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Na boca do povo
Básico, simples e apetitoso: o pão é o símbolo do alimento universal por Marcia Bindo É de manhãzinha quando sai a primeira fornada. Dá quase para escutar o canto do pão, estalando de quente, anunciando o começo de mais um dia. Na vitrine, espremem-se baguetes, broas, ciabatas, bisnagas, folhados, exalando seus aromas e, psiu!, chamando a atenção da freguesia.Num canto do balcão um sujeito se delicia com um singelo pingado com pão na chapa, enquanto o impaciente senhor, já na fila do caixa, não resiste e arranca um naco de pão pelando que acaba de comprar. Com água na boca a moça pede para embrulhar croissants, já a criançada quer mesmo é atacar os minipães de queijo. Assim, a padaria que nunca dorme ajuda a cidade a despertar melhor. E comprova que o pão, em todas as suas variações, é o alimento mais democrático que existe: tem para todos os gostos. E a toda hora. Estrela do café-da-manhã, tem participação especial no almoço, bate ponto no lanche e faz um bico até no jantar. É o nosso crocante companheiro de todas as refeições.O pão é mesmo nosso velho conhecido. Foi o primeiro alimento manufaturado pelo ser humano e também é o mais simples: sua base leva apenas farinha, água e sal. Ao mesmo tempo, é o mais plural. Sua massa aceita diferentes formas, ingredientes e sabores.“O que varia é o tipo de fermentação, o tempo de descanso, o trabalho na massa e o principal: a dedicação do padeiro”, afirma Toninho Neto, um dos donos da Basilicatta, tradicional padaria paulistana fundada por seu tio-bisavô italiano em 1914 na Bela Vista. “Foram os imigrantes italianos e portugueses que transformaram o costume de fazer pães rústicos em um meio de ganhar a vida”, diz ele, enquanto retira fumegantes pães redondos do forno a lenha. No início, as padarias se concentravam nos centros urbanos, eram escassas, distantes, e os fregueses costumavam comprar peças enormes para durar toda a semana. A popularização do francesinho de 50 gramas começou a partir dos meados do século 20, quando as pessoas passaram a comer mais fora de casa, e os lanches viraram mania. O pão francês caiu, literalmente, na boca do povo (francesinho que, aliás, deveria se chamar brasileirinho, já que é uma invenção nacional apenas inspirada nas longas baguetes francesas). Foi só a partir da década de 90 que as padarias começaram a apostar na diversidade de pães para conquistar o paladar da clientela.Nessa época, os supermercados cresceram e criaram panificadoras internas, além de vender pães industrializados menos perecíveis, fazendo com que as padarias perdessem metade de sua participação no mercado de pães. Desde então, as padarias começaram a se reorganizar, e ampliaram seu leque de produtos e tipos de pães.E converteram- se em um fast food, digamos, mais saudável, oferecendo lanches e pães de tudo quanto é tipo e para todas as refeições. “O pão deixou de ser um acompanhamento para virar o alimento principal”, diz Dario Vianna, professor de panificação e confeitaria da Universidade Anhembi-Morumbi, em São Paulo.Hoje, 40 milhões de brasileiros vão diariamente a uma padaria, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), e o consumo de pão por ano chega a ser em média 100 quilos por pessoa. Tanto consumo, claro, pede moderação. A partir de agosto será obrigatório pela vigilância sanitária a impressão de tabelas nutricionais nas embalagens de todos os produtos de padaria, inclusive nas embalagens de pães. “O consumidor terá, além do preço e ingredientes, a informação do valor nutricional e calórico”, diz Regina Rambaldi, técnica em nutrição e consultora gastronômica.
