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  A CULINÁRIA ITALIANA

Azeite: Santíssimo alimento

 

De grande simbologia bíblica, o azeite, nos dias de hoje, praticamente expulsou a manteiga da mesa e da cozinha

Flávia de Gusmão
flgusmao@jc.com.br

Segundo o Gênesis, quando as chuvas do dilúvio tinham cessado e a arca ainda navegava sobre as águas, o patriarca Noé teria soltado uma pomba que retornou trazendo um ramo de oliveira, a árvore cujo fruto é a azeitona, de onde se extrai o azeite de oliva. Esta é apenas uma das referências que a Bíblia traz sobre um alimento que ficou conhecido como ouro líquido, pelo seu valor no escambo, e que hoje praticamente baniu da cozinha e das mesas a manteiga.

No livro sagrado, ele simboliza a presença de Deus e do Espírito Santo, no nosso cotidiano moderno e hipertenso, ele ganhou contornos igualmente milagrosos quando a medicina lhe descobriu poderes de banir da corrente sanguínea o mau colesterol e desentupir artérias obstruídas por quantidades industriais de gordura animal, a manteiga, por exemplo.

A tendência humana de idolatrar símbolos fez o resto do trabalho, elevando-o ao altar dos hábitos saudáveis e, como sempre, alguns exageros foram cometidos em seu nome. Quem não já viu, por exemplo, um entusiasta da boa alimentação servir-se de uma salada e derramar meio vidro de azeite por cima, na crença do quanto mais melhor, ou, por outra, aqueles que o utilizam para temperar tudo, da pizza à sopa e ao feijão.

“Mesmo se tratando de gordura monoinsaturada, trazendo vários benefícios para o organismo como diminuição do LDL- colesterol, prevenção de câncer, antioxidante, prevenção de doenças cardiovasculares, deve-se controlar o consumo, em virtude de ser muito calórico. A quantidade recomendada por dia varia em torno de 1 a 2 colheres (sopa) ao dia”, diz a nutricionista Mabel Bethanan Freire, do Hospital São Marcos.

Demonizada pelos guardiões da saúde, a manteiga foi expulsa e seu consumo passou a ser encarado quase como falta grave. Pior para a culinária francesa, cujos chefs há pouco mais de uma década não tinham vergonha alguma em dizer que o segredo do sucesso resumia-se a uma palavra: “Du beurre, du beurre et encore du beurre”. “Manteiga, manteiga e mais manteiga”.

Desce a dieta francesa, sobe a mediterrânea. Países como Grécia, Espanha e Itália, para citar apenas três, não por acaso grandes produtores de azeite, nos venderam a imagem de uma culinária mais sintonizada com os novos tempos: saem os molhos encorpados e emulsionados (como o bérnaise), entra a técnica sotto olio, de conservar mantimentos – berinjela, funghi, ervas, alcachofra – imersos no azeite, de forma a promover uma troca de sabores entre as duas partes, além de aumentar sua durabilidade.

O casal de arquitetos Newman Belo e Madalena Albuquerque dividem, além do mesmo teto em casa e no trabalho, o apreço pela culinária mediterrânea, particularmente pela italiana. Na gourmeteria Just Mada, que ambos comandam dentro do escritório de arquitetura, o azeite tem lugar de destaque, especialmente nas conservas caseiras que são servidas como entradas.

Madalena, a gourmetrice de plantão, encontra em Newman, cuja primeira graduação foi em Farmácia, um alquimista curioso e ávido por novas experiências. Alecrim, aniz estrelado, açafrão e funghi são algumas das ervas e especiarias que ele utiliza para “saborizar” seus azeites – uma tendência verificada em vários níveis. Grandes marcas como a Pons, por exemplo, disponibilizam seus azeites saborizados com trufa negra, trufa branca, funghi e alecrim, mas a diversão parece ser criar seu próprio derivado. “É preciso esterelizar o vidro por 15 minutos em fervura e nunca contaminar o interior com algo não estéril”, ensina. Newman criou, inclusive, uma colher especial para degustação de seus azeites na gourmeteria.

