Especialistas em nutrição indicam como
preparar dez alimentos aproveitando ao máximo seus benefícios à saúde
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAA
interpretação da composição bioquímica dos alimentos e de como esses compostos
interagem quando eles são processados deixou de ser matéria de ciência para ser
servida nas mesas dos restaurantes mais estrelados do momento. Sim, estamos
falando da tal gastronomia molecular, cujo expoente mais badalado é o chef
catalão Ferran Adrià, famoso por servir coisas como caipirinhas sólidas ou
presuntos líquidos.
Calma: não vamos falar sobre como preparar espumas de peixe ou
sopas cúbicas.
O que o interesse pelas moléculas dos alimentos trouxe à tona foi um novo olhar
sobre a nutrição humana. "Até recentemente, falava-se muito sobre os grupos de
alimentos e as quantidades de ingestão, sem levar em conta como as técnicas
culinárias modificam o aproveitamento dos nutrientes", afirma Andréa Esquivel,
especialista em nutrição clínica e em gastronomia e professora da Unopar
(Universidade do Norte do Paraná).
Para Glaucia Pastore, presidente da sbCTA (Sociedade
Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos) e professora da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), o interesse na preparação é algo mais atual
porque "também é recente o conhecimento sobre os alimentos funcionais".
A receita do momento inclui ingredientes como alimentos
funcionais, processos físico-químicos e biodisponibilidade (quantidade de
nutrientes absorvidos e utilizados pelo organismo). "O que buscamos hoje é
propor preparações que respeitem as características de aroma, paladar, textura
etc. e preservem ou potencializem os efeitos dos nutrientes", diz o
gastroenterologista Dan Waitzberg, professor da USP (Universidade de São Paulo)
e diretor do Ganep Nutrição Humana, de São Paulo.
Esquivel acredita que o prazer gastronômico tem também função
nutricional. "Ele estimula as papilas gustativas, a salivação etc., melhorando o
processo de digestão." Ela acrescenta que muitos conceitos da gastronomia, como
preparar vegetais al dente, estão perfeitamente de acordo com os princípios da
nutrição. Mas ninguém precisa ser um gourmet para aproveitar os novos
conhecimentos sobre alimentação.
As técnicas sugeridas podem ser facilmente realizadas em casa.
Algumas confirmam cientificamente as formas tradicionais de preparo. Outras
desafiam o senso comum, mas não exigem nenhuma pirotecnia culinária para serem
postas em prática. Leia a seguir como preparar dez alimentos importantes de
forma nutricionalmente adequada.
Cenoura
À primeira vista, a cenoura crua parece mais saudável. Mas, se
a idéia é aproveitar o betacaroteno (pró-vitamina A, de ação antioxidante), o
ideal é servir o vegetal cozido e regado com azeite. Isso porque as moléculas de
betacaroteno estão envolvidas por fibras e por moléculas de água. O cozimento
amolece essas fibras e diminui a quantidade de água, abrindo espaço para o
betacaroteno e deixando-o mais acessível ao organismo.
No cozimento em água, só uma pequena parte da pró-vitamina A
se perde -aquela que é hidrossolúvel (solúvel em água). Como a maioria dessas
moléculas são lipossolúveis (solúveis em gordura), elas se conservam. É por isso
também que regar a cenoura com azeite aumenta sua biodisponibilidade. O vegetal
pode ser cozido no vapor, o que conserva melhor as substâncias hidrossolúveis e
não deixa o alimento amolecer demais.
Quando a cenoura for consumida crua, o ideal é ralá-la em ralo
fino, misturá-la bem com azeite e deixá-la descansar por cerca de meia hora.
Brócolis
A hortaliça é da família das crucíferas, ricas em fibras e em
glucosinolato, com potencial efeito contra o câncer. Para ser digerível, precisa
ser cozida, mas, nesse caso, a idéia é submeter ao mínimo de calor para maior
preservação das fibras.
