No final do século XIX e inicio do século
XX, o Brasil recebeu uma grande quantidade de imigrantes, vindos dos mais
diversos países, como Alemanha, Japão, Itália, Líbano, Ucrânia, Polônia,
etc. Tratava-se de uma tentativa do governo brasileiro de “branquear” um
país essencialmente mulato, recém saído de séculos de escravidão.
Da Itália, bastante empobrecida, vieram principalmente
habitantes da região do Vêneto, que se fixaram, em sua maioria, em São
Paulo e no extremo sul do país. Como novos colonizadores, esses
imigrantes desbravaram as terras que receberam do governo e que ficavam
em regiões serranas de difícil acesso, uma vez que as terras mais planas
e férteis já estavam nas mãos dos alemães, que haviam chegado
anteriormente. As condições de trabalho eram extremamente precárias; foi
um período de grande e incansável luta para conquistar um ambiente
digno, que deixaria para trás os tempos duros de fome e sofrimento da
velha Europa.
Era, novamente, a conquista da América; o sonho de uma
nova vida, uma nova era. E do encontro de italianos e brasileiros,
nasceu uma cultura miscigenada, com traços originais e singulares.
Um dos testemunhos mais fortes dessa época e dessa
epopéia são as construções dos Moinhos Coloniais que, ainda hoje,
encontramos na região da Serra Gaúcha. Estes artefatos, destinados à
fixação das comunidades em torno da produção de farinha, são frutos do
conhecimento e da engenhosidade trazida pelo imigrante e do encontro, na
região, de novos materiais – basicamente a farta madeira da araucária, o
pinho brasileiro. Os remanescentes desses moinhos, encontrados aqui e
ali na exuberante paisagem da Serra Gaúcha, são belos e insubstituíveis
documentos do nobre encontro da técnica com a estética.
Mas apesar de sua importância histórica, estes moinhos
estavam fadados a desaparecer, pelo abandono e esquecimento típicos de
nossos dias.
Em 2003, num grupo de amigos, lançamos a idéia da criação
de uma rota turístico/cultural dos moinhos, e iniciamos uma campanha de
coleta de fundos para a recuperação de um primeiro exemplar, o Moinho
Colognese, de Ilópolis – pequena cidade encravada na Serra.
Para não cair num projeto nostálgico, decidimos agregar a
este moinho - que deveria ser restaurado para voltar a funcionar e
produzir farinha de milho para a polenta - um Museu do Pão e uma Escola
de Padeiros. Novas necessidades, usos contemporâneos. E assim nasceu o
projeto arquitetônico do conjunto.
Com uma linguagem contemporânea e bastante brasileira,
projetamos dois novos blocos em concreto e vidro que dialogam com o
velho moinho de madeira. Cem anos os separam no tempo, mas uma
idéia-força os une, e essa idéia é justamente a de uma “celebração da
madeira”. Tudo aqui é Araucária: o Moinho e seus mecanismos, as novas
varandas e os passadiços que lembram as casas dos imigrantes, os painéis
corrediços “brise soleil”, os capitéis dos pilares a lembrar as
fantásticas estruturas internas dos moinhos, e até o concreto armado,
marcado - como em fotografias - pelas formas de tábuas.
Com o tempo, todos estes elementos se aproximarão em
aparência pelo tom acinzentado do envelhecimento da madeira: mímese à
distância e verdade dos materiais quanto vistos de perto.
Neste pequeno conjunto, tudo é museu e museografia,
incluindo aí a arquitetura, o jardim, os objetos e seus significados. A
peça principal deste museu é o próprio moinho; no jardim uma coleção de
pedras mó - granito e basalto de várias cores e durezas, destinadas a
diferentes tipos de moagem de milho e trigo; no entorno, um pequeno
canal de água alimentado por uma nascente em baixo do moinho delimita os
limites do terreno do Museu; é uma referência e uma homenagem a Carlo
Scarpa, grande arquiteto, também do Vêneto, que tantas lições nos deixou
no diálogo da arquitetura contemporânea com a arquitetura antiga,
pré-existente.
Acreditamos que nesta obra a arquitetura cumpre seu nobre
papel de renovação cultural, protagonizando o reencontro da comunidade
local com sua história, agora em novas bases de sonhos e utopia:
arquitetura de raízes e antenas.
Manuel Touguinha - Diretor do Museu do Pão