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  A CULINÁRIA ITALIANA

Produção de vinho muda paisagem do Sertão Pernambucano

 

Gustavo Belarmino e Inês Calado
Enviados especiais

PETROLINA - Está longe de virar mar, é verdade, mas quem olha hoje para o Sertão de Pernambuco - mais especificamente a Região do Vale do São Francisco - pode estranhar a quantidade de parreirais espalhados às margens das rodovias que levam até Petrolina, distante 769 km do Recife. O clima continua árido, com temperaturas médias de 26°C e com raríssimas ocorrências de chuva. E essas, por incrível que pareçam, são as condições ideais para que a região quebre vários conceitos estabelecidos, entre eles o de que uva para a produção de vinho só pode ter uma safra por ano. No pólo de vitivinicultura de Pernambuco, a fruta dá o ano inteiro. E das boas. "O vinho começou a ser produzido na região no final da década de 80 a partir da iniciativa arrojada de alguns empresários, que queriam produzir a bebida num clima tropical. Hoje temos aqui seis grandes vinícolas que até já exportam para outros países", afirma Pedro Gama, diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Semi-Árido (Embrapa).

A fórmula dessa receita, que deixa o Sertão verdinho e competindo em pé de igualdade com outros estados consolidados na produção de uvas e vinhos (todos na Região Sul do País, tendo o Rio Grande do Sul como o seu maior representante), está apoiada em fatores que combinam tecnologia e muita pesquisa. Instalada no Sertão do São Francisco, a Embrapa define muito bem os dois tipos distintos de produção: o primeiro, potencialmente rentável para o agronegócio, é baseado nos sistemas produtivos localizados nas áreas irrigadas, que correspondem a 120 mil hectares da Região do submédio do São Francisco. O outro, e aí está o grande desafio do órgão e de entidades públicas e privadas, se vincula ao melhoramento da produção nas áreas dependentes de chuva para o cultivo de outras culturas. O especialista Giuliano Elias Pereira, doutor em viticultura e enologia pela Universidade de Bordoux (França), explica que, diferentemente de outras regiões produtoras do mundo - com climas temperados - que têm apenas uma safra por ano, o Vale do São Francisco pode produzir duas, até três safras anuais. "Petrolina pode produzir uva de janeiro a dezembro. Hoje conseguimos ter um produto típico, primeiramente de qualidade, original, mas com as características específicas da região", ressalta o estudioso.

As primeiras garrafas de vinho produzidas às margens do Velho Chico têm o rótulo Boticelli. A empresa pioneira nasceu no município de Santa Maria da Boa Vista que, mais tarde, deu origem à cidade de Petrolina. Passados mais de vinte anos, já são seis vinícolas instaladas no Estado. O pólo vitivinícola, que integra os municípios de Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Petrolina, produziu no ano passado em torno de seis milhões de litros de vinho. Para quem não acreditava que uma área com clima tão diferente do habitual poderia ir tão longe, os números atuais mostram o contrário. A indústria do Vale do São Francisco já concentra 15% da produção nacional de vinhos finos, ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul. De acordo com dados da Valexport (Associação dos Exportadores do Vale do São Francisco), a expectativa é de que se atinja, ainda este ano, entre sete e oito milhões de litros de vinhos finos, o que corresponde a 20% da produção nacional. Até 2010, a estimativa é de uma produção total de 15 milhões de litros na região.

  O pólo em números
   
» 6 milhões de litros de vinho produzidos em 2005
» São utilizados 700 hectares na produção
» O pólo já produz 15% do mercado nacional
» Pernambuco possui 6 vinícolas
» Hoje são produzidos 20 tipos de vinhos diferentes
» O pólo emprega hoje 30 mil pessoas
» 8 milhões de litros devem ser produzidos em 2006

A ViniBrasil é uma das grandes vinícolas do pólo, com 200 hectares de terra destinadas à plantação de uva. Produtora de três marcas - Adega do Vale, Rio Sol e Rendeiras -, coloca no mercado nacional e internacional mais de um milhão de garrafas por ano. Cerca de 30% da produção destina-se à exportação. "Nosso vinho (especificamente o Rio Sol) tem sido muito bem aceito no mercado externo. Já vendemos para países como Itália e Portugal", comemora Marcelo da Fonte, gerente da casa. A empresa tem feito grandes investimentos em pesquisas e novas tecnologias e espera aumentar a produção de garrafas para 10 milhões em apenas cinco anos. O proprietário da Boticelli e também presidente da Valexport, o empresário José Gualberto, se mostra otimista com relação ao crescimento do pólo. A pioneira Boticelli começou produzindo, em 1983, 100 mil litros da bebida por ano. Hoje é 1,2 milhão. "Estamos crescendo conforme a demanda do mercado. Todas as empresas têm investido em novas tecnologias e ampliado suas produções", afirma.

