Luiz Américo
Camargo e Jacques Trefois
O título desta página não é um lapso ou um
pastiche. É uma referência direta ao ano de 2003, quando a revista do New
York Times produziu uma reportagem de capa com Ferran Adrià e a revolução
culinária espanhola. O frisson era em torno de uma "nueva nouvelle cuisine",
que, de fato, acabaria influenciando todo o mundo da gastronomia.
Queremos aproveitar o mote do jornal americano - porém mirando em outro ponto no
mapa da Europa - para acrescentar mais um idioma na salada lingüística e
formular a pergunta: seria a Itália a Espanha da vez? A julgar pela qualidade
dos novos chefs, pelo frescor de idéias combinado a um invejável patrimônio de
pratos e receitas , pelo entusiasmo, essa nuova cucina vem para se afirmar como
a próxima grande onda.
Se há influências espanholas nessa retomada italiana? Não há dúvida que sim.
Talvez não diretamente ligadas à cozinha inventiva catalã ou às experiências
bascas. Mas principalmente na atitude de, a partir das próprias tradições, da
pesquisa dos melhores produtos locais, construir uma linguagem própria, que não
rompa levianamente com a História, mas seja livre para apontar um futuro. Suas
criações, entretanto, não são tão herméticas. Não abusam de menus longuíssimos,
intrincados. São inteligentes, mas também para o prazer, e aí reside o ponto de
equilíbrio entre a vanguarda e o clássico.
Não é fácil inovar num país onde já existem coisas tão perfeitas quanto um
espaguete ou um tortelli, onde o ápice do sabor pode estar num simples ovo na
manteiga com trufas. Onde as gastronomias regionais parecem capazes de gerar
subdivisões sem fim e a afirmação dos sabores típicos se faz província a
província, comuna a comuna. Mas parece que os modernos cuochi descobriram que
tudo isso está a seu favor, não contra.
Há quatro meses, no último Lo Mejor de la Gastronomia, simpósio realizado
anualmente em San Sebastián, Espanha, os italianos foram a grande força. Não que
Ferran Adrià, Martín Berasategui e Quique Dacosta não tenham exibido brilho na
defesa de seus pontos. Porém, o vigor e a clareza de propostas de chefs como
Massimo Bottura e Carlo Cracco provaram que os ventos criativos estavam soprando
também em outros pontos do Mediterrâneo.
Jogando no próprio campo, no início do ano, dentro do pujante congresso Identità
Golose, em Milão, criado pelo jornalista Paolo Marchi, os italianos levaram a
limites pouco explorados nacionalmente a idéia de cozinha de autor. Não por
acaso, entre os poucos estrangeiros estavam convidados do porte de Andoni Luis
Aduriz, Heston Blumenthal e Alex Atala.
Nesta edição, queremos discutir como essa nuova cucina chegou a tal estágio, e
apresentar alguns de seus principais representantes. Mostrar que as origens nos
remetem aos anos 70, quando Gualtiero Marchesi fez a principal revolução
gastronômica do século 20 no país. Que, ainda que com diferenças de estilo,
outros chefs seguiram conduzindo bandeiras modernizadoras, caso de Fulvio
Pierangelini e Davide Scabin, até chegar à geração de jovens cozinheiros como
Paolo Lopriore, Adriano Baldassarre, Enrico Crippa e Gennaro Esposito.
Mas queremos destacar a importância daquele que talvez seja o mais criativo chef
de seu país. Trata-se de Massimo Bottura, autor do belíssimo prato (ou taça?)
que ilustra esta capa - não por acaso, uma transgressão do ravióli. Chef da
Osteria Francescana, em Módena, ele enviou com exclusividade para o Paladar um
depoimento em que reflete sobre a atual gastronomia italiana.
Bottura, que praticamente já acertou sua vinda ao Brasil no próximo mês, para
realizar jantares no D.O.M., é mesmo o tipo de cozinheiro que, unindo poesia e
argúcia, é capaz de colocar uma lasanha dentro de um Thermomix e fazer com que a
comida de vanguarda desperte tanto apetite quanto uma polenta ou um cotechino.
1978
O milanês Gualtiero Marchesi, hoje com 78 anos, ganha a primeira estrela
Michelin (a terceira viria sete anos depois). Apontado como o maior cozinheiro
italiano de todos os tempos, influenciou gerações inteiras de chefs.
1991
Talvez o maior cuoco italiano da atualidade, Fulvio Pierangelini abriu seu
Gambero Rosso em 1980. Dono de uma técnica impecável, criou há 17 anos um dos
pratos mais imitados do mundo, a passatina de ceci con gamberi.
1998
Davide Scabin, do Combal.Zero, radicaliza nas experimentações. São daquela época
pratos como o cyberegg (gema e caviar apresentados dentro de uma esfera
plástica) e a zuppizza, versão líquida da especialidade napolitana.
2000
Massimo Bottura, da Osteria Francescana, em Módena, trabalha por quatro meses
com Ferran Adrià, no El Bulli, e afina ainda mais a faceta inventiva de sua
cozinha. Nos anos seguintes, o chef entra na fase mais produtiva.
2006
Aos 28 anos, Massimiliano Alajmo, do Le Calandre, torna-se o chef mais jovem a
conquistar a terceira estrela Michelin. Logo depois, ele e o irmão Raffaele
abrem o Calandrino Tokyo. A nuova cucina chegava ao Japão.
2008
Os chefs italianos, que no ano passado já tinham sido destaque de eventos como o
Lo Mejor de la Gastronomia, em janeiro mostram toda a pujança de sua cozinha no
congresso Identità Golose, realizado em Milão.