Do grão ao pão
Todo pão que consumimos hoje é resultado de uma herança ancestral repassada no decorrer de gerações e culturas. Os primeiros pães surgiram no início da agricultura, com o cultivo de grãos, há cerca de 12 mil anos. No começo era uma mistura de diferentes grãos moídos e água, uma pasta que era cozinhada sobre pedras quentes, formando uma massa seca e dura. Alguns milhares de anos depois, nas margens do rio Nilo, onde a produção de trigo era abundante, os egípcios perceberam que a massa dessa farinha umedecida,depois de um bom tempo, ficava mais porosa. E na hora de assar, a tal mistura crescia mais que o normal, ficando fofa e leve. Era a descoberta do processo de fermentação. De lá para cá o pão conquistou espaço em todas as sociedades, ganhou novos formatos e ingredientes. E transformou-se em um alimento universal. “O pão é um elo de semelhança entre os homens porque é encontrado em todas as culturas. Por outro lado, cada lugar tem um jeito diferente de fazer seu próprio pão, de acordo com seus hábitos e ingredientes disponíveis na região”, conta o fotógrafo de culinária Paulo Braga, autor do livro O Pão da Paz, que reúne as receitas típicas de pão de todos os 194 países membros da ONU. Enquanto beliscamos broas de milho caseiras recémsaídas do forno, Paulo conta que a idéia surgiu depois do atentado de 11 de setembro em Nova Yorque.Pacifista convicto, decidiu escrever sobre um alimento comum a todos, que simbolizase a paz,a comunhão.Depois de um ano fermentando a idéia, o livro cresceu e ganhou forma.Agora sairá um segundo volume polvilhado de receitas de pães étnicos, regionais e religiosos das mesas do mundo inteiro.
Hora da partilha
Paulo leva ao pé da letra o símbolo do pão como alimento de comunhão: tem uma confraria de pão, a Mondo Pane.Uma vez por semana, ele se reúne com cinco amigos para fazer pão, falar de amenidades e tomar vinho. “Não há nada mais gostoso do que produzir o próprio pão, se envolver com a massa, ser presenteado pelo aroma fantástico que desprende do forno e ainda degustá-lo com bons companheiros”, diz ele. A própria palavra companheiro em latim significa “aquele com quem se compartilha o pão”. Pois se há um alimento que, por seu formato e consistência, pressupõe a divisão, ele é o pão. O alimento ganhou caráter sagrado em muitas religiões e culturas.“Na última ceia, Jesus Cristo compartilhou com os apóstolos o pão e o vinho, representando seu corpo e seu sangue, e em uma passagem dos Evangelhos ele realiza o milagre da multiplicação dos pães para alimentar uma multidão”, conta Don Bernardo Schuler, há oito anos chefe de cozinha do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Lá são elaboradas algumas dezenas de unidades do famoso pão de mandioquinha, batizado de pão São Bento, uma receita secular guardada a sete chaves e que desaparece como milagre da lojinha improvisada ao lado da igreja do Mosteiro. Especializado na produção artesanal de pães e bolos, Don Bernardo fala que a feitura de pão necessita um ingrediente especial: paciência. E conclui: “ É preciso tranqüilidade porque o estado de espírito interfere na qualidade da massa”.
Ofício de artesão
O padeiro Olivier Anquier pede para eu abrir alguns de seus pães com as mãos para sentir a textura mais consistente e o aroma de um pão artesanal.O francês conta que o pão rejeita a modernização, já que não suporta uma grande aceleração em sua produção. “O pão é um ser vivo, tem uma temperatura certa para render bem e, depois do trabalho, precisa de muito descanso.” Olivier é a terceira geração de padeiros de sua família e hoje produz pães para uma grande rede de supermercados em São Paulo. Explica que a diferença fundamental entre os pães considerados artesanais e os industriais está na elaboração. No pão artesanal, há maior manuseio de ingredientes e massa, quase sempre fermentada naturalmente. “Pães industriais exigem máquinas, pouco contato humano e mais produtos químicos, como melhoramentos e conservantes, para garantir vida longa ao produto”, conclui a chef de panificação Sandra Canella-Rawls, autora do detalhado livro Pão,Arte e Ciência. Mas o pão também ganhou com as conquistas modernas. A farinha nunca apresentou tanta variedade e qualidade, e há uma gama de cereais nutritivos sendo usados nas massas. Mais bons motivos para você escolher melhor e abocanhar com gosto o pãozinho nosso de todo dia.