Uma forma de fazer isso é, após cozer no vapor, branquear o
vegetal (submetê-lo a choque térmico para interromper o cozimento). O mais comum
é mergulhá-lo na água fria ou deixá-lo sob água corrente. Porém, para preservar
melhor os nutrientes, passe o brócolis para um saco plástico e coloque-o em uma
bacia com pedras de gelo -assim, não entra em contato com a água e as
substâncias presentes no alimento não migram para ela.
Saltear o brócolis (fritá-lo rapidamente, com pouco óleo,
sacudindo a panela) também é bom para a saúde. Assim, o tempo de contato com o
calor é pequeno, diminuindo a perda de nutrientes.
Tomate
Embora o tomate tenha algumas vitaminas hidrossolúveis, hoje a
sua substância mais valorizada é o licopeno, por atuar contra alguns tipos de
câncer, como o de próstata e o de mama. Como a água está presente em grande
quantidade no tomate e o licopeno não se dilui nela, a substância é menos
disponível no alimento cru. Já o calor faz com que parte dessa água evapore,
facilitando a absorção do antioxidante. E, por este ser solúvel em gordura,
acrescentar óleo vegetal aumenta a sua biodisponibilidade. Nesse caso, a cocção
prolongada é bem-vinda. A melhor forma de aproveitar o licopeno é preparar um
molho de tomates usando azeite.
O tomate deve estar maduro. Quando verde, é rico em fitatos,
que dificultam a absorção de outros nutrientes. Para afastar preocupações com os
agrotóxicos, deve ser lavado e escovado. Outra dica é comprar o tomate não
totalmente maduro (mas não verde) e usá-lo após uma semana. Como a meia-vida dos
agrotóxicos usados não dura mais do que isso, eles tendem a se dissipar. Para
diminuir a acidez, tire a pele e as sementes, que contêm ácido cítrico, antes de
fazer o molho.
Uma forma de consumir o tomate cru e aumentar a
disponibilidade do licopeno, embora não tanto como no molho, é o gaspacho, sopa
fria típica da Espanha. Ao bater o tomate no liquidificador, quebram-se algumas
moléculas de água que prendem as de licopeno, e o azeite melhora a sua condução.
Leite
A fervura do leite mata microorganismos prejudiciais à saúde.
Mas, no leite pasteurizado, esse processo já foi feito. Além de ser dispensável
fervê-lo de novo nesse caso, isso pode fazer com que algumas proteínas se
percam. Na fervura, a lactoalbumina, principal proteína do leite, passa de
líquida para sólida. Com o calor, ela incorpora moléculas de oxigênio, formando
a espuma que sobe. Se o leite transbordar, é proteína que se perde.
Quando o leite esfria, a lactoalbumina solidificada vira uma
película na parte de cima. Embaixo, grudada nas paredes da leiteira, fica outra
proteína, a caseína. Não descarte essas películas: com elas, vão-se parte das
vitaminas e dos minerais.
Ovo
A proteína do ovo, considerada excelente, não se altera se o
alimento é cozido ou frito. Mas, se a cocção for excessiva, ele pode perder
aminoácidos importantes e outros nutrientes. E a digestibilidade da proteína é
menor se ela for aquecida por muito tempo.
Para não haver quase nenhuma perda nutricional, o ideal é
cozinhar o ovo por três a quatro minutos. Quem gosta de ovo duro pode cozinhá-lo
por até sete minutos, para que a perda seja pequena. O que não se recomenda é
esquecer o ovo na panela por mais de dez minutos. Nesse caso, surge ao redor da
gema um anel escuro. É o ferro que migrou do centro da gema e se ligou aos
aminoácidos sulfurados do ovo. Essa ligação não faz mal, mas torna o mineral
menos disponível.
Arroz integral
Fonte importante de fibras e vitaminas, esse alimento só se
torna digerível após ser cozido e hidratado.
Para conservar seus nutrientes, não lave o arroz. Possíveis
resíduos podem ser retirados manualmente.