Saborizar é a nova tendência

Chefs partem para inserir novos sabores e aromas no azeite extra-virgem. Para isso utilizam ervas, especiarias e até sementes de árvore

Longe vai o tempo em que o brasileiro tinha o azeite Gallo como única referência de produto. Apesar de ainda ser líder no mercado nacional, a marca portuguesa encontra uma concorrência bem mais acirrada do que antigamente. A abertura da economia para outros importados a preços bastante competitivos, aliada à curiosidade natural que move o nicho gourmet, que, por sua vez, encontrou respaldo em várias lojas no Recife, fez com que uma avalanche de marcas e nacionalidades despencasse por aqui. Isso sem falar nos próprios chefs que ora saborizam o produto, criando uma segunda via, ora em suas viagens ao exterior garimpam outras marcas e nacionalidades do “ouro líquido”.

O chef Edson Rosas e o sommelier Christophe Playoust, respectivamente do restaurante Raval e da butique de vinhos Pontevino, seguem esta linha. Playoust importa e comercializa uma linha gourmet da marca espanhola Pons, Rosas coleciona exemplares que já enchem uma bandeja. É nesta coleção onde está o apimentado azeite saborizado pelo chef catalão Ferrão Adriá. “É um hobby que eu tenho. Todas as vezes que viajo trago dois ou mais tipos de azeite. Costumo servi-los com pão e nem cobro nada do cliente. A não ser que ele deseje, realmente, fazer uma degustação”, explica.

RAÍZES

É através dos azeites que o chef César Santos revive a tradição das garrafadas – infusão de ervas com suposto efeito medicinal. Alho, aniz estrelado, cardamomo, pimentas, canela, urucum, alecrim são alguns dos ingredientes que ele adiciona ao azeite extra-virgem e distribui aleatoriamente pelas mesas do seu restaurante, o Oficina do Sabor. “Quando eu era criança, azeite era só para ocasiões festivas ou para uso medicinal”, lembra César, “que bom que agora o preço baixou, tornando o produto mais acessível”, comemora.

Alquimista culinário nato, Douglas Van Der Ley foi além. Numa de suas visitas freqüentes ao Mercado de São José deparou-se com um vendedor de sementes de imburana e foi atraído pelo forte aroma. Imaginou imediatamente transportá-lo para as criações culinárias do seu restaurante, o É. O azeite era o melhor instrumento para fazê-lo. Hoje, ele o utiliza para dar acabamento em vários pratos e surpreende todos com o sabor obtido.

O chef Duca Lapenda resolveu profissionalizar o que os colegas fazem de maneira informal. Criou sua própria linha de azeites saborizados, envazados em garrafinhas com a logomarca do seu restaurante, o Pomodoro Café, e a tampa vedada com cera de lacre. Um presente irresistível.

O restaurateur Nicola Sultanum, do Mingus, já pensou seriamente em realizar degustações de azeite, mas acredita que, apesar de gourmet, o público recifense ainda não está preparado para este ritual. Por enquanto, ele coloca em cada mesa uma azeite preparado na casa. Como raridade, também artesanal, ele produz o azeite de bisque, que mistura ao azeite um caldo feito com a casca e a cabeça do camarão.

Chef português não vê limites para seu uso

Carlos Madeira é o elo de ligação entre o azeite Gallo (um dos mais conhecidos pelos brasileiros) e o consumidor. Como consultor e chef, ele realizar cursos de culinária e workshoscom o objetivo de divulgar a versatilidade do azeite. Nesta entrevista, ele fala sobre novas tendências.

JORNAL DO COMMERCIO – Houve uma mudança radical no consumo de azeite no Brasil. A manteiga foi banida das mesas e grandemente substituída nas cozinhas. Por que a mudança?