Em 2003, a Embrapa iniciou na região um estudo para adaptação de novas variedades de uva. "Foram introduzidos 28 tipos diferentes de videiras, entre espanholas, portuguesas, alemãs, francesas e italianas, das quais apenas 12 se adaptaram às condições climáticas da região", afirmou o pesquisador Giuliano. Essas uvas foram plantadas em três fazendas e agora estão sendo avaliadas "Algumas já são cultivadas em outros países, mas não no Brasil. Acreditamos que vamos conseguir introduzir essa nova cultura aqui", espera. Uma das variedades é a barbera, que pode originar um vinho semelhante ao do Porto.  Segundo Giuliano, a região é uma das únicas que usa uva tipo "itália" para produzir espumantes, que fazem grande sucesso nos mercados nacional e internacional. O pólo ainda surpreende pela diversidade de sua "carta" com, aproximadamente, vinte tipos de vinhos jovens e alguns vinhos de guarda, envelhecidos em barricas de carvalho. Para Giuliano, "a vitivinicultura pernambucana quebrou um paradigma mundial."

PRÁTICAS - Na região, o tema é recorrente e alvo de vários encontros - a exemplo do Agrishow do Semi-Árido - entre o meio científico e a comunidade, todos buscando criar alternativas que ajudem os produtores a desenvolver sistemas de agricultura sustentável. A Embrapa observa que grande parte das práticas agrícolas utilizadas nestas chamadas áreas dependentes de chuvas, ou seja, métodos utilizados por pequenos agricultores no sistema tradicional do semi-árido nordestino, é inadequada. Mas isso não é exclusividade dessas áreas.

Entre os prejuízos, está a degradação do meio ambiente, com práticas precárias de trabalho, que podem por em risco áreas de um rico ecossistema do Nordeste, a caatinga. Alguns dos principais problemas apontados são o manejo do solo através de queimadas, revolvimento excessivo e esgotamento de nutrientes em conseqüência do mau uso. Uma das práticas utilizadas para contornar esses obstáculos é a capacitação da mão-de-obra local. De acordo com Natoniel Franklin de Melo, chefe adjunto de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, a entidade atua através de parcerias com órgãos como Senai, Sebrae e Cefet tanto na formação de técnicos como dos empresários da região. O programa Produção Integrada de Frutas já capacitou mais de 2,5 mil pessoas. "Desde que iniciamos o programa, identificamos a diminuição de 65% do uso de agrotóxicos. Isso é bom tanto para o meio ambiente, quanto para quem está trabalhando. É significativo para a região", ressaltou.

Em fevereiro deste ano, a região ganhou o Centro Tecnológico da Uva e do Vinho, instalado na Embrapa, que vai atuar de acordo com três vertentes: capacitação, empreendedorismo e inovação tecnológica. O espaço vai abrigar o Laboratório de Enologia, um investimento de R$ 2 milhões dos governos federal e estadual.

(© JC Online)


Centro de Tecnologia testa novos tipos de vinho no Sertão

Do JC OnLine

Vencidas as barreiras impostas pelo clima e a incredulidade dos grandes produtores de vinho do mundo, o pólo vitivinicultor pernambucano percebeu que agora era necessário investir - mais do que nunca - na qualificação da mão-de-obra local. E não são apenas os empresários e engenheiros das companhias que precisam conhecer a "nova" cultura. Afinal, segundo o enólogo Giuliano Elias Pereira, cerca de 90% da qualidade do vinho vêm do campo. Além de enfocar a educação profissional, o Centro de Tecnologia da Uva e do Vinho, inaugurado em fevereiro deste ano, também vai atuar nas áreas de pesquisa e empreendedorismo.

O CT é resultado de uma parceria dos governos federal e estadual e de iniciativas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Desde junho, duas turmas já estão sendo capacitadas, beneficiando 32 alunos da região. "Queremos passar para os estudantes todo o processo de produção nas videiras. O importante é frisar que a qualidade do vinho não depende do momento que a uva chega no laboratório, mas ainda na colheita", reforça. A formação é completa - desde o conhecimento do clima, solo, manejo, poda... até chegar à enologia - e a intenção é preparar uma mão-de-obra especializada para atuar em diferentes áreas. "Campo, adega ou degustação... Eles terão um conhecimento básico de todo o processo de produção", explica o pesquisador, que coordena as atividades no CT.

O centro funciona na sede da Embrapa (a 40 km de Petrolina) e, além de salas de aula, abriga o Laboratório de Enologia, um investimento de cerca de R$ 2 milhões. Com a ajuda de 23 técnicos, o espaço tem o objetivo de monitorar a qualidade dos vinhos produzidos na região, além de desenvolver variedades específicas para o vale, em busca de uma identidade própria, conhecida no mercado como "denominação de origem controlada". "Hoje conseguimos ter um produto típico, primeiramente de qualidade, original, mas com as características específicas da região", explica Giuliano.

Segundo Pedro Gama, a combinação conhecimento-novas tecnologias é um importante diferencial para a atividade. "Irá aumentar a capacidade do setor em competir nos mercados internos e externos", espera. O gerente da vinícola ViniBrasil, Marcelo da Fonte, também vê com otimismo a instalação do Centro Tecnológico na região. "Ainda temos dificuldades para contratar mão-de-obra específica para a área de adega, porque o vale não tinha tradição na produção de vinho, mas agora acreditamos que também iremos encontrar esses profissionais aqui", afirma. Para o presidente da Valexport, José Gualberto, já estava na hora de a região ter um instituto direcionado à pesquisa da uva e do vinho. "Já provamos que é possível produzir vinhos aqui, pois se dizia que não havia tradição e que, portanto, não era possível. Agora o nosso vinho vai ganhar uma personalidade, ancorado num instituto de pesquisa, como acontece em outros locais de produção do mundo." (I.C)

(© JC Online)

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