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Azeite com grife
Com preço e status de iguaria, algumas marcas ostentam, como o vinho, selo de denominação de origem e são cobiçadas pelos gourmets por seus preciosos fios de qualidade Por Marco Merguizzo Alimento milenar, perpetrado por muitas civilizações que se ergueram sobre o Mediterrâneo, o azeite de oliva é um objeto de desejo de uma exigente legião de consumidores, ávida por saboreá-lo com requintes de connaisseur. Graças à notável qualidade alcançada por alguns produtores, determinadas marcas ganharam status de iguaria e preços que beiram os 50, 60 dólares por meros 500ml do precioso néctar. Semelhante a vinhos franceses, diversas regiões de origem no Velho Continente foram demarcadas nas últimas décadas. Só a Espanha, maior produtor do planeta e responsável por algumas das marcas mais cobiçadas, ostenta nove denominações de origem e de qualidade reconhecidas. O crescente interesse por essa geração de azeites extraclasse ainda se traduz pelos monovarietais (extraídos de um só tipo de azeitona), que passaram a freqüentar a mesa e as despensas de gourmets interessados em descobrir seus mistérios, sabores e peculiaridades. Degustações com experts também se tornam cada vez mais freqüentes, para deleite de alguns privilegiados. Na Europa ecologicamente correta se investe hoje na produção orgânica, com técnicas naturais de adubação e controle de pragas. À parte tais tendências de consumo e o sabor que confere aos alimentos e à própria vida – já alardeado desde o período pré-socrático –, o azeite é um senhor aliado do coração. Estudos científicos garantem que algumas gotas diárias, em especial do extravirgem, livre praticamente de colesterol, aumentam o bom (HDL) e reduzem o mau (LDL). Melhor: com características de alimento funcional, o óleo das olivas possui antioxidantes capazes de ajudar a prevenir doenças cardíacas e a arterosclerose. Tais benefícios à saúde humana foram detectados e devidamente amplificados, em estudos realizados no início dos anos 1990, sobre a dieta mediterrânea que mescla vinho tinto, peixes e hortaliças, regados com muito, muito azeite. Graças a médicos e especialistas em nutrição, o antes demonizado óleo extraído de azeitonas seria alçado, enfim, à condição de anjo na montanha russa do “faz-bem-faz-mal”, tornando-se hoje um dos maiores símbolos do revisionismo alimentar contemporâneo. Denso e dourado Pilar da gastronomia mediterrânea e mundial, o azeite é apreciado desde tempos imemoriais. As primeiras oliveiras, cuja longevidade alcança 600 anos, surgiram durante o Paleolítico Superior, há mais de 6000 mil anos, no território hoje ocupado pela Turquia. De lá, a árvore, que ganharia a fama de imortal, espalhou-se por todo o Mediterrâneo, Oriente Médio e costa Norte da África, graças aos fenícios e aos romanos, seus principais multiplicadores. Foi na bela região mediterrânea, porém, que melhor se adaptou e se desenvolveu. Os gregos, sobretudo, foram os grandes responsáveis pelo aperfeiçoamento do cultivo e pelo aprimoramento da prensagem e extração do azeite. Na Antigüidade, o óleo precioso era sinônimo de fartura para hebreus, gregos e etruscos, e cobiçada moeda de troca.O líquido denso e dourado, proveniente da árvore-símbolo do Mediterrâneo, no entanto, não fazia parte apenas dos hábitos locais à mesa. Com mil e uma utilidades, os gregos usavam-no para massagear seus campeões olímpicos e na composição de máscaras de higiene e beleza. Já os romanos perpetravam unções, remédios e ungüentos para aplacar a dor. Ou, ainda, utilizavam-no como combustível, em suas lamparinas domésticas. Séculos depois, com os cristãos, o azeite passou a marcar presença nos ritos de passagem, como o batismo e a extrema-unção, até ganhar definitivamente seu merecido lugar à mesa. Nos países produtores mais tradicionais, o momento da colheita – que acontece de setembro a final de fevereiro, e no qual se determina a maturidade das olivas – interfere diretamente nas características e predicados do azeite. Claro, também refletem, na cor, nos aromas e no sabor do produto, a variedade, o microclima, a composição do solo e demais condições – o chamado terroir. De todo modo, azeitonas verdes, ou em processo de amadurecimento, dão um óleo verde, frutado e picante. Já as mais maduras, ou provenientes de colheitas tardias, originam produtos amarelados de sabor mais adocicado e suave. As nuanças da cor do azeite, portanto, não servem como parâmetro para avaliar e definir sua qualidade. O que de fato define o seu padrão de excelência é o tipo de azeitona (são mais de 400 variedades existentes), o grau de acidez e o modo de prensagem e armazenamento. Independentemente da procedência do óleo, porém, o melhor e mais caro azeite de oliva é o extravirgem, de sabor marcante e com acidez de até 1%. Provém da primeira e única extração das olivas – a chamada prensagem a frio –, que, a seguir, também é decantada mecanicamente. Considerado de primeiríssima qualidade, utiliza somente frutas maturadas, colhidas à mão e com cuidados excepcionais, das quais é extraído o suco, no prazo máximo de 24 horas. Qualquer machucadinho na azeitona, ou atraso na prensagem, interfere na pureza e no teor de acidez (de, no máximo, 1%), o que é determinante para a qualidade do azeite. Daí, quando o extravirgem apresenta uma acidez entre 1,1% e 2% e pequenos defeitos detectados pelos oleólogos (responsáveis pela seleção das colheitas), ele, então, é rebaixado na classificação. Não há regras rígidas para o uso de cada tipo. De sabor herbáceo, bastante concentrado, que lembra maçã, frutas verdes e baunilha, os extravirgens são perfeitos para temperar pratos crus e até sorvetes – o que o poupa dos danos causados pela chama do fogão, preservando seus sabores e características. Para cozinhar os alimentos, como agente de cocção, seu uso é desaconselhado, já que o aquecimento promove sua degradação e auto-oxidação, diminuindo a concentração de substâncias mais saudáveis e de seus perfumes e sabores originais. Extremamente delicados, os azeites especiais devem ser consumidos rapidamente, depois de abertos. A guarda em garrafas de vidro verdes amenizam, em parte, sua oxidação por luminosidade, e servem mais como chamariz de mercado, mantendo a conotação que o consumidor dá ao azeite. Atualmente, a Espanha lidera a produção mundial com mais de 600 mil toneladas/ano. Na companhia de outros pesos-pesado das latinhas – italianos, gregos, portugueses e franceses –, os ibéricos formam o pelotão de elite dos azeites tops. Sinônimo de alta qualidade, essa seleção de comunitários disputa gota a gota, e fio a fio, a preferência dos gourmets. (© Wish) |
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