CARLOS MADEIRA – Tudo tem a ver com dois fatores: Primeiro com os conhecimentos nutricionais que estão hoje em dia presentes nas nossas mentes, muito através das novas gerações e da mídia, incluindo o mundo fantástico da internet, que nos transmite conhecimentos mais profundos dos ingredientes, nutrientes, tabelas alimentares, todos “palavrões” pouco ou muito pouco existentes 30 anos atrás. Veja-se o declínio da cozinha francesa e o aparecimento da cozinha mediterrânea, onde a naturalidade dos ingredientes faz trunfo, onde os alimentos de origem animal tendem a ser substituídos por origem vegetal (manteiga vs. azeite por exemplo). Tudo isto influenciado por outro fator, a meu ver secundário, mas determinante nesta mudança, que é o de ser moda utilizar azeite, é o renascer do “ouro líquido” a ter um peso determinante nas nossas escolhas. Este segundo fator vai buscar bases ao primeiro, sendo que a moda é cíclica, mas em espiral, pois as mudanças apontadas inicialmente vêm dar suporte e bases ao que o que acontece hoje seja fruto de consumidores mais exigentes e esclarecidos, sendo este caminho irreversível.

JC – Como a cozinha contemporânea portuguesa tem tratado o azeite?

MADEIRA – O azeite é a nossa tradição! Todos nós temos memórias ligadas aos rituais do azeite, ao cheiro e sabores da nossa infância, acho mesmo que mais nenhum produto resiste tanto como este. Dentro da cozinha contemporânea existe um lugar muito próprio, sendo que as escolhas hoje, recaem em variedades, graus de acidez, tipo de azeitona utilizada, sendo que nunca pondo em cheque a sua utilização. Existem alguns restaurantes, em Portugal, onde o cliente escolhe qual a variedade que quer, segundo o seu gosto e o prato a que se destina, que nem escolha de vinho. A escolha de um azeite é mais do que a utilização de um azeite.

JC – Desconstrutores como o catalão Ferran Adriá representam uma nova fronteira para o uso do produto?

MADEIRA – Tal como Ferran Adriá prova, a fronteira não existe! São ilimitadas as utilizações do azeite. Quem pensava em gelificar azeite? Em “servir” aroma de azeite? Tudo isto vem provar que a imaginação não tem limites. O que torna tudo isto mais profundo prende-se com a vertente tradição a manter e mesmo a aumentar a sua presença. Em nossas casas continuamos a ter o lugar de destaque ao produto.

JC – Quais as novas tendências na gastronomia mundial para o setor?

MADEIRA – Penso que a tendência será pela utilização de azeites diferenciados por confecção, ingredientes e gosto pessoal (este fruto de mais exigência na escolha e de mais variedades). Podemos ainda referir as “monocastas”, tal como nos vinhos, a fazerem história, bem como os azeites assinados por chefs, “alimentados” por receitas e utilizações específicas.

JC – O azeite português sempre teve credibilidade entre os brasileiros. Agora, no entanto, a concorrência é muito maior. Como manter a preferência nacional?

MADEIRA – A marca é líder no Brasil há muitas décadas e esta liderança tem vindo a ser reforçada ano após ano. Gallo irá continuar a estar muito próximo das famílias brasileiras, oferecendo sempre produtos de elevada qualidade. Estes são o resultado de uma ampla sabedoria dos mestres lagareiros de Gallo, cujo expertise já remonta a 1919.

JC – Quando desejarmos criar uma receita que realce o sabor de um azeite o que devemos observar?

MADEIRA – Devemos ter em conta se o prato vai ser servido quente, frio, se é uma entrada, uma sopa, um peixe, e qual o tipo de peixe, bem como a confecção escolhida, o mesmo para as carnes, brancas, vermelhas. No fundo um azeite extra-virgem é sempre uma escolha acertada, pois as suas características-base são muito adaptáveis às variáveis apresentadas.

(© JC Online)


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