nutrientes essenciais para o desenvolvimento da azeitona, como zinco,
boro e magnésio. O clima temperado, por sua vez, é uma dádiva. Durante o
calor intenso do verão, formam-se as bolsinhas de gordura nas azeitonas,
que darão o azeite. Durante o frio forte do inverno, essas bolsinhas
param de crescer. Isso é necessário para que se preservem as vitaminas,
o sabor e o aroma do sumo.
Seu avô tinha uma
produção caseira de azeites, em Abrantes. Você tem boas lembranças do
produto fabricado por ele?
Passei a infância e a juventude consumindo o que ele produzia. Para
festejar a primeira colheita do ano, minha família se reunia e nós
devorávamos pão torrado com muito azeite. O azeite do meu avô, como
ocorre com qualquer produção caseira, era oxidado – ficava
demasiadamente exposto à luz durante o processo de elaboração. Só me dei
conta de que aquele azeite não era de tão boa qualidade aos 28 anos,
quando passei a trabalhar com produtos extremamente controlados. Mas a
boa lembrança do delicioso azeite rançoso do meu avô jamais sairá de
minha memória. |
(©
Veja)
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