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  A CULINÁRIA ITALIANA

Marrom Glacê, italiano apesar do nome

O doce: uma sobremesa delicada e elegante

   O Brasil comemora o Natal com símbolos importados. Mas as pessoas que se rebelam contra essa fatalidade gastam tempo em vão. É uma tradição definitivamente enraizada no País, com manifestações divertidas.

   Incorporamos os principais emblemas do Natal europeu, que lá coincide com o inverno, e até hoje não conseguimos adaptá-los ao verão, a estação na qual festejamos o nosso. No calor escaldante, vestimos o Papai Noel com roupa vermelha pesada e o embarcamos no trenó polar. Por falta de neve, envolvemos a árvore da natividade com chumaços de algodão. A influência estrangeira contagiou a mesa, onde pratos de legítima ascendência luso-brasileira foram substituídos por receitas de outras latitudes. Em muitas casas, o peru americano destronou o leitão pururuca; o panetone italiano tomou o lugar da rabanada. Entretanto, algumas influências são particularmente apetecíveis. É o caso do marrom glacê, uma sobremesa rara e cara, que processa a castanha européia inteira. O sabor inicial evoca o nosso corriqueiro doce de batata-doce, embora seja mais delicado e elegante. Tem nome francês - a grafia original é marron glacé. Mas, ao contrário do que afirmam alguns livros, nasceu na Itália.

   No Império Romano já se fazia uma sobremesa assemelhada. As castanhas eram cozidas e mergulhadas em uma ânfora cheia de mel. Foi o doce saboreado pela bela Amarílis, personagem cantada nas Bucólicas, primeira obra importante do poeta latino Virgílio, entre os séculos 42 e 39 a. C. Mas a receita contemporânea teria começado a surgir em Turim, no fim do século 16, na corte dos Savoia, antiga e poderosa família feudal do norte do país. A ela pertencia Vittorio Emanuele II, o rei que unificou a Itália em 1861. Por que motivo, então, foi batizada de marrom glacê? Em italiano, deveria chamar-se de marrone candito. Foi porque os Savoia julgavam mais elegante falar francês. Afirma-se que o doce surgiu por acaso. Um cozinheiro distraído, que trabalhava para o duque Carlo Emanuele I di Savoia (1562-1630), cozinhou na calda, em vez de água, as castanhas destinadas ao recheio de um javali.

   Turim comprava açúcar de Veneza, também ao norte da Itália, que por muito tempo conservou seu monopólio na Europa. Ao ser incorporado pelos confeiteiros da corte de Luís XIV (1651-1715), o marrom glacê adotou a cidadania francesa. Posteriormente, a receita foi aperfeiçoada na Ardèche, pequena região do sudeste do país, com fama de produzir as melhores castanhas. A França difundiu o doce no mundo.

   A técnica usada atualmente inicia com a seleção rigorosa das castanhas.

   Poucas terão a honra de se tornar glacês. Só as maiores, perfeitas e macias - cerca de 20% - se transformarão em doce. Descascadas e envolvidas em véu de tule, são cozidas na água quente por tempo preciso. Depois, elimina-se as que não resistiram ao calor e quebraram. O passo seguinte consiste em colocar as castanhas numa grelha, onde recebem um banho de xarope de açúcar.

   Depois de alguns instantes no forno, o preparo termina. Os marrons glacês são acondicionados individualmente em papel alumínio e colocados em embalagem de papelão ou vidro. Uma variação do doce é apresentá-lo macerado em calda, licor, rum ou cerveja. Existe também o creme de marrons (geléia com açúcar), o purê de castanhas (o mesmo produto, sem açúcar) e a conserva de castanhas em pedaços. Além da França, que enobrece o doce em elaborações como a esplêndida dinde aux marrons (perua com castanhas), obrigatória na ceia de Natal, Itália e Espanha se destacam na sua produção.

   A castanha é o fruto de uma árvore de origem asiática, do gênero Castanea.

   Foi levada para a Líbia e dali se alastrou pela bacia do Mediterrâneo. Hoje, encontra-se do norte da África à Dinamarca, dos Estados Unidos ao Brasil.

   Alcança de 20 a 30 metros de altura e passa a dar frutos aos 25 anos. No início, cada pé fornece de 15 a 20 quilos anuais de castanhas. Aos 50 anos, a produção sobe para 80 a 110 quilos. No sul da Itália, perto do Etna, o maior vulcão europeu, existe uma castanheira com 400 anos de idade. Isso lhe confere o status árvore longeva. O fruto se desenvolve no interior de uma carapaça espinhosa, conhecida como ouriço. No outono, amadurece e despenca dos galhos. Não pode ser comido cru. Só quando assado ou cozido revela suas deliciosas características.

   Divide-se em dois tipos: a castanha propriamente dita e o marrom. No primeiro, o ouriço acomoda dois ou três frutos. O marrom nasce solitário. A castanha-do-pará e a castanha de caju têm papéis importantes na economia brasileira. Mas não pertencem ao mesmo gênero. A castanha européia contém elevado teor calórico. Rica em proteínas, vitaminas A, B e C, dotada de sais minerais, magnésio, enxofre e cloro, ajudou populações inteiras de camponeses franceses e italianos do passado a enfrentar a fome no inverno.

   Também não existe relação entre o marrom glacê e o doce homônimo brasileiro, à base de batata-doce, xarope de glicose, espessante e acidulante. Pode até ser bom e ter qualidade. Mas é marrom glacê tão falso quanto uma nota de três reais. (O Estado de S. Paulo)

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