Gastronomia - O Canal de Culinária do ItaliaOggi

                   Publicidade


  A CULINÁRIA ITALIANA

Palavras estranhas, temperos trocados

De autoria controversa, "Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci" traria as receitas do gênio renascentista

De autoria controversa, "Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci" traria as receitas do gênio renascentista

Gabriel Bolaffi
Especial para a Folha

   Por mais que Leonardo da Vinci (1452-1519) tenha sido um gênio de mil e uma capacidades -e foi-, passou para a história como pintor, e assim nós o conhecemos. Desenhou inúmeras invenções, entre as quais uma bomba d'água mecânica, um helicóptero, um avião e muitas mais, mas praticamente nenhuma pôde ser experimentada. Publicou o seu famoso "Tratado da Pintura" e também escreveu e desenhou diversos manuscritos, sobre anatomia, sobre o vôo dos pássaros, sobre mecânica e outros mais.

   Mas hoje, mesmo que esteja havendo, de uma década para cá, um certo aumento do interesse por Da Vinci, o homem comum ainda o conhece como o pintor da "Gioconda", de "A Última Ceia", de uma "Pietá" e das demais obras que pintou para os seus patrocinadores.

   À primeira vista não deveria surpreender o livro de receitas "Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci" (adaptação e organização de E. Barreiros, 126 págs., R$ 20, ed. Record), atribuído a Da Vinci. Afinal não parece lógico que um gênio dotado de tantas capacidades criativas apreciasse a boa mesa e os modos de aprimorá-la? Contudo, não tendo jamais sido exibido o seu manuscrito original (que integraria o "Codex Romanoff"), as origens do livro são obscuras.

   A atual versão impressa origina-se de um texto datilografado que seria a cópia de originais que estariam no museu Hermitage, em São Petersburgo (Rússia). Mas a direção do museu nega a existência de tais manuscritos!
Mas não é só por isso que "Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci" sabem a comida requentada.

   O "Codex Romanoff" não é datado e não se sabe quando teria sido escrito, mas Leonardo morreu em 1519, apenas 27 anos após a descoberta da América. Não teria dado tempo para que tantos ingredientes americanos já estivessem difundidos na Europa e na Itália, como o texto sugere. Nomes de alimentos muitas vezes aparecem trocados ou mesmo errados em muitos textos renascentistas, e, mesmo no presente, há confusões entre línguas.

   O milheto, no século 16, foi algumas vezes confundido com o milho, e no presente a chicória, em inglês, é chamada de endívia! Ocorre que do milheto não se faz polenta e, por mais que a difusão do milho tivesse sido rápida -alcançaria a China no final do século 16-, não houve tempo para o preparo de pratos elaborados como a polenta, e ainda por cima a polenta frita, tão frequente nas receitas do livro.

   Finalmente, num item da seção "Sobre como se devem dispor à mesa os convidados doentes", há nos manuscritos uma referência aos sifilíticos. Mas esse vocábulo foi cunhado a partir de 1530, data na qual o médico, astrônomo e poeta Gerolamo Francastoro escreveu seu poema "Syphilus", provavelmente depois de 1698.

   Ainda assim, embora de autenticidade duvidosa, este livro será interessante para os curiosos sobre a comida da Renascença, posto que as receitas que contém, conquanto não escritas do modo habitual aos mestres cozinheiros da época, são fiéis à comida do tempo.

Gabriel Bolaffi é professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "A Saga da Comida" (ed. Record).

(© Folha de S. Paulo)

Da Vinci - Forno e Fogão

Rabos de porco com polenta

   Este prato é de minha própria invenção, por mais que meu amigo Massimo Cipolini insista que eu o tomei de sua cozinha. Pegue 30 rabos de porco, limpe-os e desosse-os de maneira que o couro não se rompa. Depois, recheie-os com qualquer coisa que esteja à mão (um pouco de carne magra de porco, uma anchova). Ponha-os em uma caçarola com água fria, que deve ser condimentada com algumas cebolas e sementes de cravo moídas. Cozinhe por uma hora em fogo baixo, retire os rabos, tire-lhes a água e passe-os pela prensa. Deixe que repousem pelo período de duas horas, envolva-os com uma fina camada de polenta e coloque-os no forno por meia hora ou até que a polenta esteja crocante e dourada. São os preferidos de meus irmãos e eu os preparo sempre que os visito.

Chicória

   Suas raízes raladas e regadas com azeite, sal e vinagre funcionam como afrodisíaco e também são boas para as bocas pestilentas, doenças contagiosas, intoxicações e o sofrimento.

Urso

   A maneira de cozinhar um urso não é algo que eu possa me atrever a discutir. Entretanto permita-me aconselhar àqueles com pouco cabelo que esfregar gordura de urso em suas cabeças evitará que as quedas aumentem e até provocará o crescimento de novo cabelo.

Sopa de cavalo

   A melhor maneira de ingerir um cavalo é esta: deve-se prepará-lo como a sopa de vaca, mas, no lugar de três cenouras, três cebolas (um cavalo é suficiente para dar de comer a 200 pessoas).

Pastel de abelha

   Cozinhe 14 rãs em uma bexiga de porco durante algumas horas. Limpe-as, retire os ossos e corte-as em pedaços pequenos. Junte um pouco de aspérula cheirosa, um pouco de mel e um ovo de galinha. Dê ao resultado a forma de abelha. (As receitas acima foram extraídas de "Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci".)

(© Folha de S. Paulo)

 

Google
Web ItaliaOggi