No caso do arroz integral, não se recomenda refogar os grãos
antes, como é feito com arroz polido. Isso porque a casca do arroz integral,
além de manter os nutrientes do cereal, dificulta a entrada da água que hidrata
o amido para que ele possa ser digerido. O processo de refogar deixa mais dura a
parte externa e, assim, faz com que o cozimento demore mais.
Feijão
Rico em minerais, em fibras e em proteínas, o feijão precisa
ser hidratado não só para melhorar a digestibilidade mas também para diminuir a
concentração de fitatos, que dificultam a absorção de minerais. Porém, como
parte dos nutrientes é hidrossolúvel, se essa água for descartada, eles serão
perdidos.
Uma alternativa é usar a água em que o feijão ficou de molho
para o cozimento. Outra, que conserva ainda mais os nutrientes e acelera o tempo
de preparo, é colocar o feijão na panela de pressão, cobrir com água e levar,
sem a tampa, ao fogo. Quando a água começar a ferver, retire a panela do fogo e
tampe-a.
Deixe descansar por uma hora. Depois, complete com água quente
(a fria fará o feijão endurecer) e um pouco de óleo (para evitar a formação de
espuma) e leve ao fogo, na pressão, por 20 minutos.
Ervas e especiarias
As ervas aromáticas e as especiarias têm propriedades
antimicrobianas -matam microorganismos que deterioram os alimentos
(principalmente proteínas). Por isso, é interessante usá-las em marinadas para
carnes, aves e peixes.
Uma dica para uma erva comum na culinária brasileira, a
salsinha: ela é uma ótima fonte de vitamina C. Porém, essa vitamina se perde
facilmente com o calor. Para aproveitá-la, adicione a salsinha, picada na hora,
depois que a receita estiver pronta. Misturada ao alimento, mesmo após ele ser
retirado do fogo, ela acrescenta aroma e sabor.
Frutas Vermelhas
Essas frutas são ricas em flavonóides, especialmente as
antocianinas, fitoquímicos muito estudados por sua ação protetora contra vários
tipos de câncer. Nesses alimentos, o consumo sem processamento é o melhor.
Em alguns casos, o álcool ajuda a preservar e a extrair alguns
componentes antioxidantes. É o que acontece no vinho tinto. Pesquisas apontam
que misturar as frutas com uma pequena quantidade de álcool, como em um
coquetel, também tem esse efeito.
Se não puder consumir o alimento fresco, as formas mais
vantajosas nutricionalmente são a fruta congelada inteira ou a polpa feita em
casa. Para isso, bata as frutas no liquidificador, com o mínimo de água (se for
necessário) e guarde a pasta obtida no congelador em potes com tampa.
Peixes
Fonte de proteínas de qualidade e de ótima digestibilidade, o
peixe é rico em ômega 3, ácido graxo que contribui para o aumento do colesterol
"bom" (HDL). Para aproveitar melhor a gordura do peixe, o ideal é prepará-lo com
a pele -boa parte da gordura fica entre a pele e a carne e, com o calor, parte
dessa camada oleosa se entranha no peixe. Ganha-se no aspecto nutricional e a
carne fica mais macia e úmida.
Quando o peixe é frito, a absorção de ômega 3 diminui, porque
o peixe absorve ômega 6, presente no óleo. Este também tem sua importância
nutricional, mas, na fritura, compete com o ômega 3. Portanto, é melhor preparar
o peixe assado, embrulhado em papel-alumínio ou papel-manteiga. Assim, o calor
se propaga homogeneamente e o tempo de cozimento não é muito longo.
fontes: ANDRÉA ESQUIVEL,
especialista em nutrição clínica e gastronomia e professora convidada da
pós-graduação em nutrição da Unopar (Universidade do Norte do Paraná);
GLAUCIA PASTORE, presidente da sbCTA (Sociedade Brasileira de Ciência e
Tecnologia de Alimentos) e professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); NORKA BEATRIZ BARRUETO GONZALEZ,
professora do curso de nutrição da Unesp (Universidade Estadual Paulista)-Campus
Botucatu Agradecimento: Rei-Labor Material para Laboratório (www.reilabor.com.br)