Multiplicação dos pães
A base de todo pão é a farinha de trigo. Mas nem por isso são todos farinhas do mesmo saco. O pão se diferencia pelo tipo de farinha de trigo usado e também pelos demais ingredientes. O grão do trigo é composto de três partes: o miolo da semente (endosperma), com mais quantidade de proteínas e carboidratos. Mais próximo da casca, o germe é onde a futura planta irá brotar. Tem vitaminas, minerais e algumas proteínas. O farelo é a casca da semente, repleta de vitaminas e fibras. Por isso, preste atenção nas características dos principais tipos de pães: • Pão branco: Feito com o grão refinado, em que só o miolo do grão é aproveitado, é pobre em vitaminas, minerais e fibras, mas rico em carboidratos, importante para dar energia ao corpo. Injustamente acusado de ser inimigo dos regimes e de provocar os famosos “pãezinhos” na região da cintura o pão na verdade não possui tantas calorias, se ingerido com moderação. Um pão francês têm em média cerca de 120 calorias. • Pão integral: O grão é aproveitado integralmente, por isso é rico em vitaminas, minerais e fibras. Muitos são enriquecidos com sementes de girassol, linhaça, aveia, flocos de milho, soja e farelo de trigo. As fibras ajudam o intestino a funcionar melhor, é mais nutritivo e dá uma sensação maior de saciedade. Recomendado para todas as pessoas, especialmente para quem sofre de problemas intestinais. Hoje é possível encontrar uma série de pães integrais nas prateleiras dos supermercados e em padarias. • Pão doce: São acrescentadas na massa açúcar, banha ou manteiga, ovos e leite. Por isso possui maior quantidade de gordura em relação aos outros tipos de pão.É recomendável que pessoas acima do peso controlem o seu consumo. Já os diabéticos devem optar pelos pães doces diet.
Pão fresco
Como garantir o sabor do seu pãozinho por mais tempo • Amanhecido: com o passar das horas a água presente no pão começa a evaporar. O pão resseca, vai ficando borrachento, e depois você já sabe: fica duro que nem pedra. Os pãezinhos de ontem voltam a ficar mais macios e crocantes se você respingar um pouco de água ou leite e levá-los ao forno. Mas atenção: o efeito dura pouco, então é altamente • Congelado:para congelar, coloque o pão fresco em um saco plástico, que ajuda a manter a umidade do produto, retirando todo o ar (se você não tem uma máquina a vácuo, pode usar um canudinho). Na hora de descongelar, umedeça o pão com água e leve ao forno baixo por alguns minutos. Plim! A casca volta a ganhar crocância (mas lembre-se de que o pão deve ser consumido imediatamente). Se você esperar ele descongelar naturalmente ou utilizar o microondas, o pão ficará borrachudo. • Conservado: O melhor lugar para guardar o bom e velho pão francês é no seu próprio saco de papel de padaria lembrando que ele fica bom somente até o dia seguinte. Já para conservar pães artesanais você pode enrolá-los em um pano levemente úmido e guardá-los dentro de um armário. Eles duram por volta de cinco dias. Evite guardar qualquer tipo de pão na geladeira, pois o frio retira a umidade e resseca sua massa. • Ressuscitado: O pão é um alimento barato. Mas nem por isso você vai descartá-lo quando ele fica “velho”. Quando o pão endurece fica ainda melhor para preparar saborosas rabanadas, pudim-de-pão, torradinhas, croutons e farinha de rosca. Veja algumas receitas para reaproveitar os pães em: www.revistavidasimpoles.com.br
Para saber mais
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