A
CULINÁRIA ITALIANA
A busca pelo melhor chocolate do mundo
Em um canto remoto da aldeia global, um
italiano acredita que desenvolveu a melhor de todas as receitas de
chocolate. Claudio Corallo vive em uma ilha perto da Nigéria e envia sua
pequena produção de chocolate para o mundo todo.
A maioria das pessoas não tem idéia do que é chocolate - ou do que pode ser,
diz Claudio Corallo. Aos 56 anos, com o bigode grisalho e olhos suaves, ele
pega seu canivete e corta uma fatia de uma barra de chocolate à sua frente:
70% de chocolate com uvas passas em licor de cacau. Ele a cheira e então se
inclina para trás e observa os provadores fecharem os olhos e deixarem-se
dominar pelo sabor forte e aromático do cacau, a doçura das uvas e a
essência do álcool. Ele sorri.
"Então?", pergunta.
Segundo Corallo, qualquer pessoa que experimenta seu chocolate pela primeira
vez percebe que nunca comeu chocolate de verdade. Ele acredita que nada se
compara a seu chocolate 75% com gengibre, seu chocolate 80% com açúcar
cristal, ou o rei de todos: chocolate 100% puro.
Corallo assumiu como missão criar o melhor chocolate do mundo. Seu
laboratório fica atrás de sua casa na estrada de praia de São Tomé, capital
de um pequeno e remoto país do qual poucas pessoas já ouviram falar - São
Tomé e Príncipe, uma antiga colônia portuguesa ao largo da costa da Nigéria
e que consiste em dois arquipélagos vulcânicos no golfo da Guiné.
No século 19, as ilhas eram conhecidas principalmente por duas coisas:
escravos e cacau. Hoje elas ainda têm o cacau.
Corallo nasceu em Florença, mas vive na África há 34 anos. Aprendeu sozinho
tudo o que se pode saber sobre chocolate.
Ele e suas criações são célebres nas revistas gourmets. Ele envia o "Corallo
Cacao" - um produto de luxo em um país onde muito poucas pessoas podem
gastar 10 euros por 130 g de chocolate - para a França, Itália, Espanha, EUA
e Japão. Mas está lutando uma batalha solitária. Está mais interessado em
dar ao mundo honestidade do que luxo.
"Chocolate, hoje, é muita conversa, muito açúcar e muita embalagem", ele
diz, pegando uma caixa de sua prateleira. "Este é 100% cacau da Venezuela,
muito caro." Ele o cheira, coloca um pedaço na boca e faz uma careta.
"Gorduroso, amargo, sem aroma. Se isto é considerado bom, eu tremo ao
imaginar o que seria ruim. Mas com o nosso chocolate você pode sentir o
gosto da fruta."
Seus inimigos são as corporações multinacionais que controlam a indústria de
chocolates, processam cacau de baixa qualidade e usam tecnologia para
torná-los comestíveis. "Eles os colocam em uma concha, uma máquina que se
destina a retirar o sabor do cacau", diz Corallo, referindo-se a uma máquina
que supostamente refina o cacau. "O cacau é moído finamente na máquina e
aquecido a 80 graus, e nesse ponto perde totalmente o sabor. Eles
acrescentam baunilha para lhe dar novamente aroma, chamam de delícia e as
pessoas pagam até 100 euros por quilo de leite por um produto morto! O
chocolate ao leite comum do supermercado é muito mais honesto", diz Corallo.
Tratando os grãos como uvas
Há três coisas que Corallo mais ama na vida:
café, cacau e coco. Ele começou com o café. Tinha 22 anos quando deixou a Itália
para o Zaire, porque tudo na Itália parecia pronto demais para o seu gosto. Ele
pegou duas plantações abandonadas e começou a cultivar café. Houve longos
períodos em que ele não deixou sua plantação de 2.500 hectares na selva, a 1.600
km pelo rio até a capital, Kinshasa. Ele contraiu malária e esquistossomose, uma
doença insidiosa causada por vermes parasitas. Mas amava seu café, e diz que foi
o primeiro a tratar o café como um viticultor.
Então veio a guerra. Rebeldes ocuparam os campos de café e, em 1993, Corallo
fugiu com sua mulher e dois filhos para São Tomé. Foi assim que ele encontrou o
caminho do cacau. No início a família morava em uma cabana de madeira na praia
em Príncipe, a ilha menor. Havia tão pouca gente na área que às vezes eles
andavam nus. Em caminhadas pela floresta Corallo encontrou velhas plantas de
cacau, descendentes das primeiras trazidas do Brasil para a África em 1819, por
ordem do rei português.
Essas plantas não são segredo. São menos produtivas que as híbridas modernas
usadas pelo resto da indústria de chocolate, mas os grãos têm um sabor muito
melhor. E para alguém que quer fazer o melhor chocolate o cacau é o mais
importante.
Corallo levou anos para descobrir o método certo. Ele fermenta os grãos durante
duas semanas, como as uvas usadas para fazer vinho. Isso desenvolve seu sabor.
Dificilmente alguém fermenta os grãos tanto tempo quanto ele.
Depois eles são secos em um forno e mulheres de aventais e máscaras brancas
sacodem os grãos e removem manualmente as sementes amargas. Um ventilador
caseiro sopra a poeira fina dos grãos. A pasta de cacau é feita no final. A
maioria dos outros detalhes é secreta.
Corallo não gosta de lidar com a parte comercial da coisa, o que talvez explique
por que sua empresa não floresceu. Ele não fala inglês e raramente vai à Europa,
que acha que mudou para pior. Refere-se a Florença, sua cidade natal, como uma
Disneylândia para turistas, um lugar sobrecarregado de luxo, onde "não existem
mais carros normais".
Corallo é um perfeccionista, um homem obcecado pelo sabor e os resultados. Não é
uma pessoa fácil de se conviver. Sua mulher se divorciou há pouco tempo e hoje
vive em Lisboa.
Ele pega seu facão e sobe em seu Fiat Cinquecento turquesa, pronto para dirigir
até a plantação. "Acredito que a indústria de chocolate tem medo de nós. E deve
ter mesmo. Quer um pouco mais de 75% com pedacinhos de cacau?"
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Mídia Global) |